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Poesias-->Os homens amam a guerra! -- 05/04/2003 - 13:10 (Linda Cidade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
OS HOMENS AMAM A GUERRA

Affonso Romano de Sant’Anna



Os homens amam a guerra. Por isso

se armam festivos em coro e cores

para o dúbio esporte da morte.



Amam e não disfarçam.

Alardeiam esse amor nas praças,

criam manuais e escolas,

alçando bandeiras e recolhendo caixões,

entoando slogans e sepultando canções.



Os homens amam a guerra. Mas não a amam

só com a coragem do atleta

e a empáfia militar, mas com a piedosa

voz do sacerdote, que antes do combate

serve a hóstia da morte.



Foi assim na Criméia e Tróia,

na Eritréia e Angola,

na Mongólia e Argélia,

no Saara e agora.



Os homens amam a guerra

E mal suportam a paz.



Os homens amam a guerra,

portanto,

não há perigo de paz.



Os homens amam a guerra, profana

ou santa, tanto faz.



Os homens têm a guerra como amante,

embora esposem a paz.



E que arroubos, meu Deus! nesse encontro voraz!

que prazeres! que uivos! que ais!

que sublimes perversões urdidas

na mortalha dos lençóis, lambuzando

a cama ou campo de batalha.



Durante séculos pensei

que a guerra fosse o desvio

e a paz, a rota. Enganei-me. São paralelas,

margens de um mesmo rio, a mão e a luva,

o pé e a bota. Mais que gêmeas

são xifópagas, par e ímpar, sorte e azar

são o ouroboro- cobra circular

eternamente a nos devorar.



A guerra não é um entreato.

É parte do espetáculo. E não é tragédia apenas.

É comédia, real ou popular,

é algo melhor que circo:

-é onde o alegre trapezista

vestido de kamicaze

salta sem rede e suporte,

quebram-se todos os pratos

e o contorcionista se parte

no kamasutra da morte.



A guerra não é o avesso da paz.

É seu berço e seio complementar.

E o horror não é o inverso do belo

- é seu par. Os homens amam o belo

mas gostam do horror na arte. O horror

não é escuro, é a contraparte da luz.

Lúcifer é Lubel, brilha como Gabriel

e o terror seduz.

Nada mais sedutor

que Cristo morto na cruz.



Portanto, a guerra não é só missa

que oficia o padre, ciência

que alucina o sábio, esporte

que fascina o forte. A guerra é arte.

E com o ardor dos vanguardistas

frequentamos a Bienal do Horror

e inauguramos a Bauhaus da Morte.



Por isso, em cima da carniça não há urubus,

chacais, abutres, hienas.

Há lindas garças de alumínio, serenas,

num eletrônico balé.



Talvez fosse a dança da morte, patética.

Não é . É apenas outra lição de estética.

Daí que os soldados modernos

são como médico e engenheiro

e nenhum ministro da guerra

usa roupa de açougueiro.



Guerra é guerra!

dizia o invasor violento

violentando a freira no convento

Guerra é guerra!

dizia a estátua do almirante

com a boca de cimento.

Guerra é guerra!

dizemos no radar

desgustando o inimigo

ao norte do paladar.



Não é preciso disfarçar

o amor à guerra, com história de amor à pátria

e defesa do lar. Amamos a guerra

e a paz, em bigamia exemplar.

Eu, poeta moderno ou o eterno Baudelaire

eu e você, hypocrite lecteur,

mon semblable, mon frère.

Queremos a batalha, aviões em chamas

navios afundando, o espetacular confronto.



De manhã abrimos vísceras de peixes

com a ponta das baionetas

e ao som da culinária trombeta

enfiamos adagas em nossos porcos

e requintamos de medalha

- os mortos sobre a mesa.



Se possível, a carne limpa, sem sangue.

Que o míssil silente lançado à distância

não respingue em nossa roupa.

Mas se for preciso um “banho de sangue”

- como dizia Terêncio: - “sou humano

e nada do que é humano me é estranho”.



A morte e a guerra

não mais me pegam ao acaso.

Inscrevo sua dupla efígie na pedra

como se o dado de minha sorte

já não rolasse ao azar,

como se passasse do branco

ao preto e ao branco retornasse

sem nunca me sombrear.



Que venha a guerra! Cruel. Total.

O atômico clarim e a gênese do fim.

Cauto, como convém aos sábios,

primeiro bradarei contra esse fato.

Mas, voraz como convém à espécie,

ao ver que invadem meus quintais,

das folhas da bananeira inventarei

a ideológica bandeira e explodirei

o corpo do inimigo antes que ataque.

E se ele não atirar primeiro, aproveito

seu descuido de homem fraco, invado sua casa

realizando minha fome milenar de canibal

rugindo sob a máscara de homem.



- Terrível é o teu discurso, poeta!

Escuto alguém falar.

Terrível o foi elaborar.

Agora me sinto livre.

A morte e a guerra

já não podem me alarmar.

Como Édipo perplexo

decifrei-a em minhas vísceras

antes que a dúbia esfinge

pudesse me devorar.



Nem cínico nem triste. Animal

humano, vou em marcha, danças, preces

para o grande carnaval.

Soldado, penitente, poeta

- a paz e a guerra, a vida e a morte

me aguardam

- num atômico funeral.



- Acabará a espécie humana sobre a Terra?

Não. Hão de sobrar um novo Adão e Eva

a refazer o amor, e dois irmãos:

- Caim e Abel

- a reinventar a guerra.



[Gentileza Poética: Carlos Aranha, editor do boletim "Essas Coisas"], circulado por Rosy Feros

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