O ANIVERSÁRIO DO FOME ZERO
(por Domingos Oliveira Medeiros)
De volta pro meu aconchego
Voltei aqui pra usina
Depois de um tempo de férias
Na região nordestina
Cansei de não fazer nada
Comi angu com buchada
Com suco de cajuína
Calor de fazer inveja
O sol aqui não termina
Ruim andar de gravata
No trabalho que termina
Quando o sol já foi embora
Até a outra aurora
Repetindo a triste sina
Enquanto eu e família
E mais algum convidado
Procurando o que fazer
Na areia bem deitado
Vendo o balanço do mar
E o vento a me soprar
Sob o céu ensolarado
De repente o vento trouxe
Numa folha de jornal
As notícias mais recentes
Da capital federal
Coisas que nem me lembrava
E nem mais acreditava
Que estivessem como tal
O assunto abordado
Foi tema das eleições
Quando ficou prometido
Três famosas refeições
Pro brasileiro carente
Assim disse o presidente
Com pompas e emoções
E o projeto ganhou fama
Andou pelo mundo afora
Discursos e mais discursos
A fome sem ir embora
Falhas no planejamento
Não chegava o momento
O tão esperado agora
Eis que enfim chega a hora
De executar o programa
Encher todas as barrigas
O governo assim conclama
Assessores não se entendem
Alguns até se ofendem
E o projeto virou drama
As dúvidas são infinitas
Surgem de todos os lados
Dar dinheiro ou dar comida
Cartão personalizado
Biscoito só de maizena
Bebida nem vale à pena
Pra’atender ao esfomeado
Que nem sequer tem panela
Pra fazer o cozinhado
Não se falou em talher
Pro frango ser desfiado
Mais trabalho à dentadura
Que tem pouca mordedura
Nada vai ser mastigado
O governo assim descobre
Que o buraco é mais em cima
Cria outra comissão
Pra ver se a coisa rima
Estrutura bem montada
Gente especializada
A fome assim se elimina
Descobrem outro problema
De estrutura alongada
O dinheiro anda curto
Pra fome não sobra nada
A discussão continua
Enquanto o povo na rua
Ver a comida adiada
A comissão se reúne
Com o nosso companheiro
No almoço tem de tudo
Até vinho estrangeiro
Faz parte da refeição
É tema da reunião
O projeto é pioneiro
Enquanto o povo aguarda
Sem água e sem um tostão
E não vê chegar a hora
Da primeira refeição
Ouve o ronco da barriga
E pensa que é intriga
Da turma da oposição
Talvez mais um ministério
Pra segunda refeição
Alimentando alianças
Seja a melhor solução
Se ainda sobrar dinheiro
E tiver um cozinheiro
Que traga a massa na mão
Criando a Secretaria
Para Assuntos do Jantar
Tapioca com manteiga
Pra melhor alimentar
São comidas conhecidas
Melhor e bem digeridas
Pela gente do lugar
E a coisa é complicada
Esqueceram do fogão
O Gás não vai dar certo
Não tem quem leve o bujão
A água vai ser fervida
Por alguma coisa movida
À lenha ou á carvão
O problema agora aumenta
Não há água no sertão
Na seca a lenha é pouca
E não existe o carvão
Falta água no chuveiro
E o aprendiz de torneiro
Faltou à reunião
E a história continua
Promete mais para o ano
Fome cem, comida zero
Todos entram pelo cano
Com fome e sem comida
A população desnutrida
Vai lembrando do tucano
Que abandonou a gaiola
Com o bico bem fechado
Depois de muitas promessas
Seu discurso é lembrado
E o pássaro do nordeste
O nosso cabra da peste
Parece que foi clonado
É cópia fiel do Fernando
No cartório registrado
Viaja e faz discurso
Diz ter tudo controlado
Joga tudo pro futuro
Anda em cima do muro
E esquece o seu passado