O “diabo” é um ser muito complexo e podemos dizer que ele não é um ser, mas um conceito que engloba diversos seres, de diversas origens e com diversas características. Lúcifer, o anjo caído, é apenas um entre milhares de entidades relacionadas ao conceito.
Inicialmente, temos que explicar que na própria Bíblia há menção a nada menos que dez diferentes seres que foram associados ao diabo:
- A serpente do Éden
- Azazel
- O Bezerro de Ouro
- Os “filhos de Deus”
- Os nefilins e os anaquins
- Belzebu
- Shaitan
- Lúcifer
- Satanás
- O Dragão do Apocalipse
A serpente do Éden era realmente uma serpente, porém muito astuta e dotada de características, como a fala, que ela perdeu depois de ser culpada pela Queda do Homem. A serpente não é o diabo porque vemos, lá mesmo em Gênesis, o que aconteceu com a serpente e sua progênie.
Azazel era um deus que governava os desertos e lugares remotos. No livro do Êxodo se menciona o ritual do bode expiatório, que pode ser interpretado como uma aceitação tácita da existência de uma divindade adicional a Deus. Alternativamente, esse ritual também pode ser interpretado como um sacrifício feito pelos hebreus ao deus que governava os desertos a fim de terem passagem segura.
O Bezerro de Ouro, o falso deus por quem os hebreus se desviam do culto a Javé, é muitas vezes considerado um símbolo do diabo também.
Os filhos de Deus citados no livro do Gênesis são claramente seres divinos, provavelmente a origem do conceito de anjos caídos. Eles descem dos céus e se unem a mulheres humanas, gerando filhos monstruosos. Esses filhos de Deus são uma variação do mito de Prometeu.
Os nefilins são a primeira geração de seres monstruosos e gigantescos paridos pelas infelizes mulheres que aceitaram se deitar com os filhos de Deus. Os anaquins são descendentes desses nefilins.
Shaitan, o “adversário”, é um anjo fiel a Deus cuja função é testar a fé dos homens tentando-os. Isso fazia sentido no Judaísmo, que era uma religião monista, mas os cristãos hoje interpretam Shaitan como um rebelde.
Belzebu, o “senhor das moscas”, é uma sátira a Baal, o deus maior do panteão cananeu.
Lúcifer, a “estrela da manhã”, “o portador da Luz”, é uma referência ao rei babilônico Nabucodonosor, encontrada no livro de Daniel, em que se profetiza que o rei enlouqueceria e se passaria a viver como um animal pelos campos. A profecia provavelmente se refere a um episódio histórico real (um rei enlouquecer é algo possível) e foi mais tarde reinterpretada como outra referência aos anjos caídos.
Satanás é a versão cristã de Shaitan, agora não mais um serviçal de Javé, mas um ser que age de maneira independente, procurando corromper a obra de Deus.
Finalmente o Dragão, citado no livro do Apocalipse, onde ele persegue a Mulher Vestida de Sol a fim de devorar o seu Filho após o parto, é um símbolo do Império Romano, que oprimia o povo judeu e tentou destruir a missão do Messias.
Muitos dos atributos do diabo se baseiam no dragão: pele vermelha, rabo com ponta de flecha, aparência monstruosa etc.
O diabo cristão também recebeu muita influência dos deuses pagãos que o cristianismo pretendeu suplantar, principalmente dos sátiros gregos (pés de cabra e chifres), do deus celta Cernunos (aparência animalesca e com chifres) e de vários outros menos relevantes.
Com o tempo, várias entidades pagãs foram redefinidas como demônios. Entre a idade média e o século XVI surgiram os "grimórios", livros que supostamente explicavam o funcionamento do mundo espiritual e astral, além de dar instruções a quem quisesse evocar os anjos e os demônios. Um desses grimórios, o Lemegeton ou "Clavícula de Salomão", incluía a Goethia, a lista dos demônios graduados existentes no inferno, conforme sua "patente". A Goethia do Lemegeton foi reescrita e expandida na Pseudomonarchia Daemonorum, um grimório famoso do século XVI.
Nesta fase, praticamente toda divindade antiga de que se tinha memória e que não era claramente um deus da mitologia greco-romana foi transformada em demônio, especialmente as figuras que já não eram "boazinhas". Entidades como Abbadon (o Anjo Exterminador, do livro do Apocalipse), Gog e Magog, Asmodeu etc. Todos foram transformados em diabos — mas cada um trouxe consigo as suas características originais.
Então, quando você vê diferentes representações do diabo, você pode estar, sim, vendo representações de seres diferentes supostamente vivendo no inferno.