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Artigos-->Memórias Póstumas: Realismo Literário -- 29/05/2014 - 06:56 (Sereno Hopefaith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O autor defunto principia sua biografia de maneira inusitada: “Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico com saudosa lembrança estas Memórias Póstumas”.



Logo de cara Machado de Assis (“O Cara” da literatura brasileira realista) nomeia e distingue a personagem Brás Cubas com a mágoa e o ressentimento do escriba defunto. O pão e o vinho, o corpo e o sangue do autor se dão não apenas aos leitores, mas aos vermes que estavam a devorar seu cadáver. Primeiramente ao verme, depois aos leitores.



Sim, porque o verme primeiro com certeza fará as honras ao defunto narrador de maneira mais adequada do que o leitor de suas memórias. Afinal, quem melhor poderia valorizar seu corpo em decomposição? Senão um verme? Quem melhor poderia valorizar a redução linear da temperatura do corpo morto no “algor mortis” (esfriamento do cadáver) senão aquele primeiro verme ao qual dedicou seu romance biográfico?



O corpo morto de Brás Cubas atingiria a temperatura ambiente em 24 horas. O que é próprio de qualquer cadáver. O sangue havia parado de circular no corpo e aquecê-lo. Pela frieza do defunto estima-se a hora da morte. Para quem mais e melhor serviriam suas memórias? Senão aos vermes e, depois, somente depois, aos leitores dessas “Memórias”! Póstumas! De Brás Cubas!



Quem mais e melhor poderia valorizar as “rabugens de pessimismo”, as safadezas do moço enquanto personagem narrador? Um jovem, um homem, que nada realizou. Um personagem com sua vida de dissipações. Agora morto, pergunta o leitor mais atento, um verme roedor poderia melhor valorizar sua história que um leitor?



A situação fantástica a partir da qual foi escrito: um autor defunto, ou melhor, um defunto autor. A ironia, ao mesmo tempo conta o ato de contar, e o quê é contado. Quem, quem melhor que Brás Cubas poderia homenagear com suas memórias? Senão os vermes? Os vermes, antes do leitor.



A comparação presente entre o livro de suas Memórias com os cinco livros do Pentateuco. Através de tal comparação, fica subtendida ironicamente, a superioridade do primeiro, em relação aos outros. Sem ironia não haveria filosofia. Felizmente há. Ironia e há, consequentemente, Filosofia.



Brás Cubas interessa-se pelo "humanitismo", a teoria filosófica criada por Quincas Borba: uma crítica irônica de Machado de Assis às doutrinas positivistas e deterministas, em voga na época.



Quincas Borba enlouquece e a personagem é retomada por Machado de Assis, assim como o "humanitismo", em obra realista posterior. Rubião é o protagonista de Quincas Borba, herdeiro do filósofo e "novo rico", a quem a todos engana, assemelhando-se aos insucessos da vida de Brás Cubas.



Memórias Póstumas de Brás Cubas, é realista em sentido profundo, subverte as técnicas narrativas românticas, ironizando-as. Assim como ironiza impiedosamente os valores burgueses. Brás Cubas e Quincas Borba invertem a trajetória típica dos "heróis" do mundo burguês, uma vez que fracassam, demolindo o tema da ascensão social e do preço pago por ela, geralmente no plano afetivo, tão caro aos romances da literatura francesa de Sthendal e Balzac.



Machado de Assis questionou os modelos ideológicos e literários importados pelo Brasil. Mostrou uma literatura vulgarmente chamada de pessimista, os avessos de nossas matrizes culturais impróprias: ridicularizando as correntes de pensamento deterministas e positivistas (o "humanitismo" de Quincas Borba), seja substituindo o "self-mad-man" pelos derrotados que se vingam da vida, ironicamente, seja através de uma personagem modelar como o agregado José Dias, que sugere os procedimentos através dos quais a "política do favor", "de uma mão que lava a outra", do "é dando que se recebe", ironizada por Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias), e pelo próprio Machado de Assis em Dom Casmurro.



A "Anatomia do caráter" proposta por Eça de Queiroz fora realizada de tal forma por Machado de Assis, que só lendo e relendo, poderemos avaliar com mais atenção: a análise psicológica, a dissecação dos movimentos mais sutis da alma e do comportamento humano; diálogo crítico com os processos narrativos tradicionais, desvendamento do ato de narrar, narrando; humor amargo e fino; ironia sutil e devastadora, ceticismo, indizível agudeza de percepção, constituem alguns elementos centrais do realismo machadiano.



Machado é anunciador do Modernismo. Segundo Antônio Cândido, sozinho ele vale por toda uma literatura. Resumindo Memórias Póstumas de Brás Cubas: de seus amores juvenis por Marcela, prostituta de luxo, a viagem à Europa a fim de esquecê-la, de sua relação com Eugênia, moça pobre e defeituosa de uma perna, ao malogrado noivado com Vigília, cujo pai poderia adubar-lhe a carreira política, Brás Cubas se caracteriza como perdedor. Dilapida a fortuna da família, torna-se amante de Virgília após esta se casar com Lobo Neves. Separa-se dela quando perdem um filho que não chega a nascer.



A irmã de Brás Cubas arranja-lhe uma noiva que morre vítima de uma epidemia. Sem objetivos na vida, entediado, Brás Cubas encontra Quincas Borbas, um colega de infância, interessando-se pelo "humanitismo" criado por ele, ao mesmo tempo em que vai enlouquecendo e abandonando a amizade. A última tentativa de "dar certo" de Brás Cubas é a conquista da celebridade através da criação de um emplastro (medicamento que amolece com o calor e adere ao corpo) anti-hipocondria (mania de doença), denominado emplastro Brás Cubas. Ao tentar viabilizar esse projeto, Brás Cubas apanha uma chuva, pega peneumonia e falece.



O resumo do livro em uma citação final: "Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria." Machado de Assis conhecia realmente os meandros na natureza humana. Melhor: a natureza humana, para ele, e para seus mais atentos leitores, era uma segunda natureza, condicionada pela primeira. Impossível de mudar.



Uma espécie de fatalidade rotineira exerce comando, comunicação e controle sobre os seres humanos. Os seres humanos desumanizados por ela, fatalidade, não podem fazer nada para evolucionar. Crescer. O Homo sapiens/demens não possui condições biológicas para administrar a ordem psicológica e o progresso pessoal e coletivo. Mal chega a juventude e já está em pleno processo, pessoal e social, de decadência.



Decadência pessoal e social. Decadência mental. Decadência cultural. Quando morre, quem melhor que os vermes para prestigiá-lo? Ao corpo em decomposição que uma vida de dissipação preparou para o banquete dos bichos rastejantes. Dos vermes.



Retrospecto: o romance começa com a narração do óbito do autor aos 64 anos. Qual a primeira caracterização que nele, romance, aparece? O autor diz de si mesmo, caracterizando-se, logo no início do segundo parágrafo, que aos 64 anos era rígido, próspero, solteiro, possuía cerca de trezentos contos de réis e onze amigos.



A caracterização dele no discurso à beira da cova (aonde chovia uma chuvinha miúda, triste e constante), verbalizado pelo amigo para ao qual havia concedido uma herança de vinte apólices, equivalentes a certa quantidade de ações, amigo esse que o definia desta maneira, e não sem motivo (afinal havia recebido ações da Bolsa, herança do defunto):



— "Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que tem honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza, as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado."



No capítulo XIV começa uma retrospectiva de seu passado. A que época remonta? O que aparece aí caracterizado?:



O título do capítulo XIV chama-se "O Primeiro Beijo" remonta a seus dezessete anos quando a primeira penugem do rosto, no dizer do autor, "forcejava por trazer a bigode". Ele, narrador defunto, caracterizou a própria aparência desta forma:



"Os olhos vivos e resolutos eram a minha feição verdadeiramente máscula. Como ostentasse certa arrogância, não se distinguia bem se era uma criança com fumos de homem, se um homem com ares de menino. Ao cabo, era um lindo garção, lindo e audaz, que entrava na vida de botas e esporas, chicote na mão e sangue nas veias, cavalgando um corcel nervoso, rijo, como o corcel das antigas baladas, que o romantismo foi buscar ao castelo medieval, para dar com eles nas ruas do nosso século. O pior é que o estafaram a tal ponto, que foi preciso deitá-lo à margem, onde o realismo o veio achar, comido de lazeira e vermes, e, por compaixão, o transportou para seus livros."



Como era Marcela, e o que nela atraiu o narrador?



Marcela foi a mulher que primeiro o cativou. Era espanhola, chamavam-na, os demais rapazes, a "linda Marcela". Segundo o autor, ela merecia a adjetivação. Era filha de um hortelão das Astúrias, região campestre espanhola. O que mais o atraía nela era sua aparência: "Marcela não possuía a inocência rústica, e mal chegava a entender a moral do código. Era boa moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que não lhe permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente e amiga de dinheiro e de rapazes."



O que significa "lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo"?



Apressada, alvoroçada, brejeira, que para conseguir alguma vantagem, não hesitaria em agir como uma pessoa que não tinha remorsos, delicadeza de caráter ou senso moral. A exemplo de quando lhe ofereceu um colar com pequenos diamantes. Ele perguntou:



— Vens comigo?



Marcela refletiu um instante. Não gostei da expressão com que passeava os olhos de mim para a parede, e da parede para a jóia; mas toda a má impressão se desvaneceu quando ela me respondeu resolutamente:



— Vou.



A expressão "um pouco tolhida pela austeridade do tempo", quer dizer: As marcas do tempo, da idade, já se faziam aparecer em sua compleição física. O que o autor quis dizer com a frase: "Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis"?



A significação da declaração parece óbvia: Enquanto ele tivesse na posse de bens materiais e financeiros, de seus onze contos de réis, ela manteria a disposição de "amá-lo", entre aspas. Fazia justiça a seu jeito interesseiro, de mulher que gostava de "estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga de dinheiro e de rapazes que a podiam comprar".



Quando o pai força o narrador a ir para a Europa, a fim de largar a moça e estudar, o que faz Brás Cubas?



Brás Cubas chama Marcela para ir com ele. E, após presenteá-la com o colar, ela aceita seguir viagem com o personagem a quem o pai vai mandar cursar numa universidade na Europa. Talvez Coimbra.



Como pode ser interpretado o final do texto, em que Brás Cubas agradece a Marcela de joelhos? Ele, Brás Cubas, agradeceu a companhia da Marcela que ele conhecia, a Marcela dos primeiros dias, interesseira, amante de dinheiro e de folias. Desta forma vingava-se também do pai, que queria mandá-lo estudar numa universidade europeia, no intuito, também, de afastá-lo da influência de Marcela.



Qual a lição que se pode tirar destes textos transcritos?



A lição de que um jovem bem nascido, com um pai rico, pode facilmente ser levado a condutas levianas de dissipação do dinheiro familiar, e criar uma série de comportamentos impulsivos, próprios da juventude, que o conduzem a conduta pessoal e social de dissipação niilista dos recursos paternos, comprando com os mesmos os favores carnais de uma mulher que se entrega fácil de maneira pulsional, aos amantes que lhe proporcionem a posse de joias e de uma vida fácil.



Como diriam tantos autores, ao longo dos séculos: "Varium et mutabile semper femina" ("A raça pouco segura das mulheres"). Frase célebre, citada em latim e em grego por Virgílio, Eurípedes, Victor Hugo, Tasso, na ária do Rigoletto de Verdi, entre outros.





REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS



AGUIAR, Ofir Bergemann. Uma reescritura Brasileira de Os Miseráveis (Victor Hugo), Tese de Doutorado em Letras pelo Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, São José do Rio Preto, 1996.

ASSIS, Machado de, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Obra Completa, Machado de Assis, Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994.

BARIBAR, D. Frederic EURÍPEDES, El Cíclope: Drama satírico de Eurípedes, Editora BiblioLife, California University, 2009.



GALENO, Alex, Palavras que tecem e livros que ensinam a dançar, menção a Honoré de Balzac, pág. 40, Os Jornalistas, Ediouro, Rio de Janeiro, 1999.

GOODNEWS, Decio, HOPEFAITH, Sereno, “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Artigo disponível nos sites literários HTTP://www.recantodasletras.com.br. e HTTP://www.usinadeletras.com.br.

QUEIRÓZ, Eça de, O Crime do Padre Amaro, Biblioteca Essencial da Literatura Portuguesa, Editora Atlântico Press, Lisboa, 2012.

STENDHAL, Henri-Marie Beyle, O Vermelho e o Negro, Editora Globo, Rio de Janeiro, 1987.

VERDI, Giuseppe, Vienna Classical Concertswww.viennaconcerts.com. Book Tickets for Vienna`s Finest Classical Concerts Online Today!

VERGÍLIO. Eneida. Tradução Tassilo Orpheu Spalding. São Paulo, Editora Cultrix, 1992.


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