Usina de Letras
Usina de Letras
160 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62265 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22539)

Discursos (3239)

Ensaios - (10379)

Erótico (13571)

Frases (50654)

Humor (20039)

Infantil (5450)

Infanto Juvenil (4776)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140816)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6203)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Era o pai de Dolores. -- 04/02/2003 - 17:27 (Rose Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Era o pai de Dolores.

Recordo, hoje, um relato de Dolores.
Das muitas confidências que me fazia, esta me marcou profundamente. Posso quase ouvi-la contando...
“Lembro-me dele assim: pele enrugada; cabelos grisalhos, lisos, fartos; corpo com alguns quilos acima do peso, fruto do sedentarismo e da acomodação.
O que mais marcava, em sua presença, eram os olhos: vivos, inteligentes, perspicazes. Era motorista. Tinha a ginga, o linguajar peculiar à classe.
E bebia. Enquanto viveu, tentou afogar suas mágoas da vida malresolvida no copo. Fumava também. Muito. Outra de suas muletas emocionais.
De seu vício, nasceu uma família desajustada, inconformada.
O que já era difícil, tornava-se, por vezes, impossível.
Tudo era motivo de encher a cara: a raiva, o custo de vida, o dia difícil, as queixas da mulher... a vida.
Tenho na retina, gravada a fogo e dor, um episódio lamentável...
Estávamos ao portão — naquela época era comum essa reunião à porta, durante a noite, nas cidadezinhas do interior. Minha casa ficava a cem metros da esquina. Ao levantar os olhos, vimos aquele homem trôpego, cambaleante, tentando andar escorado à parede.
Estava tão embriagado que tombou. Ficou ali, esticado na calçada, o rosto voltado para o céu... sem vê-lo.
Um misto de vergonha e dor varreu todos nós.
Alguns dos meus irmãos, éramos nove, viraram às costas, entrando em casa. Minha mãe chorava baixinho.
Foi quando fui atingida por uma verdade irrefutável. Uma dor que pela primeira vez entendi: não importava se estava tombado, era o meu pai; não importava se era um ébrio, era o meu pai; se era pobre, com pouco estudo, maltratado pela vida, arrasado pelos próprios erros e por tudo que lhe era de direito e a vida lhe negou, era meu pai.
Desci do muro, pequena, magra e, com toda a arrogância que só os quinze anos dão, ergui o queixo e marchei em sua direção.
Luta vã... Eram muitos quilos para minha pequena figura.
Semi-inconsciente, não conseguia manter-se em qualquer posição. Quando o levantava de um lado... caía para o outro. O suor já escorria por todo o meu corpo, grudando os cabelos em meu rosto, quando, vendo o que eu fazia, dois de meus irmãos a mim se juntaram. Aos poucos, todos vieram, e o erguemos e o levamos para casa.
Foi dado um banho em seu corpo quase inerte. Colocamo-lo delicadamente na cama... Pé ante pé foram saindo, e fiquei mais um pouco, ali, quieta, olhando aquele rosto marcado, sofrido... e pensei que jamais voltaria a me envergonhar.
Não importaria o que dissessem, o julgamento que fariam. Em sua condição humilde, cumprira sua missão. Estávamos criados, saudáveis, encaminhados. Éramos gente de bem, sem atos dos quais nos envergonhar.
E fosse qual fosse a dor que o levava àquele extremo... haveria de passar. Era meu pai. Não me esqueceria disso. Não me envergonharia disso.
Penso, hoje que ele já se foi, no quanto uma geração pode construir ou destruir muitas outras.
O desajuste da família dele e o desajuste da família de minha mãe gerou os dois: incompatíveis e amargos. Eles, por sua vez, marcaram-nos com suas ações. Cada um de nós, a sua maneira, extravasa em suas casas o resultado daquela vida triste e sacrificada.
Vigio, rezo e rogo aos céus que me conduza, para que o elo de erros se quebre e eu possa influenciar meus filhos de forma positiva e acertada.”
Sem dúvida é um relato que nos leva a pensar sobre nossos feitos e seus reflexos.
Senti meu amor se expandir por minha amiga, rezando silenciosamente pelo sucesso do seu intento.
Boa sorte, querida Dolores.
Minha doce amiga.


Rose Oliveira
Aracaju
18/11/2002
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui