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Artigos-->A CAATINGA - EM BREVE O PRIMEIRO DESERTO BRASILEIRO FEITO PE -- 28/02/2014 - 15:30 (Filemon Francisco Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A Caatinga – Em breve o primeiro deserto brasileiro


feito pelo homem?


“Há quem passe pelo bosque e só veja lenha para a fogueira.” (Leo Tolstoi)


1) A Era das Mudanças Climáticas induzidas pelo homem já começou


Sobre muitos aspectos, a seca deste verão [de 2012] é uma para o livro dos


recordes. Mas assim foi a seca do ano passado nos Estados do Centro-Sul. E


apenas passou uma década desde que uma seca extrema de cinco anos atingiu


o Oeste americano. Anuais secas extensas que antigamente constavam uma


calamidade rara tornaram-se mais freqüentes e estão prestes a se tornarem a


"nova normalidade".


Até recentemente, muitos cientistas falaram da mudança climática,


principalmente, como uma "ameaça" em algum momento no futuro. Mas é


cada vez mais claro que nós já vivemos na era das mudanças climáticas


induzidas pelo homem, com uma freqüência cada vez maior de tempo e


eventos climáticos extremos, como ondas de calor, secas, inundações e


incêndios.


Citado do artigo “Hundred-Year Forecast: Drought” (“Previsão dos próximos


100 anos: Seca”) dos peritos em clima e geografia Christopher R. Schwalm,


Christopher A. Williams e Kevin Schaefer publicado no jornal “The New York


Times”. (http://www.nytimes.com/2012/08/12/opinion/sunday/extremeweather-


and-drought-are-here-to-stay.html?_r=0)


A “Nova Era”, entretanto, não é um fenômeno do Centro-Oeste americano. Ela é


global. Presente ate onde tal vez não se esperaria: na Amazônia. O suposto


"inferno verde" se mostra cada vez mais ocre. Rumando à savana, se não à


desertificação. E isso por sua vez afeta e afetará cada vez mais não só população


e biosfera in situ (no local), mas também lugares (e suas populações) muito


longes. Até em outros continentes.


O Ecossistema Terra é um só. Uma unidade. E embora que focamos aqui, neste


trabalho, na desertificação no Brasil ela é, logicamente, um fenômeno e uma


grave ameaça pro mundo todo (veja:


http://www.institutocarbonobrasil.org.br/ecossistemas/terra).


Derrubar florestas pode afetar o clima em maneiras que nada têm a ver com o


efeito estufa. Já que florestas tiram água do solo e emitem-na a partir de suas


folhas pela evaporação, uma floresta atua como um umidificador gigante. Esta


exalação de vapor de água também movimenta calor da superfície para o alto da


atmosfera onde a água condensa. O efeito líquido é a diminuição das


temperaturas na superfície. O desmatamento desliga este ar-condicionado e


diminui o vapor de água que poderia ter se transformado em pingos de chuva.


A derrubada de mais de 30% da floresta tropical poderia, por conseguinte,


desencadear uma Amazônia permanentemente mais seca que por si converte


cada vez mais floresta tropical em savana. Quanto mais árvores morrem, tanto


mais rápido tudo resseca o que em seguida mata novamente mais árvores, e


assim por diante. Eis um clássico círculo vicioso induzido pelo homem.


Um estudo recente, realizado pela Universidade Federal de Viçosa, sugere que,


se no Mato Grosso apenas mais 3% da floresta for derrubada, a floresta pode se


tornar uma savana seca permanentemente. (Citado da revista científica “Jornal


of Geophysical Research”, dum trabalho da meteorologista brasileira Mônica


Senna – um artigo em Português que trata dessa publicação acha-se em:


http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/ecologia-e-meioambiente/


desmatamento-irreversivel)


Essas mudanças também podem afetar os padrões climáticos longínquos na


direção do vento. Alguns estudos têm indicado que o desmatamento em grande


escala na Amazônia pode aumentar a temperatura global e reduzir


significativamente chuvas em lugares tão distantes como o México e Texas.


No Programa Comet (veja http://www.youtube.com/watch?v=2-H4nhIcnCU)


do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change, ou, traduzido pro


Português, “Grêmio Intergovernamental de Mudança Climática”), um estudo


sobre o aumento da temperatura até os anos 2080/2099 resultou num cálculo


de 3,5-5 graus Celsius para o Saara e o Kalahari (regiões desérticas africanas), a


Ásia Central, o Centro-Oeste dos EUA.


E o mesmo é verdade para uma grande parte da região amazônica.


(Apenas para as regiões Ártica e Permafrost [vulgo Sibéria e Alasca] aumentos


até maiores são esperados.)


O IPCC alerta contra a degradação da biosfera e da provável continuidade deste


desenvolvimento no Brasil. A Amazônia, todavia, ainda é a área menos afetada


do Brasil, embora que todo seu Leste e Sudoeste serão atingidos no final do


século pela savanização, e que o Noroeste da Amazônia sofrerá com a escassez


de água devido as então já derretidas reservas andinas de neve.


Os mais ameaçados biossistemas brasileiros são os do Sul (as Pampas), os do


Sudeste (a antiga área da Mata Atlântica), os do Centro-Oeste (o maior bioma


brasileiro, o Cerrado) e os do Nordeste (a Caatinga sobre tudo, que já hoje é o


mais frágil biossistema no país), além de todos os manguezais, também, as da


região Norte.


Quem parte de avião nos dias atuais de Manaus, rumo ao sul (Mato Grosso), ao


Norte (Roraima), ou ao Leste (Pará), logo percebe que o agasalho do "inferno


verde" tem tornado bastante esburacado. Que o corte raso, a transformação de


floresta (de solos extremamente pobres em nutrientes) primeiro em pastagens,


depois monoculturas de soja e, finalmente, áreas em desertificação, cresce ano


por ano.


Entretanto, onde a chamada “Nova Era” manifesta-se mais nitidamente pro


observador é no chão de fatos do Nordeste brasileiro.


Caatinga é uma palavra sobrevivente do outrora primeiro idioma nacional: o


Nheegatú, que foi um tipo de língua franca composta de palavras do tronco


lingüístico Tupi-Guarani. Ka’a (floresta, vegetação) e tinga (branco). Caatinga,


porque as árvores e arbustos deixam as folhas cair durante os períodos de seca


para diminuir sua necessidade de água e conseqüentemente deixam expostos os


troncos e galhos de tonalidades entre branco e cinza. Assim refletindo a luz do


sol, a desfolhada Caatinga brilha num cintilante branco.


Hoje, porém, pouco continua cintilando. Porque mais do que a metade da


Caatinga original já foi derrubada


(http://envolverde.com.br/ambiente/desmatamento-ambiente/desmatamentona-


caatinga-registra-queda-mas-segue-preocupante/). E onde ainda tem


Caatinga, progride rapidamente sua transfiguração pela atividade humana.


A falta de vontade política de assimilar o problema manifesta-se no fato de


apenas 0,28% (!) de sua área encontrarem-se protegidos em unidades de


conservação. Isto tem a ver diretamente com o desconhecimento da Caatinga da


parte da comunidade internacional. Enquanto esta tocou várias vezes ao longo


das últimas décadas na questão da destruição das florestas tropicais (Atlântica e


Amazônica) e exerceu, deste modo, pressão sobre as autoridades brasileiras, o


Cerrado e a Caatinga permanecem biossistemas de fato ignotas por não-nativos.


Isto embora que ocupam juntos aprox. 2.800.000 km² ou quase um terço do


território brasileiro (8.515.767 km²).


Melhor dito: ocuparam.


Porque a maior parte, especialmente nas zonas de transição desses


biossistemas, tornou-se um oceano de monoculturas em mãos de grandes


empresas agro-capitalistas com sedes e filiais em vários países e, portanto,


chamados de transnacionais. (O que dificulta pros sistemas judiciários, sempre


nacionais, o combate de atividades ilegais da parte dessas transnacionais.)


O agro-capitalismo é, também, chamado de agro-business e/ou agronegócio,


más nós preferimos é mesmo o termo agro-capitalismo porque revela qual a


ideologia-matriz que se apodera do campo e dos recursos naturais e da (in-)


segurança alimentar do mundo (com a ajuda tanto de governos quanto de


políticos “de oposição”), ao tornar plantas e alimentos e sementes (vulgo


criações naturais) em bens patenteados de empresas e em combustível e objetos


de especulação visando lucros imediatos mesmo se estes lucros das grandes


empresas signifiquem exclusão e ruína de milhões de pequenos agricultores e,


também, o fim de recursos como água, a intoxicação irreversível de solos e a


conseqüente fome em massa.


E para ocultar sua hipocrisia e nocividade pra vida no planeta ocultam e


mentem! Espalhando pelo mundo que são mais eficazes, rendem mais,


contribuem mais para a alimentação do mundo que a agricultura familiar,


tradicional, sustentável.


São mentiras grotescas, porém, estrategicamente plantadas pelos velhos


coronéis latifundiários tornados “empresários do campo”. (Vejam, por exemplo:


http://darcibergmann.blogspot.com.br/2010/04/agrobusiness-nao-resolveproblema-


da.html e http://www.pstu.org.br/node/4751).


Desmatamento de horizonte a horizonte – sobram monoculturas e placas de puro cinismo


Hoje se pode dirigir horas a fio e de horizonte a horizonte por estes oceanos de


monoculturas de soja, algodão, milho (...) da parte dos grandes agro-capitalistas


como, por exemplo, a Bunge. Uma firma transnacional impactante, também,


nas decisões políticas do Brasil e outros países que se dizem soberanos (A Bunge


é que mais vezes aparece nas declarações dos deputados da bancada ruralista,


veja: http://bioplanetauniverso.blogspot.com.br/2011/12/setor-agropecuariodinheiro-


deputados.html).


Os produtos dessa e de outras grandes firmas agro-capitalistas não faltam em


nenhum mercadinho e supermercado país afora. Depende, portanto, de nós, se


apoiarmos elas e através delas os ruralistas e o grande negócio da destruição do


planeta ou não. Usando a cabeça antes de comprar!


Embora as evidências de desertificação também possam ser vistas na Amazônia,


por exemplo, em Monte Alegre (Pará), no litoral norte (!) do Rio Amazonas, este


processo é muito mais visível na região caatingeira.


A Caatinga estende-se desde o extremo norte de Minas Gerais, passando pelo


interior da Bahia, Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Ceará, Paraíba, Rio Grande do


Norte e Piauí e ainda ocupa pequenas partes do Maranhão. Aquela macroregião,


portanto, na qual o autor deste levantamento e relato vive e trabalha


primordialmente há quase duas décadas.


Caatinga sadia ao oeste de Monte Santo (BA) - Mesmo durante secas bravas e quando já não


sobra mais água alguma, a Caatinga em pé conserva a umidade e qualidade do solo


2) Aspectos históricos


Faz pena sabermos que muitas aldeias


Outrora bem cheias


Já tiveram fim,


É triste sabermos que os índios coitados


Sem serem culpados


Sofreram tanto assim.


(De: “Injustiça”, Patativa do Assaré)


Patativa do Assaré - Poeta do Povo do Sertão


Há mais ou menos 12 mil anos, na época de transição do pleistoceno para o


holoceno, todo continente já esteve habitado. Das muitas pinturas rupestres,


que os grupos humanos que outrora ocupavam a região da atual Caatinga


deixaram, podemos concluir, que a partir de aproximadamente 10,5 mil anos


atrás chegaram outros povos de culturas diferentes somando-se àquelas


populações já aqui estabelecidas e da tradição “Serra Talhada”. Junto com este


aumento populacional ocorreu uma mudança climática radical: o ressecamento


acentuado.


A caça, sobre tudo os grandes animais que viviam em grupos, sumia e o modo


de vida extrativista sofreu sérias limitações. Este momento histórico poderia ter


sido, também, a hora de nascimento da Caatinga como a conhecemos hoje.


(Estes detalhados conhecimentos da pré-história da região agradecemos, em


primeiro lugar, ao incansável trabalho de décadas da parte de Niéde Guidon na


Caatinga piauiense. Arqueóloga altamente reconhecido e admirada mundo


afora. Menos no seu próprio país, o Brasil. Veja:


http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=73


36)


Com a chegada dos primeiros europeus e euro-descendentes no Sertão


(abreviação de desertão = grande deserto), como a área coberta


majoritariamente pela Caatinga é chamada hoje, a gestão da área mudou.


Gradativamente, com a penetração Sertão adentro pelos não-indígenas, chegou


o fim da bem-sucedida e equilibrada exploração sustentável de modo indígena


(principalmente dos povos do tronco lingüístico Macro-Jê) através da caça


sustentável, da coleta e do plantio rotativo de mandioca e milho.


O modo indígena foi substituído por um patriarcado de molde europeu, uma


sociedade sedentária com autoritária estrutura vertical e na incessante busca de


lucro (o modelo mercantilista).


Foram choques de modelos diametralmente opostos em todos os aspectos.


Gangues de assassinos pagos (entre eles os Bandeirantes, dos quais o Brasil de


hoje ainda se orgulha e batiza ruas, praças, edifícios, empresas e até sedes de


governo (como em São Paulo) de “Bandeirantes”!) cuidavam das limpezas


étnicas com o cuidado de massacrar homens e meninos (se não se entregaram à


escravidão) e capturar mulheres jovens e meninas pro posterior uso como


escravas, também, sexuais.


É assim como chegamos à matriz e ao fenótipo da maior parte da atual


população sertaneja.


A grande maioria da população luso-afro-brasileiro-nordestina, das senzalas às


casas-grandes, concentrava-se no litoral e nos engenhos das áreas adjacentes.


Boa parte da carne (charque) tinha de ser trazida onerosamente das regiões do


sul. O principal objetivo da expansão pro interior árido e “hostil” (já que houve


gente, os povos indígenas, que defendia seu habitat contra a invasão), portanto,


foi a ocupação de terras para a posterior pecuária e o abastecimento de carne e


couros para as populações do litoral e dos engenhos do agreste.


Após a "pacificação" de trechos – guerras contra e conclusão de extermínio das


populações indígenas - veio o gado. Sempre num número muito superior ao das


pessoas. (Ao fim do século XVII os rebanhos do Sertão já somariam 1,5 milhões


de cabeças!) Os primeiros vaqueiros muitas vezes foram pessoas com nada a


perder. Somente quem teve que fugir dos férteis chãos do litoral e do agreste,


por causa de problemas com um coronel ou com os poderios da coroa ou da


igreja, trocou a vida relativamente confortável pela incessante luta pela


sobrevivência no Sertão.


E é aqui que achamos o momento da criação da raiz da ate hoje regente


valorização sócio-cultural de vacas e bois (quem tinha era rico, quem não tinha


era João Ninguém), tão pouco adequados pra convivência sustentável na


Caatinga. E de acordo com o IBGE tem, ainda hoje!, 1,25 cabeças de gado para


cada Sertanejo humano. A introdução de ovelhas e, finalmente, as mais bem


apropriadas cabras só ocorreu séculos mais tarde.


O boi é fetiche e ídolo histórico do Sertanejo - Entrada de fazenda perto de Caém (BA)


Os novos senhores do Sertão, os criadores baianos e pernambucanos, tinham


chegado aos seus latifúndios, uns de tamanho superior que alguns países


europeus, não raras vezes através das “sesmarias”. Tratava-se de vastas terras


concedidas pela Coroa portuguesa aos que tivessem prestado serviços valiosos a


ela. (Estes serviços eram quase sempre de natureza bélica. Ou: quem mais


matava em prol de expansão e fortificação do poderio da Coroa, mais terra


recebia. Aqui achamos uma das raízes da brutalidade da organização social pósindígena


no Sertão e do coronelismo particularmente.)


Poucos destes novos senhores, porém, realmente trocaram a vida cômoda da


urbanidade pela dureza do interior. Dirigiam seus negócios através de homens


de confiança da longínqua cidade. A penetração do Sertão e sua inclusão no


modelo mercantilista levou, todavia, aos poucos ao surgimento de novos centros


urbanos. Um desses exemplos é Feira de Santana, hoje segunda-maior cidade da


Bahia e outrora portal do centro dos engenhos baianos no Recôncavo pra


infinidade dos Sertões.


Os vaqueiros sertanejos eram, de fato, autônomos auto-suficientes. Sem lei, nem


rei. Autoridade máxima era a palavra do senhor de terra ou de seu encarregado


e/ou capataz. Que às vezes não se via durante meses devido ao tamanho das


áreas sob sua chefia. As funções de polícia e justiça estavam nas mãos de cada


um e sua “força” respectivamente. (Outros traços e auto-compreensões sócioculturais


que logo criariam o Cangaço e que permanecem até hoje vivos nos


Sertões do Brasil.)


Entre os vaqueiros, houve uma espécie de sociedade igualitária num sentido


econômico. Ninguém tinha mais do que a roupa de couro - proteção contra


espinhos da Caatinga - no corpo.


O máximo, pelo que poderiam esperar era conseguir chegar até a idade da


gradual “aposentadoria biológica” e receber, então, uns bezerros e um pedaço de


terra num dos limites da sesmaria em parte para seu próprio cultivo e em parte


para “pagar ao senhor”.


Evidente, que esta recompensa pro serviço vitalício prestado, se é que ocorria,


não era um ato de altruísmo da parte do patrão. Além dos bens do plantio que


ganharia tinha, agora, uma família (o envelhecido vaqueiro, sua mulher


indígena “domesticada”, e os seus filhos) como defensores ferozes de seu


pedacinho de chão e, portanto também, das vastas terras do patrão atrás do lote


do “presenteado”.


Sentinela prestativa e gratuita contra "índios rebeldes" na busca de carne e


vingança (que tiveram se retirados diante o avanço da guerra genocida para as


áreas mais secas e inacessíveis), quadrilhas de bandidos livres e vizinhos e/ou


ricos rivais que procuravam aumentar seu poder e suas terras através de bandos


de pistoleiros empregados.


E é aqui, dois séculos e meio atrás, onde temos, também, a raiz de uma das


causas específicas da desertificação no Nordeste do século 21.


3) Causas da Desertificação na Caatinga


Se o dotô fala bonito,


Pruquê na escola aprendeu,


Mas sou gente como ele


E ele é gente como eu


A beleza da linguagem,


Tudo é bestêra, é bobage,


Eu só na verdade creio,


Fica uma coisa isquisita


Tanta palavra bonita


Com mentira pelo meio.


(De: “Um candidato político na casa de um caçador“, Patativa do Assaré)


Até hoje o gado permanece um símbolo de status no Sertão – senão o mais


importante. Seja Sertanejo rico ou pobre, (quase) todos procuram adquirir gado


e aumentar o rebanho. Custe o que custar. E hoje, com as secas cada vez mais


douraduras, pode custar tudo. Em primeiro lugar para os pequenos e


marginalizados agricultores e proprietários de gado. Que via regra (veja o


desenvolvimento histórico acima descrito) são estrategicamente privados de


acesso aos poucos poços, açudes e nascentes d&
39;água. Que desde a era das


sesmarias encontram-se sob controle do latifúndio. E que perdem, deste modo,


todas as cabeças de gado em tempos de “seca brava”, e que têm de recomeçar de


zero, se sobrevivem e ainda acham forças. Ou com menos de zero. No caso de


terem recorrido a um banco para comprar gado via credito e que pouco depois


morreu na seca (ou por outras causas) antes de render.


O aumento constante da quantidade de gado no Sertão levou inevitavelmente à


transgressão do limite ecológico natural. Da sustentabilidade. O gado só pode


aproveitar mui pouco do material orgânico presente na Caatinga e está,


conseqüentemente, à procura de algo para comer sem parar. Os animais


pesados pisam o chão, criando “estradas” e, deste modo, ótimas condições para


as forças de erosão ao adicionalmente impedirem com seus cascos o nascimento


de mudas de novas plantas. Grandes rebanhos de cabras, por sua vez, não


degradam a superfície do chão por causa de seu peso bem mais leve, más


comem mais do que muitas plantas da Caatinga suportam.


E o ecossistema já frágil por natureza não se recupera mais. O que conduz a


solos mais quentes e menos chuvas ainda, o que por sua vez acelera a extinção


da flora. Se, em seguida, sim cheguem as chuvas curtas e fortes, o chão duro que


nem concreto é incapaz de absorver a água e cada vez menos plantas conseguem


achar um nicho ecológico para nascer. Outro círculo vicioso clássico induzido


pela atividade humana.


E finalmente até cactos tornam mais raros, uma vez que utilizados como ração


de emergência, após queimada indiscriminada da mata para eliminar os


espinhos das plantas cactáceas.


Entra o deserto via ante-sala da desertificação. E o gado dos pequenos


agricultores morre de sede ou de fome. Muitas vezes abandonado a sua sorte ao


longo das estreitas faixas que separam as estradas das cercas de grandes


propriedades. Os pequenos agricultores não têm dinheiro para comprar ração. E


empréstimos ou ajuda da parte do governo estão sujeitos à epidêmica


ineficiência e à corrupção local. Se chegar algo que poderia ter sido útil aos


aflitos, é quando já é tarde demais. Os agricultores desistem, não querem


presenciar a morte lenta de seu gado. Soltam os bichos e vão embora. Terminam


numa favela numa das cidades regionais próximas. Ou emigram para um dos


supostos “El Dourados” do mistificado “Sul”. Como São Paulo, Brasília, Rio de


Janeiro, Maringá, Londrina. Onde não raras vezes sofrem novamente miséria e


exploração só que combinado agora com discriminação e desprezo da parte dos


nativos de lá e sem serem mais donos de nada.


O que fica para trás é uma fartura volátil para dezenas de milhares de urubus.


Durante as secas extremas, como a de agora de 2012/2013, a pior que os anciões


das regiões afetadas recordam, os abutres tornam tão gordos devido às


exuberantes refeições oferecidas em todos os lugares que eles mal conseguem


sair do chão (para voar). Observei isso varias vezes, no extremo nordeste da


Bahia e, também, no Sertão pernambucano.


Os impulsos da desertificação, porém, são diversos. O sobre-pastoreio é apenas


um fator.


Um segundo fator crucial para a decorrente desertificação consta a insistência


na tradição das queimadas seja por conveniência, seja por causa da inabalável


crença que este processo "renovasse o chão”. Em algumas áreas culturalmente


muito arcaicas influencia, também, a lenda de que o fogo "chamasse a chuva".


Grande é a insistência sobre tudo nos fogos chamados de “controlados”. O que,


então, começa como “fogo controlado” em poucos minutos pode tornar e de fato


toda hora vira incêndio florestal devastador de dimensões dantescas. Como,


também, em 2012 e todos os anos.


A pelo turismo mundialmente famosa Chapada Diamantina no coração da Bahia


queimava, também em 2012, em todos os cantos. O Parque Nacional inclusive.


Incêndios deste porte duram dias ou semanas, geralmente combatidos por um


punhado de idealistas destemidas sem (ou, no máximo, efêmera) ajuda e/ou


equipamento fornecido da parte de governos locais ou estaduais. Estes grandes


incêndios via regra terminam só quando fortes chuvas chegam. Os intervalos


cada vez mais curtos entre esses incêndios de grande porte não deixam tempo


pras vegetações, sobre tudo as mais altas que precisam de mais tempo, se


reproduzirem.


Assim são destruídas cada ano, também, várias fontes d’água. Riachos “somem”


já que não tem mais a vegetação ciliar nas suas margens protegendo-os. A


resiliência natural e inerente da vegetação nativa não adianta mais. A atividade


humana e destruidora ultrapassa sua força e velocidade de recuperação. A


camada superior e fértil do solo está exposta e é corroída e levada pelas chuvas e


pelos ventos. A terra vira estéril. Entra, também através desta porta, o deserto


via a desertificação promovida pela atividade humana irresponsável.


O “progresso” no município de Andaraí, Chapada Diamantina - Líder de desmatamento na Bahia


Mais um fator poderoso de (aceleração da) desertificação (e de seu precursor, ou


seja, a "conversão" da floresta em savana, como a vemos nos estados de Mato


Grosso e Pará), é o avanço das monoculturas agro-capitalistas, também, nas


regiões caatingeiras. Estas empresas muitas vezes transnacionais, seus donos,


diretores e acionistas vivem longe e não têm vínculos sócio-culturais com as


áreas que exploram. O trabalho vem sendo executado exclusivamente em prol


do lucro rápido sem nenhuma ligação afetiva ou senso de responsabilidade


(para) com o ecossistema.


Monoculturas necessitam de enormes quantidades de água e agro-tóxicos.


Porque monoculturas sempre oferecem entrada fácil para as pragas


especializadas. Contrariamente às culturas mistas. E as culturas flanqueadas por


áreas de Caatinga intacta. Onde não tem fartura ilimitada para um só tipo de


praga. E onde tem plantas, também, que inibem a aproximação e/ou a


proliferação de pragas naturalmente, como um grande filtro.


O Brasil é o líder do ranking mundial de consumo de agrotóxicos. O uso


excessivo dos agrotóxicos está diretamente relacionado à atual política agrícola


do país, adotada desde a década de 1960. Com o avanço do agronegócio, cresce


um modelo de produção que concentra a terra e utiliza altas quantidades de


venenos para garantir a produção em escala industrial. O campo passou por


uma “modernização” que impulsionou um relativo aumento da produção e das


cifras de exportação, no entanto de forma extremamente dependente do uso dos


pacotes agroquímicos (adubos, sementes “melhoradas” e venenos). Assim, mais


de um milhão de toneladas de venenos foram jogados nas lavouras somente em


2010, segundo dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a


Defesa Agrícola.


De acordo com a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), na


última safra foram comercializados mais de sete bilhões de dólares em


agrotóxicos. Todo este mercado está concentrado em apenas seis grandes


empresas transnacionais, que controlam mais de 80% do mercado dos venenos.


São elas: Monsanto, Syngenta, Bayer, Dupont, Dow AgroSciences e Basf. (Mais


sobre a ética desses gigantes do agro-capitalismo sob:


http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/oligopolio-poder-dependencia-epobreza/)


Esta política de apoio aos agro-capitalistas faz com que cada mulher, cada


homem e cada criança brasileiros consomem em média 5,2 litros de agrotóxico


por ano! (Citado de: http://www.contraosagrotoxicos.org/)


Tóxico é outra palavra para veneno. Sua maciça ou, antes, absurda aplicação no


país resulta no envenenamento da população com conseqüências para a futura


saúde pública ainda nem totalmente compreendidas ou previsíveis e resulta,


também, no esgotamento biológico das terras aráveis em poucos anos. O "resto"


fazem as forças de erosão que agem sobre a desnudada terra pós-monocultura e,


portanto, sem proteção.


A irrigação com água do subsolo é um “problema natural“ em si na Caatinga.


O solo já é, justamente por causa da escassa precipitação nas áreas semi-áridas,


abundante em sal. Portanto são salobras a miúdo, também, as águas dos lençóis


freáticos. Irrigar, então, solos abundantes em sal com águas salinas leva


rapidamente à sobresaturação com sal e infertilidade irreversível. Este processo


se mostra nas áreas despidas de vegetação e cobertas com manchas de crustas


brancas.


Outros agentes motores da desertificação do Sertão são as olarias e a produção


de carvão vegetal (que as olarias usam para queimar os blocos), muito


difundidas em toda área caatingeira, e que funcionam, a miúdo, completamente


ilegal. E ambas constam impulsos insaciáveis para queimadas. Pior ainda que se


retire a camada superior dos solos argilosos das áreas fluviais em volta de


açudes e riachos. Exatamente aquelas raras terras mais férteis dentro do


contexto caatingeiro.


Chegamos, finalmente, às grandes empresas de mineração. Que pela via da


regra agem totalmente fora de qualquer controle e licenças ambientais válidas –


incentivadas e protegidas por governos que certamente têm “bom uso” dos


pagamentos que recebem pela sua amigável complacência - como se não


houvesse um amanhã.


E onde se observa elas agirem, realmente não há mais amanhã.


Desmatamento total na área de mineração, na das rotas de acesso e de


evacuação dos minérios, explosões e vazamento de combustíveis e outras


substâncias tóxicas que vazam no solo, pertencem ao cotidiano. E deixem um


deserto permanente não “apenas” na superfície da terra, más também,


prejudicam as águas do subsolo. São verdadeiras indústrias da “morte


sustentável”. Que enriquecem uns já ricos cada vez mais e cujos donos e


acionistas adoram o Nordeste brasileiro como área de ação. Já que


diferentemente a outras regiões do mundo e do Brasil não precisam temer


muita resistência da parte das populações diretamente prejudicadas, reféns do


não-acesso à informação zelado pelos cúmplices vulgo governos/coronéis locais


(que seguramente recebem suas fartas fatias da parte das mineradoras pelo


apoio – além dos impostos oficiais). Quem quer saber mais sobre os impactos


da política mineira nos territórios afetados e sobre tudo nas mulheres atingidas


pode baixar um relatório em: http://ongcea.eco.br/?p=38774


Futuro?


Futuro?


4) Levantamento in situ


Dois fio do coroné


Gritaro logo: o que é


Que você falou aí?


E eu que prezava a verdade


Com munta sinceridade


Minha historia repeti.


(De: “Meu avô tinha razão e a justiça tá errada”, Patativa do Assaré)


Impressionante verificar como contos de fada que circulam há muitos anos na


internet se enraizaram até em pessoas cultas que trabalham em prol da


emancipação de pequenos agricultores sertanejos.


Uma aliança de ruralistas (políticos em serviço do latifúndio e das


transnacionais de agrotóxicos e monopolização de sementes) liderada pela


mulher de choque, a senadora tocantinense “Miss Moto-Serra” Kátia Abreu


(veja: http://global.org.br/arquivo/noticias/um-campones-contra-katia-abreu/


e http://www.pco.org.br/nacional/senadora-katia-abreu-e-denunciada-portrabalho-


escravo-crime-ambiental-e-grilagem-de-terras/aoos,b.html e


http://culturaebarbarie.org/rastros/rastrosn1s.pdf) e certos militares e


cientistas têm um forte interesse em atiçar um espírito nacionalista e até


xenófobo. Obra útil essa para criar histeria que por sua vez ajuda a desviar a


atenção pública dos crimes que os próprios ruralistas (confere os links à Kátia


Abreu acima!) cometem país afora e, também, para poder “justificar” o


“desenvolvimento” a “modernização” das áreas ainda verdes e a presença


maciça do exercito em terras indígenas da Amazônia (e outras regiões


fronteiriças). Com “argumentos” sem fundo na realidade como aquele de


impedir a entrada de armas no país. Isto enquanto oito em cada dez armas


apreendidas no Brasil são fabricadas no país


(http://g1.globo.com/politica/noticia/2010/12/metade-das-armas-no-pais-eilegal-


aponta-estudo-de-ong-e-ministerio.html).


Cartão Postal de Paraíso do Tocantins (TO), Estado que elege a senadora Kátia Abreu


Esta aliança ruralista estava espalhando, entre outras asneiras, também aquela,


que as grandes áreas em “estado bruto” ajudem invasores estrangeiros a


estabelecerem territórios dentro do Brasil onde Brasileiro é ate proibido de


entrar e nem o Português se falaria.


Há várias versões dessa quimera circulando interminavelmente na internet. E


há ate senadores (ligados à bancada ruralista) dissipando essas mentiras úteis.


Já ouvimos uma versão sobre Roraima, outra sobre o Amazonas, outra de Mato


Grosso (...). Em todos os lugares, portanto, onde tanto a coligação da destruição


e da exploração neoliberal, quanto militares e outros ultra-chauvinistas (que


nunca enterraram o sono da bomba atômica nacional), vêem na manipulação e


propaganda mentirosa sua grande – e única – chance.


E como já constatei acima: esta tática pode até funcionar. Ouvi um companheiro


numa conversa reproduzir com convicção este velho conto de fada. Que ele


julgou verdade. É espantoso, porém, não é surpresa.


O agro-capitalismo movimenta enormes somas de dinheiro. E tem, é a lógica do


sistema capitalista neoliberal, muita influência, também, sobre as esferas


políticas e midiáticas através de seu exorbitante poder econômico que aumenta


progressivamente com a destruição dos recursos essências para a vida,


nomeadamente florestas, solos e recursos hídricos. Mais ainda num país onde a


corrupção e a venalidade são tradições seculares (“o jeitinho”) e onde quem se


orgulha de roubo é admirado e re-eleito até como deputado mais votado do país


(“Roubei, más fiz”, Paulo Maluf).


Seria um trabalho muito interessante para uma equipe composta de


especialistas em estatística, sociologia, psicologia e antropologia pesquisar


quantas vezes por dia (mês/ano) são emitidas, nas diversas redes de televisão e


principais jornais, matérias que transportam conteúdos favoráveis e/ou


apoiadores ao agro-capitalismo (colocações de ruralistas inclusive!), quantas


favoráveis à preservação do meio-ambiente (entrevistas com ecologistas),


quantas favoráveis à pequena agricultura familiar, quantas favoráveis aos semterra,


quantas favoráveis aos povos indígenas..., e o que isto causa na população


consumidora de tais “notícias”.


Vivemos em plena época de manipulação pesada e inescrupulosa. E quem paga


mais, fala vulgo manipula mais. E até pessoas que lutam por uma mudança no


país carregam muitas dessas incessantemente repetidas manipulações


incorporadas dentro de si como “fatos”. Sem se dar conta.


4a) Quilombo Serra Grande, Município de Ibipeba, Bahia.


Antes de irmos ao quilombo Serra Grande encontro-me com colaboradores do


Centro de Assessoria do Assuruá (CAA), na cidade de Irecê. O CAA é uma


organização não governamental que desde 1990 trabalha no semi-árido baiano


em prol do fortalecimento da cidadania e do desenvolvimento sustentável. É,


dentro do universo de ONGs atuantes no Brasil uma genuína raridade. Já que


idealizadora e executora do único projeto país afora que foi cumprido no tempo


estipulado (projeto ATER - Agroecologia no Território de Cidadania de Irecê-


BA).


A situação na região é alarmante. Da Caatinga original no município de Irecê


sobra 01%. No município de Ibipeba é ainda pior. Sobram 0,6%. (E em mídia de


massa alguma sequer se menciona a exterminação em progresso da Caatinga.


Quando se reporta algo é sobre a Floresta Amazônica ou a Mata Atlântica.)


Chegado a Serra Grande tenho o prazer de conhecer o patriarca local, seu Pedro


Sousa Pinto, de 77 anos.


“Meu bisavô é enterrado aqui, e meus avôs são nascidos da terra. Aqui todo


mundo é parente. É família”, afirma com satisfação.


O quilombo tem aparência muito pobre. Se comparado com a infra-estrutura de


fazendeiros-latifundiários e agroindústrias que acumulam cada vez mais terras


país afora sem, porém, criar emprego que corresponderia a tais dimensões,


inculca outro século em outro mundo. Muitos dos casebres não parecem poder


resistir diante qualquer tempestade.


Seu Pedro


Seu Pedro,


 


Obs.: Artigo escrito por ARDAGA C. WIDOR (1ª parte)

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