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Artigos-->Arquivos* -- 24/11/2014 - 13:35 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Arquivos*





ARQUIVÓPOLIS: UMA UTOPIA PÓS-MODERNA





A solução para o problema das massas documentais acumuladas, vulgarmente

conhecidas como arquivos mortos, é um dos grandes desafios da arquivística no

Brasil. Trata-se de uma situação que se repete melancolicamente em todo o país.

Qualquer organização pública ou privada, com mais de dois anos de existência,

convive com o dilema do que fazer com os documentos acumulados no decurso de

suas funções. O poder público em suas várias esferas, a área privada e mesmo

pessoas físicas em seus escritórios ou residências são tangidas a guardar cada vez

maior quantidade de documentos.

Projeções possíveis, a partir dos poucos levantamentos realizados, indicam que

somente os órgãos do governo federal guardam, hoje, dispersos nos estados

brasileiros, algo acima de 5.000km de papéis, medidos como se estivessem

armazenados em uma imensa biblioteca. Para se ter uma idéia da magnitude deste

número, pode-se dizer que seriam necessárias construções que somassem o total

de quase 1.000km² para acondicionar estes acervos. Se algum alucinado quisesse

centralizar tudo, em nome da modernidade, teria de mandar edificar um total

aproximado de 5.000 prédios de cinco andares cada um com capacidade para

armazenar, em condições aceitáveis, todo esse material. Não foram computadas as

áreas de serviços destas construções. Igualmente, não foram considerados os

palácios de despachos dos altos dirigentes, os escritórios dos funcionários, as

moradias de luxo e as populares, o comércio normal e os shoppings, os hospitais,

os bancos, as praças, as avenidas, a rodoviária, o aeroporto etc. Ter-se-ia,

portanto, de se levantar uma nova cidade, bem maior que Brasília. Possivelmente,

seria realizado um concurso para definir o seu plano-piloto, com certeza pósmoderno,

e o país debateria o seu nome de batismo. Temos até duas sugestões

preliminares: Arquivópolis e Documentolândia. Não faltariam críticos e ardorosos

defensores.

Outras espécies documentais, mensuráveis por unidade, dentre elas os negativos

e as ampliações fotográficas, os mapas e as plantas, os vídeos, os filmes, os

microfilmes, os disquetes, as fitas magnéticas de som e as de computador etc. vêm

se avolumando em quantidades impressionantes. Estas precisariam também ser

guardadas, em muitos casos, com investimentos adicionais e prédios anexos

especiais. Não esqueçamos que vivemos em plena era da explosão da produção e

da acumulação da informação. A nossa Arquivópolis teria de ser ampliada e dotada

de recursos técnicos compatíveis.

Passados dois anos da inauguração solene de nossa utopia pós-moderna, o

governo, os brasileiros e as brasileiras constatariam estarrecidos: tudo o que foi

previsto não foi suficiente para resolver o problema. Rapidamente, o Congresso

Nacional teria de aprovar um novo imposto para dar ao Estado recursos para

ampliar a nova cidade e seus valorosos serviços. O pior é que tudo isto se repetiria

com um intervalo de tempo cada vez menor. Em prazo recorde, a nossa nova e

progressista cidade, criada para documentos iguais e para simbolizar a nossa

entrada no Primeiro Mundo, seria o maior canteiro de obras urbano da humanidade

e, em dez anos, a maior megalópole do planeta. Obviamente, a sua "população" de

documentos estaria, em cada vez maior quantidade, na periferia ou em teimosas

"invasões". O Poder Judiciário, por exemplo, poderia criar a Judicilândia, as

empresas públicas e inúmeros outros órgãos procurariam encontrar e disputar o

terreno desapropriado para acomodar os seus acervos. Os desdobramentos deste

pesadelo ficam por conta da imaginação do leitor.

Aquele que chegou até este parágrafo deve estar se perguntando: Mas, então,

qual é a solução? Nas cidades brasileiras, em sua maioria de clima úmido e quente,

o tempo vem prestando serviços inestimáveis. Insetos, roedores e microorganismos

deliciam-se nos arquivos mortos, um hábitat inigualável. Tudo isto corroborado pela

incúria administrativa ou pelo peso dos falecidos que determina a escolha de

ambientes paradisíacos para a bicharada: porões, subsolos, galpões, corredores,

banheiros, prédios abandonados, garagens etc. Muitos com problemas de

ventilação, acúmulo de lixo e poeira, sujeitos a inundações ou exposição direta à

luz solar, uso de equipamentos e embalagens inadequadas e, principalmente,

sujeitos a flutuações da temperatura e da umidade relativa do ar.

É fato que existem burocratas piedosos e cristãos convictos de que podem

diminuir o suplício dos atormentados documentos. Estes, simplesmente, não

separam o joio do trigo. Jogam tudo fora, informações vitais e documentos sem

qualquer valor recebem o mesmo tratamento: o lixo. Outros, mais modernos e

racionais, mandam microfilmar tudo, inclusive as cópias e aquelas séries

documentais que podiam já ter sido eliminadas ou em breve o poderão, por não

terem mais interesse administrativo, jurídico ou histórico. Algumas vezes ganham

espaço, eliminando os originais e ficando com os rolos de microfilmes. Em outras

vezes, mantêm ambos sem saber para que ou por quê. Sempre gastam muito

dinheiro e continuam a ter dificuldades em encontrar informações fotografadas em

sua desorganização original. Ainda há os que tentam repetir Sísifo e acreditam que

será possível transferir todos os dados para os computadores, destruindo os

acervos e liberando os depósitos para fins mais nobres. Esquecem-se de que uma

criança de dois anos de idade e até um cão pastor alemão são mais inteligentes do

que o mais avançado dos engenhos contemporâneos, inclusive o AT 386, que

estamos, usando para escrever este artigo. Só perdem na precisão e rapidez de

repetição de dados e das informações que foram depositadas na máquina e nos

seus aplicativos, pela milenar engenhosidade humana.

PROPOSTA DE METODOLOGIA

A solução para o problema das massas documentais acumuladas passa

necessariamente pela mudança de mentalidade dos envolvidos. O tratamento

técnico de arquivos é uma atividade intelectual como qualquer outra. É preciso que

existam profissionais treinados para fazer a avaliação sistemática dos acervos,

aplicando a "teoria das três idades", determinado o que tem valor permanente,

intermediário ou corrente, definindo prazos de guarda, metodologias de trabalho

etc.

É verdade que ainda são poucos os profissionais realmente competentes nessa

área. Mas o seu número vem aumentando, e a bibliografia sobre o assunto em

português, espanhol, francês e inglês vem crescendo. Existem algumas

experiências-piloto e alguns profissionais que realizaram trabalhos efetivos com

resultados comprovados que devem ser acionados. Infelizmente, há também quem

não tem a visão completa do problema e se arrisca a executar trabalhos para os

quais não está preparado. Todavia, não é difícil selecionar pessoas, empresas e

instituições mais eficientes.

A solução definitiva do problema só é possível com o tratamento da doença na

origem: os arquivos correntes. As massas documentais existem, porque os

documentos na fase corrente não foram objeto de tratamento técnico-científico. Um

arquivo ativo que seja organizado de acordo com um plano de classificação de

documentos e que tenha o seu ciclo vital determinado por uma tabela de

temporalidade não gerará uma massa documental acumulada.

As massas documentais acumuladas atualmente existentes jamais poderão ser

organizadas na origem. Trata-se de arquivos semi-ativos e inativos. São acervos

compostos por documentos:

1. destacáveis de imediato, isto é, sem nenhum valor administrativo, legal ou

histórico;

2. de valor intermediário, isto é, poderão ser descartados depois de um prazo

administrativo, legal ou guardados para sempre;

3. de valor permanente, isto é, interessam à pesquisa de fundo histórico.

Não é mais possível tratar os arquivos mortos como se fossem ativos (correntes).

Todavia, alguns elementos da metodologia usada para organização de arquivos

correntes podem e devem ser utilizados. Assim como devem ser pesquisadas

estruturas, funções e as atividades das organizações que acumularam esses

arquivos. Estes estudos, feitos profissionalmente, permitirão que se estabeleçam os

fundos, as séries documentais e, eventualmente, outras subdivisões. Também

ensejarão que se estabeleçam os prazos de guarda, propondo-se o que deve ser

eliminado e o que passará a constituir o arquivo intermediário e o arquivo

permanente. É necessário classificar e avaliar para obter resultados. O nosso

grande desafio é que, quase sempre lidamos com acervos muito volumosos.

Infelizmente, temos sido chamados, muito mais para resolver os problemas

gerados pelas massas documentais acumuladas do que para resolver as questões

que as originam, mas isto está mudando.

Um outro front é vencer a resistência dos mais conservadores que acham que se

deve guardar tudo ou quase tudo. Aqueles que resistem aos fatos de que não é

possível organizar, sem avaliar e descartar. Não é casual que, nos países onde os

arquivos são mais cuidados, os percentuais de descarte sejam muito elevados. Nos

Estados Unidos, chega-se a eliminar 98% dos documentos gerados pelo setor

público, sem perdas substantivas para as questões administrativas e legais ou para

a memória nacional. No Canadá, 95%, na França, 60%. Obviamente que estes

índices são relativos, incluem as mil e uma cópia e as peculiaridades dos serviços

administrativos e técnicos de cada um destes países. Se chegássemos ao

percentual francês, tudo feito com muito critério, já estaríamos, nesta área, com

um pé no primeiro mundo. Para tanto, teríamos de, como lá, poder influir na

produção documental como um todo. Não nos cabe somente classificar e avaliar.

Temos também, a missão de orientar a forma mais econômica e racional de gerar

documentos, influindo, por exemplo, na produção de formulários, correspondências,

relatórios, fotografias, documentos microfílmicos e registros informatizados.

Para enfrentar todos estes desafios, precisaremos investir cada vez mais na

formação profissional de gerentes da informação arquivística, treinados e cultos.

Estes profissionais, arquivistas reciclados, oriundos do ainda precário ensino

brasileiro de graduação e pós-graduação neste domínio e em outros correlatos,

poderão ser os redentores do acúmulo desordenado que leva a perdas irreparáveis,

exemplificado pela existência dos arquivos mortos. Por tudo o que foi exposto, eles

não existem. Entretanto, não há como negar a presença asfixiante das massas

documentais acumuladas.

Não precisamos de utopias pós-modernas. É necessário trabalhar com os pés no

chão, rejeitando soluções miraculosas que esqueçam a imensa significação da

inteligência humana e do uso racional dos recursos tecnológicos, atualmente, ao

nosso dispor.





*Luís Carlos Lopes – Doutor pela Universidade de São Paulo. Membro do Comitê de

Ensino do Conselho Internacional de Arquivos. Professor e coordenador do Curso de

Arquivologia do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da

Universidade de Brasília. Referência: Ci. Inf. Brasília, 22(1): 41-43, jan./abr. 1993.
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