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Artigos-->A CAATINGA - EM BREVE O PRIMEIRO DESERTO BRASILEIRO FEITO PE -- 04/03/2014 - 11:40 (Filemon Francisco Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Artigo escrito por ARDAGA C. WIDOR - 2ª parte


 


Seu Pedro, porém, tem outra visão:


“Sou rico, sou pobre não. Não tenho dinheiro, mas nunca passei fome e tenho


meus filhos e netos e bisnetos e to aqui na terra que gosto.”


Uma das muitas aulas de humildade que os anciões sertanejos poderiam e


deveriam dar aos sempre insatisfeitos contaminados da doença-do-mais mundo


afora.


“Sempre foi analfabeta. Mas sou analfabeta civilizado. O que a gente sabe, a


gente passa. O que a gente não sabe, não passa”, segue o professor Pedro Sousa


Pinto com sua aula, esta vez nas matérias pé-no-chão e auto-reconhecimento.


Faculdades que tanto faltam nas altas esferas políticas e ditas intelectuais no


país.


Mas seu Pedro conhece, também, os contragostos da vida: “As festas


tradicionais..., acabou tudo. Tínhamos nossas danças, nossos cânticos, mas hoje


ninguém quer mais fazer. Acabou. Tudo tem seu tempo. E depois vem outro”,


conclui como genuíno fatalista.


E o tempo, o clima?, pergunto ao professor.


“Antigamente todo mundo sabia quando ia chover, plantava, colhia. Às vezes


tinha seca. Mas depois vinha ano de muita chuva. De fartura. Hoje não. Passa


um ano de seca e já vem outro pior. Ninguém sabe se vai chover e quando.


Mudou tudo. De uns anos atrás pra cá. Muitos dos mais novos já se foram,


outros mais estão seguindo.”


Os traços nítidos da desertificação do solo ainda são poucos aqui. É a lógica. Os


quilombolas sempre vivem nos cantos mais afastados, de mais difícil acesso.


Afinal, foi o imperativo de não ser descoberto e recapturado nos tempos da


escravidão sancionada.


Regime de chuvas incerto e sem acesso à água do subsolo a comunidade perde milho e sorgho


Os grandes destruidores e suas práticas devastadoras, portanto, só começam a


chegar. Mas o patriarca sábio acabou de tocar em outra desertificação. Mais


“esquecida” ainda do que aquela do solo: a desertificação sócio-cultural.


Fenômeno tão senão mais galopante Sertão afora.


Na reunião dos técnicos do CAA com os pequenos agricultores de Serra Grande,


o agrônomo Carisvan lembra aos presentes das mudanças agro-culturais que o


interior estava sofrendo. Citou, entre outras práticas esquecidas, o paiol. E os


mais velhos dos agricultores imediatamente afirmam: “Sim, quando era criança


ainda todo mudo fez. Hoje ninguém nem sabe o que é”.


Serra Grande não tem poço comunitário. Quando acabar a água depende dos


carros-pipa contratados pela prefeitura, ou, em outra palavra acertada: da


indústria de seca. Carros-pipa custam muito mais caro, de longo prazo, do que


furar uns poços. Mas nada que uma roubalheira-após-eleição de quatro anos


não recompensaria em múltiplo.


“Nós, os primeiros moradores daqui, não temos água, mas os grandes (de fora)


têm. Furam poços a vontade”, afirmam os mais eloqüentes da reunião. A água


que vem dos lençóis freáticos. Pra molhar suas monoculturas. Sobre tudo de


bananas. A boa qualidade da terra atrai firmas agro-capitalistas. Uns da


próxima cidade de Lapão. Onde já detonaram tudo. Essas empresas tiram a


água do subsolo até a última gota.


“Poucos anos atrás bastava furar ate 60 m. Hoje já são precisos 80 e não tem


garantia. O açude que tínhamos aqui perto secou. Drenaram toda água já pros


bananais.”


Aqueles exploradores selvagens que tanto falam de “progresso” e


“modernização”, porém, têm, também, entre os moradores. A família Lelis que


domina a situação política em Ibipeba tem (mais) uma fazenda entre Serra


Grande e o povoado de Lagoa Grande. É um só bananal de umas 160 tarefas. Do


qual consegue tirar um lucro mensal de mais ou menos 30.000 R$. Sob maciça


irrigação. Com exatamente essa água que está faltando nas comunidades, que


dependem do mesmo lençol freático.


Os próprios poços de 80m na fazenda bananeira já secaram. Mas,


contrariamente aos moradores “comuns” da região, pequenos agricultores


familiares e quilombolas, a família de detentores, típico exemplo do


coronelismo, flagelo político secular do Nordeste, tem sim recursos econômicos


para furar cada vez mais profundo. Ate o lençol secar. Quando isto acontecer a


família tão bem abastecida (literalmente) estará segura. Com todo lucro nas


contas bancárias das bananas colhidas com a água que falta em redor, e ainda


tantos outros negócios (como clínicas) e ainda “o negócio político” nas mãos (o


chefe do clã, Beto Lelis, pai do atual prefeito Israel Lelis, inclusive condenado


pelo TER e TSE por crimes de corrupção eleitoral) nada lhes faltará. Nem pra


continuar ganhar as eleições e as corridas de cavalos da região.


Diferentemente dos pobres e burlados. Que terão que permanecer e virar-se no


deserto feito pelos empresários inescrupulosos. Ou pegar a estrada rumo a uma


cidade grande onde ingressarão nas favelas com todas suas implicâncias


sociais...


Fartura as custas dos pobres - Sinônimo da sempre mesma política escravocrata no país


E quem vai lembrar-se do seu Pedro Sousa Pinto e do quilombo? Sem nenhum


Euclides da Cunha ou Graciliano Ramos por perto, escrevendo sobre eles?


O Estado agro-capitalista da repressão e eliminação de pequenos e do


favorecimento dos grandes destruidores aprendeu suas lições (de Canudos, da


Cabanagem...). Hoje tudo vem sendo feito com mais sutileza.


Extração de argila pra fabricação de blocos perto de Ibititá (BA)


4b) Povoado Rodagem de Lapão, Município de Lapão, Bahia


Bem vindo no que o agrocapitalismo deixou do município de Lapão


Comparado com Serra Grande, o primeiro foco de nosso levantamento, o


processo de desertificação aqui já está progredido. As mesmas empresas agrocapitalistas


(firmas que apenas se preocupam com o lucro próprio e imediato,


sem dar atenção à sustentabilidade biológica ou as conseqüências sócias para as


populações locais) que estão entrando em Serra Grande (e tantas outras áreas


ainda não devastadas Bahia e Nordeste sertanejos afora) já deixaram suas


marcas inconfundíveis.


Num lugarzinho chamado Queimada de Joaquinzinho onde até seis anos atrás


uma empresa agro-capitalista com sede na cidade de Lapão (de nome “Seixas”,


segundo os nativos do lugar que trabalhavam por ela) teve instalado um “pólo


de cenoura”, hoje se vê é o deserto que este tipo de empresas em busca do lucro


imediato sem preocupação com “o depois” sempre deixa pra atrás. Poços de


120m de profundidade..., e secos. A água do lençol freático só alcança hoje quem


tem o poder econômico de furar até 150m ou mais. Certamente não os pequenos


agricultores familiares.


As empresas vêm, prometem milagres aos nativos e os confundem com orações


de eloqüentes “técnicos”, compram ou arrendam as terras, furam uma


multiplicidade de poços e instalam suas monoculturas com maciça aplicação de


agrotóxicos. Deste modo de exploração capitalista selvagem sem nenhuma


preocupação com o futuro do lugar e dos seus habitantes, e aproveitando a


bondade e o nível baixo de informação da parte dos agricultores familiares


locais, conseguem tirar umas três safras de cenoura num ano. Depois a terra já


fica tão enfraquecida que tem de trocar pro milho. Que renderá, também, três


safras (embora que com mais aplicativos de agrotóxicos ainda) conseguem até


seis safras. Depois a área já é transformada em deserto. Improdutivo. Para


(ninguém sabe quantas) gerações a fio...


O que sobrou do pólo de cenouras: Ruínas e desertificação onde outrora ocorreu lavagem das


raízes com milhões de litros de água que hoje falta pra sobrevivência das famílias


No lado oposta, seu Wilson Dourado do povoado Tinguí é um exemplo de como


sim se pode conviver e trabalhar sustentavelmente no Sertão com (e não contra)


a Natureza. Ele planta de tudo um pouquinho. Pequena agricultura familiar


mista. Exatamente o contrário das devastadoras monoculturas. Mas por causa


da exploração inescrupulosa das firmas agro-capitalistas e da mudança


climática, idem de responsabilidade de homens inescrupulosos, porém, no nível


global, as coisas, também, pra ele que não faz nada de errado, começam a


endurecer. Seu poço já não alcança mais o lençol freático. Isto em combinação


com o regime de chuva cada vez mais inseguro faz com que não sabe se sua


filha, hoje de 17 anos, ainda vai poder permanecer e se sustentar na roça.


“Até uns oito, dez anos atrás as chuvas sempre vinha. Podia confiar. Plantar.


Hoje não é mais assim. Chove pouco quando antigamente não chovia. E não


chove quando devia chover. E até tem ano ou mais sem nenhum pingo de chuva.


E a gente que não tem força pra pegar a água do fundo... A gente quer deixar


pros filhos uma coisa sustentável que dá segurança alimentar. Mas como as


coisas está desenvolvendo, não sei não.”


Seu Wilson


As paisagens que vi e fotografei durante estes trabalhos de campo me


lembravam à região africana de transição entre o Magreb e o Saara. Mesmo após


as boas chuvas que tinham caídas na região até apenas dois dias antes de minha


chegada. É expressão nítida que a situação é mesmo uma de desertificação


porque nem chuvas fazem plantas nascer onde o chão foi degradado em excesso.


Isto em grave contraste às minúsculas ilhas de Caatinga ainda em pé. Que


imediatamente reagiram às chuvas e estão vestidos de verde intenso e com o


chão úmido e são.


Uma das últimas ilhas de Caatinga, verde e úmida – Ao lado a impressionante gestão ambiental


da administração política de Lapão


Na cidade de Lapão, poucos quilômetros ao norte do povoada Rodagem de


Lapão a drenagem excessiva das águas subterrâneas surta outros efeitos


preocupantes. Parte da cidade está “afundando”. O chão desce sob o peso das


construções e sem a contrapressão da água drenada pela prolongada atividade


agro-capitalista. Umas casas até caíram. Outras ficam interditadas e estão à


venda por preço de banana. Literalmente.


Casas rachando e caindo no centro da cidade de Lapão – Mas o agronegócio continua furando


4c) Povoados Angico e Barriguda, Município de Canudos, Bahia


Bem vindo ao deserto de Canudos


Nesta terceira estação de nosso levantamento encontram-se flagelos


contemporâneos e flagelos históricos da parte do Estado contra os


marginalizados e excluídos.


Memorial ao Antônio Conselheiro - Primeiro os matamos, depois os reverenciamos e faturamos


- Cinismo histórico dos que dominam no Brasil


O Vale da Morte, hoje incluída no PEC (Parque Estadual de Canudos), é um dos


sinistros lugares históricos que fazem o visitante recordar as várias expedições


militares por ordem do poderio (econômico-político-eclesiástico) em fins de


século XIX contra o bem-sucedido experimento libertário de molde


protosocialista-cristão de milhares de pequenos sem-nada transformados em


pequenos e livres agricultores.


No Memorial Antônio Conselheiro (“primeiro os matamos, depois os veneramos


e lucramos”, parece um lema transsecular no Brasil quando tratar-se de pessoas


que visam e constroem um país diferente, desde Zumbi à Chico Mendes e o


monumento pra irmã Dorothy Stang para ser explorado turisticamente, é só


uma questão de tempo!) encontro o Lúcio Conceição Santos, um dos


articuladores principais do Fórum de Desenvolvimento Sustentável de Canudos.


Hoje até conhecido nacionalmente através do programa “Guerra de Canudos e


Projeto Canudos” na série “Ação” da Rede Globo.


Lúcio é um sonhador. E um praticante. Sonha que é sim possível a convivência


humana sem penúria e ecologicamente correta do homem sertanejo com o


meio-ambiente. E o comprova através de suas próprias iniciativas na sua roça


em Angico, uma das áreas mais devastadas e desertificadas. Própria produção


de adubo orgânico, sistema de cisternas onde capta as águas das chuvas,


deixando a Caatinga em pé e deixando áreas já agredidas tornar Caatinga


novamente, como “fundo de pasto”, viveiro, horta econômica, apicultura, etc. Só


que não contava com um ano sem chuva alguma. Como foi em 2012. Fenômeno


regional da mudança climática global este, certamente não causado pelos


pequenos agricultores sertanejos. Fenômeno, alias, amplamente prognosticado,


também, pro ano corrente.


Iniciativas próprias da parte de Lúcio - Se houver apoio a convivência agroecológico daria certo


Na região de Canudos chovia em outubro de 2011. Depois, durante nem meia


hora, só no dia 24 de janeiro de 2013...


Tem ainda “os projetos”. Projetos do governo. Projetos de parcerias do governo


com NGOs. Projetos que, vamos supor, são desenhados com o genuíno intuito


de ajudar ao pequeno agricultor. Mas que são executados de uma maneira que


só podem dar errado.


Técnicos, seguros de sua “superioridade” estabelecem um projeto e querem


instalá-lo in loco goela abaixo dos (supostamente) beneficiados. Sem sequer


presentear suas idéias antes nem ouvir as opiniões daqueles que convivem


diariamente a realidade do lugar. Assim foram instaladas muitas cisternas


familiares de 16mil litros de volume.


Agora, por quanto tempo uma família de quatro pode usufruir desta água após


chuva única num ano?


As cisternas tornaram, portanto, reservas de água estritamente pra matar a sede


dos humanos. E as roças? E os animais? E a higiene?


Bem mais inteligente e prático e útil seriam grandes reservatórios cavados nos


fundos naturais da topografia local, onde cabem centenas de milhares de litros.


Que poderiam ser usados comunitariamente para todos os fins necessários dos


agricultores familiares.


Mas ninguém quer ouvir as objeções e propostas deles. Para instituições como


governos e ONGs o importante é mostrar serviço e fluxos de recursos no papel.


Nas estatísticas. Que o Brasil e o mundo depois leiam como realizações positivas


da parte deles. Enquanto no chão da realidade...


Em alguns poucos lugares Nordeste afora está se impondo a aceitação da suma


importância da conservação e do reflorestamento da Caatinga. Como na região


de Canudos graças aos esforços de agricultores como o próprio Lúcio e o


Gilberto Nascimento Guimarães.


Seu Gilberto


As “raízes” da desertificação já foram implantadas no início do século passado.


Os “coronéis”, os grandes latifundiários e dominadores da política local e


regional, mandaram seus rebanhos de gado pra Caatinga de Canudos todos os


anos. E o que era aquela Caatinga “infernal” e impenetrável descrito pelos


jornalistas que acompanhavam as Guerras de Canudos aos poucos virou uma


Caatinga com inumeráveis estradas. “Pavimentos” pisoteados pelos milhares de


bois na sua incessante busca de algo comestível já que os bois contrariamente às


cabras quase não podem aproveitar nada da flora autóctone. Grande primeiro


passo rumo a desertificação feito: o boi e a Caatinga não combinam.


Vila de Angico
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