Vamos voltar ao deserto,
Onde haveremos, decerto,
De aprender nosso evangelho.
É que as coisas que se estimam,
No conjunto, nos animam:
Eis a lição deste velho.
Vamos pensar que Jesus,
No deserto, viu a luz
Que do cosmo se emanava.
Se lá formos, inda agora,
É a mesma lei que vigora,
Sobre a qual Jesus pensava.
No chão, a areia escaldante.;
No céu, o Sol rutilante.;
Nada mais ao derredor.
Porém, havia a esperança
De que a paz sempre se alcança,
Se amor for o bem maior.
Oásis são paraísos,
Mas, depois, serão precisos
Outros tantos sacrifícios,
Que a jornada só se encerra,
Quando o homem, cá na Terra,
Suplantar todos os vícios.
No deserto, há tormentas
Que exigem almas atentas,
Para lutar tenazmente.
Quem se entregar ao infortúnio,
Seja, embora, plenilúnio,
Outra vida há que enfrente.
Quem vencer a caminhada,
Esteja a pele tisnada,
Vai sorrir feito menino,
Que o sinal dessa vitória
Vai ser receber, em glória,
O galardão do destino.
Teria Jesus pensado
Que alguém, muito entusiasmado,
Quereria reviver
Os sentimentos bondosos
Que enaltecem nossos gozos,
Ao cumprirmos o dever?
“Pretensão e água benta”
Desta pessoa, que intenta
Penetrar na mente santa.
Jesus orava, por certo,
No silêncio do deserto,
Onde a tentação encanta.
Pensava, talvez, na luta
Poderosa, absoluta,
Que o mundo tem de enfrentar.;
Na rigidez do caráter
Que, como “celula mater”,
Nosso ser irá formar.
Sabia assim, de antemão,
No fundo do coração,
Que iria enfrentar a cruz.;
Que apenas noutras esferas,
Após muitas primaveras,
Far-se-ia aquela luz.
Foi, por isso, que o diabo,
Na intenção do menoscabo,
Se fez visível ao Mestre,
Não metaforicamente,
Mas do modo que se sente
A tentação do terrestre.
Se é inexorável sofrer,
Também existe o prazer
Que perpassa pela vida.
Esse é o oásis ligeiro,
Que se põe como primeiro,
Se do dever se duvida.
Não vamos fazer do verso
Outro deserto perverso
Que o leitor tema enfrentar,
Mas formosíssimo oásis,
De tons rosas e lilases:
Um verdadeiro pomar.
Volvamos à realidade,
Que o sonho não há quem há-de
Que consiga aproveitar.
Em lugar de um tal deserto,
Vamos pensar bem mais perto,
Que a travessia é no mar.
A figura é bem diversa,
Mas, se a nau ficar imersa,
O risco é de se afogar.
Quem morreu de insolação
Agora não tem perdão:
Vai aprender a nadar.
Ficava, também, Jesus
A contemplar doce luz,
Que nas ondas se espargia.
Meditava sobre o mundo,
Com sentimento profundo,
Talvez em bela poesia.
Quem duvidar que medite
E, em versos, não hesite
De rimar Jesus com luz.
Qualquer outra rima aí
— Eu digo porque senti —
Não consegue ser de truz.
Vou terminar estas trovas,
Pois não tenho rimas novas
E o assunto eu já esgotei.
Restaria um compromisso:
O de rogar um serviço,
Rude exigência da lei.
Ore ao pai com devoção,
Para alcançar seu perdão,
Por este tempo perdido.
Caso a fé lhe dê motivo
(Cristianismo redivivo),
Agradeça comovido.
— Jesus, perdoa o poeta,
Que, nesta rima indiscreta,
Te humanizou sem piedade.
Mostra que o amor vence a arte,
Que a beleza se comparte
E todo o universo invade.
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