nasci em cama de varas
nos braços de minh avó
cresci por dentro d água
velejando em sol maior
a vida que sei de cor
apreendi só de escutar
a dor que temperava
as cantigas de ninar
ô mãe, vou pegar água
ô mãe, eu vou pescar
volto já, numa passada
nego-d água quer fumar
vi de tudo e tanto vi
que meu sonho já secou
em cada poro de mim
não deixei de sentir dor
mesmo vivendo em amor
sempre escuto a cantoria
triste, linda, tão presente
me embalando todo dia
ô mãe, vou pegar água
ô mãe, eu vou pescar
volto já, numa passada
nego-d água quer fumar
meu sangue é cor de barro
meu amor tem precisão
de um cheiro de orvalho
de fisgar no beliscão
longe ou perto desse chão
meu postal é o velho rio
no sossego do passado
fecho os olhos, me arrepio
ô mãe, vou pegar água
ô mãe, eu vou pescar
volto já, numa passada
nego-d água quer fumar
in "Água de Cacimba", 1998
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