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Contos-->O Garanhão - -- 02/02/2003 - 16:19 (Paulo de Goes Andrade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O GARANHÃO -

Paulo de Góes Andrade

Os domínios do coronel Ernesto se estendiam por quase todo um certo município do Estado de Alagoas. Era agrônomo (de diploma apenas), pois nunca exercera a profissão. Não precisou, herdeiro único que fora de outro não menos famoso coronel Porfírio, seu pai. E, se o fizesse, que Deus se apiedasse da agricultura, já tão vilipendiada, desde aquela época, pelos idos dos anos 50, pela indiferença dos poderes públicos! Formou-se só por vaidade; simplesmente para ostentar o título de “doutor”. Preferia que o tratassem de coronel, já que substituía o falecido genitor.
Comentava-se, em volta dos seus contemporâneos, que fora um péssimo aluno. De uma mediocridade sem par. O diploma lhe caiu dos céus por milagre ou pelas “colas” dos colegas, recompensados regiamente por polpudas quantias.
Era dono de um visual elegante nos seus aparentes cinqüenta anos de idade. Herdou também do pai certos traços de fidalgos europeus. A cabeleira, mesclada de fios brancos, já lhe anunciava uma futura calvície naquela idade de dias já bem vividos.
Ernesto, quando estudante, fora premiado pelo pai com várias viagens ao exterior. As suas férias nunca foram gozadas no Brasil.
Se não foi um bom profissional, destacou-se como excelente administrador dos bens que lhe couberam. Tudo cresceu nos seus domínios. A paixão do velho Porfírio sempre foi a criação de gado-de-corte, como tratam os pecuaristas. Isto ele não esqueceu. Os frigoríficos da região, e até de outros estados, contavam com a sua quota mensal. Ernesto diversificou o seu patrimônio dividindo, também, parte com cana-de-açúcar e cultivo de lavouras outras: feijão, milho e mandioca. Os seus colegas de Escola se surpreenderam.
O homem ficou famoso naquelas bandas nordestinas. Só se ouvia falar no coronel Ernesto nas rodas de negócios e, mais ainda, na de colecionador de “cabaços”. Ouvi dizer que até uma agenda foi achada com a relação de suas vítimas. Não deixava por menos. Como oferecia uma razoável assistência às famílias pobres acolhidas em suas terras, em compensação queria ser o primeiro a conhecer a virgindade das mocinhas trabalhadoras. Envolvente, como ele só, investia oferecendo presentinhos do agrado feminino, como perfumes, sabonetes, e até peças íntimas de lingerie. E assim, adoravam o coroné Arnesto.
O tempo corria manso e fagueiro naquelas plagas, tão tranqüilo como a paciência de dona Gertrudes, sua esposa, que amargava, sem qualquer reação, a atitude inescrupulosa do marido, a quem não deu um varão, um macho do colhão roxo, como dizia Ernesto, cobrando-lhe um herdeiro, sempre que discutiam. Problemas de saúde a tornaram estéril, depois da extração de um mioma, danificando-lhe as trompas, poucos meses depois do casamento. Sentindo-se cheia de culpa, aceitava o comportamento dissoluto do marido.
A fama de garanhão do coronel Ernesto corria mundo. Falava-se, à boca pequena, que era adepto também do sexo oral. Daí invejar a língua comprida e áspera dos bois, como via nos seus reprodutores guzerá, antes de cobrirem as fêmeas. Assim ou não, fato é que a população infantil, em suas fazendas, cresceu assustadoramente graças à ajuda do seu poderoso proprietário, evidentemente.
Mas, à certa altura da boa vida de sultão, uma mudança brusca aconteceu no dia-a-dia de Ernesto. Aos poucos o seu comportamento foi-se arrefecendo. Notava-se um inesperado declínio nas suas atitudes de emérito conquistador. Já não obsequiava com tanta freqüência as meninas, nem mesmo as recém-chegadas às suas terras. Tornou-se mais caseiro, causando espécie, não só à esposa, como aos serviçais. As saídas noturnas costumeiras cessaram de repente. E, para surpresa geral, parecia mais gordo, mostrando a pele da face mais lisa e quase imberbe. Faltava-lhe a sua natural agilidade, o que o levava a deitar-se na rede do alpendre da casa-grande da fazenda com freqüência inusitada.
A esposa e os mais próximos atribuíram a sua transformação ao arrependimento pela sua infidelidade, indigna para um homem de sua reputação, um fazendeiro bem-sucedido que era.
Surgiram daí muitas hipóteses. Entre outras, a da sua castração.
Nos últimos tempos havia aparecido nos seus domínios um sertanejo com um casal de filhos em busca de trabalho. Fugiam de grande seca que castigou o Estado do Piauí. Era um caboclo musculoso, segundo diziam, de tez bronzeada do sol da caatinga. Enfim, um vaqueiro experiente e corajoso, ou melhor, um forte, digno da expressão de Euclides da Cunha no seu Os Sertões.
A generosidade do coronel Ernesto não poderia faltar àquela nova beldade, à filha donzela do novato sertanejo. Todavia, desde aquele instante da sua nova conquista, o que se comentou - até hoje - por ali foi o desaparecimento misterioso, sem qualquer rastro, do sertanejo e seu casal de filhos, deixando para trás a sua fama de exímio castrador de bois nas fazendas dos sertões nordestinos.
Inverídicos aqui são os nomes dos personagens. O resto, segundo os mais velhos, meus conterrâneos, está escrito na história do coronelismo alagoano.


Brasília (DF) – 02 / 02 / 2003

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