Meu senhor, que desperdício
Ocupar-se com o vício
De ficar orando à toa!
Se for preciso rezar,
Não queira só agradar:
Tenha uma causa mui boa.
As comadres, nas esquinas,
Julgam-se muito ladinas:
Falam mal da vida alheia.
Correm, depois, para a igreja,
Contam ao padre o que seja,
Fazendo a reza mui feia.
Em casa, têm uma imagem,
Junto à qual contam vantagem,
Em padres-nossos sem fim,
E rezam ave-marias,
Solfejando melodias
De pieguice ruim.
Ao chegarem cá no etéreo,
Fazendo ar muito sério,
Querem entrar para o coro.
Mas anjos não aparecem
E seus sentimentos crescem,
Vindo a perder o decoro.
Batem no peito: — “Ai de mim!...
Deve ter sido chinfrim
O santo p’ra quem rezei!
Foram tantos os meus terços,
Desde os tempos lá dos berços:
Onde será que pequei?”
Ao invés de rezar tanto,
Querendo comprar o santo,
Por que não a caridade?
A Lua paira no céu
E, sem fazer escarcéu,
Manda ao mundo claridade.
O Sol, por ser quente à beça,
Sem fazer qualquer promessa,
Enche de vida o planeta,
Ao contrário de quem acha
Que deve pagar a taxa
Da lengalenga calceta.
As estrelas pouco fazem,
Mas aos poetas comprazem,
Conversando sobre a lida.
Em lugar de reza pobre,
Deixar o tempo que sobre,
Para pensar sobre a vida.
Testemunha secular,
Viu Jesus o brando mar
E muita gente importante.
Banhou os pés desses santos,
Misturou-se com seus prantos.
Orar, orou: um instante.
Consciente dos compromissos,
Faça o homem seus serviços,
Sem requerer beneplácitos.
Os acordos doutra esfera
Não contemplam tal espera,
Por isso são sempre tácitos.
Compreenda o homem que Deus
Todos tem por filhos seus
E por todos tem carinho.
Estrelas, mar, Sol e Lua,
Faça deles coisa sua,
Pois Deus é pai e padrinho.
Jesus orou bastas vezes,
Sem pensamentos soezes,
P’ra livrar o irmão da dor.
Vão dizer que fez milagre,
Mas fará quem se consagre
A honrar o Pai com amor.
— “Meu irmão, que coisa feia
Comentar a vida alheia
De quem reza a toda a hora!
Interrompa este serviço,
Pois está a encher chouriço:
Já é tempo de ir embora.
“Mas, antes, reze uma prece,
Pois quem verseja agradece
Essa feliz cortesia.
Sendo ricos os tais versos,
Ou pobres, rudes, perversos,
Haverá sempre alegria.”
— Senhor, o esplendor da Lua,
O calor do Sol, que atua
Sobre a vida deste mundo,
As estrelas cintilantes,
No mar, as ondas galantes
Calam este vagabundo.
Aceitai, pois, a poesia,
Que eu nada melhor faria,
Para honrar-vos com amor.
E tende um lugar formoso,
P’ra quem sentir vosso gozo,
Mesmo em preces sem valor.
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