Angústia, pranto, dor inconsolável,
Somente quando não se tem mais fé.
Sabendo quanto o Pai é amorável,
Não há temer que a vida não dê pé.
Para tornar a morte confortável,
Devemos ter noção de como é
A lei que rege a força do destino,
Como indicou Jesus, em puro ensino.
A vida toda aí passei clamando:
Não conseguia equilibrar a sina.
Interrogava o Pai: — “Mas até quando
Vai perdurar a dor que me arruína?
Senhor, por que não dá ao meu comando
A nau que a tempestade tanto inclina?”
Quando cheguei, depois de rude briga,
Vi que a existência, mesmo aqui, periga.
Caí no Umbral, sempre rugindo e triste:
Não compreendia a causa desse fim.;
E não sabia que a esperança existe,
Por tudo ser ali muito ruim.
Pensei no Inferno e, pondo o dedo em riste,
Disse: — “Senhor, você é mau assim
Porque pregaram o seu filho à cruz.
Mas que fiz eu, para existir sem luz?”
Esperneei por muito tempo mais,
Pois não me dava acreditar no amor.
Na Terra, dei trabalho aos meus bons pais,
Sem suspeitar um pingo o seu valor:
Sem eles, minha nau, ali no cais,
Sempre estaria, p’ra aumentar a dor.
Deram-me a vida pobre de seu lar,
Mas era tudo o que podiam dar.
Nas trevas, era tudo sofrimento:
Ninguém com quem pudesse conversar.
A solidão me fez pensar no intento
Da construção de tão triste lugar
E concluí que a vida, sem tormento,
Nenhum santo botou sobre um altar,
Pois me lembrei dos mártires famosos,
Que viam em Jesus seus nobres gozos.
Então me conformei, por ser mesquinho,
Percebendo, enfim, minha maldade:
Jesus me abrira n’alma o bom caminho,
Mas, muito tolo, qual Marquês de Sade,
Não via a rosa, mas colhia o espinho,
Pois nunca de ninguém senti piedade.
Fendeu-se sob os pés o fundo abismo
Do orgulho, da vaidade e do egoísmo.
A compreensão dos dramas me valeu,
Que alguém me foi buscar na escuridão.
Nessa ocasião, pensava como ateu:
Não “dava bola” para ser cristão,
Mas, mesmo assim, a luz que se acendeu
Me confirmou que a dor não fora em vão.
Se prosseguisse vivo, como antes,
Não ia dar valor aos semelhantes.
Foram meus pais que tanto pelejaram,
Por ver-me livre, enfim, do tal abismo.
Por muito tempo aqui me acompanharam,
Tentando me ensinar o Cristianismo.
Imprecações lhes disse, mas calaram,
Para não provocar o cataclismo
Que iria arremessar-me noutra vida,
Completamente louco, sem saída.
Não são fáceis as coisas, cá no etéreo
(Não quero engrandecer-me, mas não são):
Quem chega com problema muito sério
Vai ter de dominar seu coração.
Não há p’ra ele, nunca, refrigério,
E, quando está feliz, não tem noção,
Pois pensa no futuro com grandeza
E a luz conserva sempre sob a mesa.
Por isso é que agradeço muito ao Pai
Ter vindo para a rima desta tarde.
Não posso confirmar se a lei se extrai
Da trova que mostrou que fui covarde,
Mas sei que quem tem fé, no Umbral, não cai,
Desde que a caridade não retarde.
Hosanas, ó Senhor, vos digo em prece,
Que aqui onde hoje estou o Céu parece!
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