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cronicas-->O reencontro -- 17/10/2002 - 19:58 (SYLVIO DE MORAES SANCHES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O REENCONTRO

Sylvio Sanches


Estava entrando naquele estado em que você não sabe se está dormindo ou acordado quando, de repente, mais uma turbulência me despertou sobressaltado. Já não tinha lá muita simpatia por viajar de avião, mas aquele vóo estava sendo a minha pior experiência. Desde a decolagem em New York não consegui me tranquilizar por sequer quinze minutos. Segundo o comissário de bordo o problema era o mau tempo que se estendia por todo o continente. Engraçado e irónico. Estava exatamente fugindo do mau tempo que se abateu sobre o meu sonho de sobrevivência nos Estados Unidos e me deparo com outro no meu caminho de regresso. Será que era contagioso ou o problema era eu ?
Ainda resistia em acreditar que tudo isso estivesse acontecendo. Afinal, se passaram exatos dez anos desde que, em um dia ensolarado, no Aeroporto do Galeão, Rio de Janeiro, eu me preparava para embarcar, ansioso, cheio de esperança na bagagem e tristeza no coração. Ainda me lembro como se fosse hoje. Sentado, aguardando a chamada para o vóo, por um lado ansioso, por outro torcendo para que ela chegasse e me tirasse dali. Aguardei até o último minuto. Quando vi que não tinha mais jeito, me entreguei e ingressei no corredor de embarque. Raimundo havia vencido, ou, de certa forma, o amor havia vencido. Afinal de contas, ela sempre o amou, nunca escondeu isso. Ah, Teresa, o que eu poderia ter feito para lhe mostrar o quanto lhe amava ? Que esse sentimento que tinha por Raimundo nunca seria correspondido e que só eu poderia lhe fazer feliz ? Meu último recurso foi a viagem para os Estados Unidos.
Um tio que já estava morando lá há algum tempo me ligou dizendo que estava desenvolvendo um negócio muito rentável no ramo de aluguel de carros em San Francisco. Estava precisando de alguém de confiança para o auxiliar e, principalmente, de capital. Sabia que eu estava há três anos fazendo uma poupança para o meu casamento com Teresa, assim como também sabia, por intermédio de minha mãe, que Teresa tinha acabado de romper o nosso noivado por causa de Raimundo. Portanto, como bom negociante que era, tinha convicção de que aquele era o melhor momento para me fazer tal proposta. Eu me encontrava completamente abalado emocionalmente e disposto a tudo. No início não levei muito a sério. Mas, com o passar dos dias, proporcionalmente à angústia e sofrimento que sentia ao perceber que a decisão de Teresa era irrevogável, começou a aumentar a vontade de sumir para bem longe, onde pudesse apaziguar meu coração e nunca mais vê-la. Mas, antes de tomar a decisão, resolvi fazer uma última tentativa.
Marquei um encontro no mesmo bar onde havíamos nos conhecido e firmado nosso noivado. Estava, como sempre, linda e radiante. Como amava aquela mulher ! Fui direto ao assunto para tentar impressioná-la. Estava de partida para os Estados Unidos e só desistiria da idéia se ela decidisse se casar comigo. Até hoje não consigo esquecer a sua reação. A princípio, o olhar de surpresa, indagador. Depois, a gargalhada inesperada. Disse que aquela era a mais estúpida chantagem que já tinha visto e que não acreditava que eu fosse capaz de cumprir com a minha palavra. Imagina, fazer o quê nos Estados Unidos? Disse ainda que eu estava fora do meu juízo normal e que precisava de tratamento urgente. De súbito, me levantei. Jamais poderia imaginar que ela fosse capaz de tamanha crueldade. Disse que viajaria em, no máximo, uma semana e, se ela mudasse de idéia, poderia me procurar. Me virei e fui embora sem dar nem mais uma palavra. No dia seguinte liguei para o meu tio dizendo que aceitava a proposta e fiz a reserva da passagem.
Os primeiros dois anos foram os mais difíceis. Apesar do negócio estar caminhando muito bem, a saudade de Teresa atormentava a minha alma e me torturava diariamente. Pensei em escrever, mas resisti. Aos poucos, meu coração foi se conformando e já conseguia não pensar mais nela. Da mesma forma que aquele amor se desenvolveu de forma desenfreada e lancinante, estava fadado a se extinguir com o peso da distància e da saudade. Foi já no terceiro ano de Estados Unidos que fiquei sabendo, por intermédio de Maria, que Teresa, desiludida com Raimundo, havia entrado para um convento e, pior, Raimundo tinha falecido num terrível acidente de automóvel. Quase não me abalei com as notícias, aquilo tudo já não me afetava. Continuei trabalhando e "fazendo meus dólares". Até que o Sr. Colleman assumiu o poder nos Estados Unidos.
Começou a maior caca a imigrantes já vista em toda a América. Em San Francisco foi ainda mais intensa. Não importava se você era bem sucedido, pagava seus impostos em dia e gerava emprego. O mercado deveria pertencer exclusivamente a americanos legítimos e, a partir daí, iniciou minha derrocada. Passamos a sofrer todo o tipo de pressão, restrições e boicotes até que, sem outra alternativa, tivemos que entregar o negócio a um yankee. Completamente falidos e sem opção, até o visto de permanência nos tinham tomado, tive que aceitar a idéia de retornar ao Brasil.
Mais uma turbulência. Espero que entrando no continente sul-americano o tempo melhore. Brasil, como estará depois de dez anos ? Por mais que procure concentrar meu pensamento em generalidades, minha mente volta-se somente para um ponto: como estará Teresa ? Será que, a essa altura, já teria sido promovida a Madre Superiora ? Sorri comigo mesmo ao imaginar o tanto que seria ridícula a imagem de Teresa metida num hábito fazendo cem ave marias. Sem perceber, acabei caindo no sono.
Acordei com a aeromoça me solicitando que afivelasse o cinto de segurança, pois em vinte minutos estaríamos pousando no Rio de Janeiro. Como consegui dormir tanto ? A ansiedade aumentou e senti um aperto no coração quando me dei conta que daqui a alguns minutos estaria colocando meus pés na minha terra natal depois de tantos anos.
A aterrissagem foi tranquila. Mesmo dentro do avião, com o ar condicionado, já se podia sentir o calor que emanava daquela terra em pleno verão. Esperei pacientemente a minha bagagem, que não era muita, e adentrei no corredor de desembarque. Chegando no saguão, foi como se o tempo tivesse parado. Estava com 35 anos e me vi aos 25, sentado naquelas poltronas, ansioso, esperando por Teresa. Me pareceu cómico. Como teria chegado àquele ponto ? Me entreguei completamente a uma mulher que sequer correspondia ao meu amor ? Poderia haver um absurdo maior ?
Fui caminhando, me dirigindo ao ponto de táxi quando algo me chamou a atenção. Apesar de pouco familiarizado ao Português, li com total clareza uma faixa que dizia: "Não perca, no térreo, tarde de autógrafos com Teresa Dávila apresentando seu último lançamento: Quem precisa de Deus e da religião ?".Achei interessante, a minha Teresa não era Dávila também ? Mas o título do livro me fez desistir de qualquer relação dela com a escritora. Afinal, uma freira seria capaz de escrever algo parecido ? Desci a escada rolante e fui prosseguindo quando me deparei com um pequeno tumulto logo ao lado da escada. Dezenas de pessoas se espremiam tentando entrar numa espécie de hall de exposições meio que improvisado. Era tanta gente que os seguranças mal conseguiam controlar o ingresso das pessoas. Lá dentro, pelo que pude observar, estava sentada uma mulher cercada de jornalistas dando uma entrevista. Quem poderia ser para causar tanto interesse assim ? Tentei me esgueirar e, após muita dificuldade e "empurra-empurra", consegui entrar.
Era o tal do lançamento do livro sobre o qual tinha lido na faixa colocada no andar de cima. Mais por curiosidade decidi dar uma olhada no livro para ver de que se tratava. Folheando suas páginas, me deparei com um determinado trecho: "...é por isso que, depois de toda a experiência adquirida em todos estes anos, reafirmo aquele ditado popular que diz que a religião é o ópio do povo, assim como o é a pretensa existência de um deus que foi criado pelos detentores do poder com a única finalidade de fazer com que os miseráveis se conformem com a sua situação como se fosse um castigo divino...". Achei bastante peculiar a opinião da escritora, apesar de não concordar com nenhuma palavra. Resolvi ler a sua pequena biografia impressa na contracapa. Foi quando senti o choque que quase me derrubou. Por mais difícil que fosse de acreditar, aquela era a Teresa ! Há cerca de quatro anos tinha abandonado o hábito, aparentemente decepcionada com a vida a que se dedicara nos últimos anos e passou para o lado oposto, se especializando em literatura profana, colocando-se radicalmente contra tudo que se relacionasse a Deus e religião. Se tornara uma escritora de sucesso estrondoso, tendo encabeçado a lista de best sellers por três anos consecutivos. Aquele era o seu quarto livro, e, pelo jeito, seguiria o mesmo caminho.
Jamais poderia imaginar que reencontraria Teresa numa situação semelhante. Me encaminhei para o local onde estava se dando a entrevista. Foi difícil mas consegui me aproximar o bastante para perceber que o tempo, como mágica, tinha apenas aperfeiçoado a beleza e charme daquela mulher por quem fui perdidamente apaixonado. Num instante de flash back rememorei todos os nossos momentos juntos, expressões de carinho, afeto e romance. Fiquei ali, paralisado, olhando aquela imagem e viajando deliciosamente por um passado distante e cheio de boas e más recordações... Menos boas que más, é verdade.
Foi tudo muito rápido. Quando me dei conta, ela já estava vindo em minha direção. Com total espontaneidade, como se já estivesse esperando há muito tempo por aquele encontro e já soubesse que iria ocorrer naquele dia, aproximou-se de mim e me abraçou carinhosamente. Aquele instante foi suficiente para descobrir que, os dez anos passados somente serviram para adormecer o amor que sentia por ela, que agora despertava com toda a sua intensidade e ansiedade de se realizar novamente. Fiquei ali, abraçado a ela, sentindo o seu cheiro, o seu calor, naquele momento eterno, maravilhoso em que o mundo era só nós dois. Então, tive plena convicção de que, na verdade, aquele fora, mesmo inconscientemente, o verdadeiro motivo da minha volta ao Brasil. E, a partir dali, havia reencontrado a minha razão de viver.
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