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Artigos-->HISTÓRIAS DO CÁRCERE E DA REPRESSÃO -- 19/06/2015 - 19:25 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

                                                                                                                                                             HISTÓRIAS DO CÁRCERE E DA REPRESSÃO                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 L. C. Vinholes



Há cerca de um ano recebi exemplar da coletânea intitulada “Histórias do cárcere e da repressão” reunindo doze contos de autoria de uruguaias e uruguaios que sofreram torturas físicas e psicológicas. São três mulheres e oito homens que, com habilidade e clareza, registraram suas experiências nas prisões e quartéis, em textos apresentados ao júri do 1º Concurso de Contos Crysol, cujo objetivo foi marcar a passagem dos quarenta anos do golpe militar no Uruguai. Os autores, pela ordem em que seus contos aparecem, são: Omar Mir Silva, Carlos Minetti Fernandez, Leonardo Santos, Gabriela Gil Leone, Nelson Rodriguez, Sylvia Peyrou, Robert Hirigoye, Luis Garibaldi, Jorge Gardia Irrázabal, Juan José Ortiz, Analia Morales e Vladimiro Delgado. O júri estava formado por Carlos Liscano, Eda Fabri e Ariel Silva. Carlos Liscano Fleitas, que assina o Prólogo intitulado “Em favor da língua”, é escritor uruguaio, preso entre 1972 e 1985 por ter pertencido ao grupo Tupamaro, que se refugiou na Suécia em 1985 e voltando ao Uruguai em 1996, quando começou a trabalhar para a Editora Brecha e para o jornal El País Cultural. Em 2009 foi nomeado Ministro da Cultura pelo presidente Tabaré Vasquez e em 2010 ocupou o cargo de diretor da Biblioteca Nacional do Uruguai, na gestão do então presidente José Mojica. No Prólogo, com marcante habilidade, Fleitas aponta a importância da língua como instrumento primordial para superar os traumas causados pelo sofrimento e pelo abuso físico e mental, mediante a reconstituição dos fatos pelo verbo, da forma e da maneira mais efetiva encontrada pelos que viveram e conseguiam sobreviver ao que não pode ser desvirtuado e muito menos esquecido. Ponderadamente, sintetiza seu pensamento quando escreve: ”Quem sabe ainda estamos em uma etapa débil, de reconstrução e cura, como para que a literatura se encarregue da recriação daqueles anos”. O texto de apresentação da obra, assinado pela comissão responsável pela publicação, chama a atenção quando diz que o “concurso de contos, sobre a repressão e o cárcere”, surgiu “da necessidade de resgatar a memória do que foi o período de terrorismo de Estado e a consequente violação dos direitos humanos pelo Estado”. E continua: “Que se conheçam os segredos mais turvos, mais macabros, que veja a luz o destino de nossos companheiros, os que já não existem, os desaparecidos, os que ainda não tem um lugar para descansar, os que esperam que não nos calemos, que não nos cansemos de buscar o esclarecimento, que não os deixemos sós, que continuemos a desfraldar nossas bandeiras de luta por um mundo melhor”. Justamente quando recebi a referida publicação veio a público, nas páginas dos principais órgãos da imprensa brasileira, a farsa do frustrado atentado no Rio Centro, em 30 de abril de 1981, quando uma explosão eliminou um sargento do Exército que carregava o artefato destinado aos que participavam do evento comemorativo ao Dia do Trabalhador; quando a Comissão Nacional da Verdade, criada para esclarecer os desatinos dos governos militares pós-golpe de 1964, comprovava que unidades do Exército, da Aeronáutica e da Marinha, no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Recife, eram instrumentos para a prática da violação dos direitos humanos, desvirtuando as finalidades para as quais foram criadas; e, ao mesmo tempo, a prefeitura de São João del-Rei, berço dos Inconfidentes, prometia que, em 31 de março daquele ano, em ato simbólico retiraria do seu Salão Nobre os retratos dos generais que ocuparam o Executivo, “nos anos de chumbo”. Agora, acabo de ler o recente conto “Isabel” registrando os sofrimentos de uma prisioneira torturada e violentada na masmorra que era a Prisão de Rieles, relato pungente de Analia Morales, companheira de infortúnio da vítima e também autora do conto “O equilíbrio perfeito” que ocupa páginas da antologia “Histórias do cárcere e da repressão”. O referido concurso é promovido pela Associação Crysol criada para reunir ex-presos políticos, que edita o periódico Crysol Opinando e tem sede à Rua Joaquim Requera, em Montevidéu. Ali, em 14 de março de 2015, foi inaugurado o “mural alusivo aos 30 anos de libertação dos últimos presos políticos, obra dos artistas plásticos Gabriel ‘saracho’ Carbajales e Pablo Duarte”. Na manhã do mesmo dia, a citada associação promoveu cerimônia no Memorial aos Presos Desaparecidos, situado no Parque Vaz Ferreira da capital uruguaia. Segundo a mesma publicação “Com raras exceções, os mais de 6.000 cidadãos colocados à disposição dos tribunais militares desde 15 de abril de 1972, foram brutalmente torturados: ficar plantado durante dias, semanas e meses, encapuçados e atados, privados de dormir, de alimentação e atenção médica, sem contato com seus familiares e com o mundo eterno, desaparecidos, submetidos a espancamento, golpes constantes e permanentes, às seções de afogamento por imersão, choques elétricos, ficar dependurados e quanta bestialidade imaginassem os executores de tais interrogatórios, incluindo abusos sexuais e violações.  



Tornar público e compartilhar histórias vividas em épocas de repressão e sofrimento, certamente é um processo válido que, em muito, pode não só esclarecer os fatos, mas também ajudar a cicatrizar as feridas daqueles que foram seus principais protagonistas involuntários e dos que, embora impotentes, em nenhum momento foram coniventes. Crysol em espanhol ou crisol, em português, segundo o Aurélio, é “cadinho; aquilo em que se apuram os sentimentos; aquilo que serve para evidenciar as boas qualidades do indivíduo; recipiente das máquinas de fundidoras e compositoras onde se derrete o metal-tipo (liga de chumbo, estanho e antimônio, usada na fundição do material tipográfico); caldeira”. A leitura dos contos acima mencionados permite não somente conhecer e identificar material suficiente para reconstituir o cenário, em nada diferente do vivido por brasileiros e brasileiras que se insurgiram contra a repressão, a perda da liberdade de pensamento e expressão, o direito de divergir, mas principalmente para, como registra o verbete do conhecido dicionário, evidenciar o brio e a determinação, os sentimentos, a dor e a coragem dos seus autores que, reunidos sob o pálio redentor criado pelo título dado à antologia, construíram entre si a liga da fraternidade que faz do passado, do presente e do futuro um só tempo de esperança, paz e amor.  


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