vivemos a cada dia nos despedindo de tudo
dos filhos, da estrada, das agruras, das alegrias
dos sorrisos furtivos roubados das faces ingênuas
e passantes
vivemos dizendo adeus, adeus
sem perceber podemos estar vivendo nosso último dia, nossa última hora
e no emaranhado da rotina
não dizemos que amamos a
quem amamos,
não dizemos , restamos mudos num silêncioexato
do tamanho do tempo
na pronúncia discreta dos sussurros
vivemos morrendo um pouco a cada dia,
e na alvorada não nos lembramos mais da beleza
perdida e sangrenta do entardecer,
dos seixos de pedra no rio,
da gota de orvalho,
das discretas horas de cumplicidade
que em parcimônias sutis deixamos apenas nos
abandonar
vivemos discretamente abandonando a alma
nos cantos, pelas frestas,
nos ladrilhos e porcelanas da casa,
e a bica ganha o contorno de nossa mão,
ganha humanidade e respeito o criado mudo,
e neste imenso velório lento
esqueçemos do inesquecível
tudo isto é imperdoável...
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