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Contos-->SEM LÍNGUA -- 06/02/2003 - 13:00 (PAULO FONTENELLE DE ARAUJO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


          – Puxa! Então é assim que se beija? – pergunta Serginho ao colega mais velho.
            – Foi o que me disseram...

          Serginho abaixa a cabeça e olha para as suas unhas. Acabara de sair da aula de Educação Artística, onde manuseara argila e criara objetos absolutamente supérfluos. Contou três minhoquinhas de olhos furados, dois pequenos elefantes e quatro cabeças de negrinhos fumando cachimbos.

            As unhas estavam impregnadas de barro. Sente-se ridículo e por isso pergunta:

             – Você já beijou uma menina alguma vez?

           – Muitas vezes...

           – E foi língua tocando língua?

            – Claro!

           – Não parece muito legal.

            – É que você nunca experimentou.

           – Mesmo assim não parece legal.

            – Você ainda tem mentalidade de criança... por isso não gosta – afirma o mais velho.

            – Eu não disse não gosto, disse que não parece legal.

            – E não dá no mesmo?

           – Não, seu imbecil!

           – Os hippies beijam pra caramba..

           Os dois continuam a caminhar em silêncio. Serginho imagina o beijo. A língua até aquele momento fora uma massa disforme e vermelha, amortecia a dureza dos alimentos. Não havia qualquer sentido introduzi-la em outra boca. Tentar a acrobacia de passá-la entre dentes alheios. Não se contém diante do problema e volta a perguntar:

             – E se na hora eu não conseguir beijar direito?

             – Você dá um jeito.

           – Que jeito?

           – Qualquer jeito é jeito.

            – Como qualquer jeito é jeito?

            – Na hora você dá um jeito.

            – E se eu não souber dar um jeito?

            – Droga! É isto sempre acontece quando a gente fala essas coisas pra criança.

             Serginho tem doze anos. Sua mãe sempre o ironiza. O filho chegara à idade da exatidão. Tudo precisava ser organizado e decodificado. A criança exasperava-se, mas a mãe conhecia-o bem.

           Havia em sua mente a tensão pela ordem, ordem em cada espaço. O caminho da escola para casa, percorrido sempre do mesmo modo, sem pisar em certas calçadas, desviando dos riscos no cimento. As pessoas não podiam tocá-lo Voltou à carga inquisitória.

            – Você não respondeu. E se eu não souber?

           – Você aprende.

           – Estas coisas você tem que chegar aprendido. Como é que faço?

            – Pede desculpas e começa de novo.

            – Pedir desculpas? Eu tenho que ir desculpado. E se eu quiser cuspir na hora? E se a menina quiser entrar na minha boca quando eu estiver no caminho? Quem decide a vez de quem?

            – Pede desculpas e começa de novo. Não há outra solução.

            – Não dá, cara. Eu vou passar vexame.

            – Então treina no espelho do banheiro.

              Silêncio.

             – Essa é uma boa idéia.

            – Aproveita o treino e tenta fechar os olhos. O barato é fechar os olhos.

            – Ora, vai se danar! Eu sei fechar os olhos.

             O menino chega em casa com o coração aos saltos. Olha-se no espelho. Conta as primeiras espinhas. Sente-se mais ridículo por pensar em beijar seu próprio reflexo.

            No desespero, lembra do dicionário do pai.   Procura “língua”: órgão muscular oblongo e móvel na cavidade bucal. Pesquisa “beijo”, que viu significar “ósculo”. Encontra “ósculo”, definido como “beijo”.     Nem mesmo os dicionários são claros.

            A questão do beijo envelheceu Serginho.



DO LIVRO:"AS CRIANÇAS DO GENERAL MÉDICI"

E-mail do autor: phcfontenelle@ gmail.com


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