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Contos-->A noite das chuvas fortes -- 14/01/2003 - 14:08 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A noite das chuvas fortes


Por pouco esta história não passa despercebida. Senão fosse a chuva... Não que ela mereça em um primeiro instante grande atenção. A muito que os comportamentos vem sendo frutos de amplas explanações; o que é irreverência, excentricidade ou loucura? Todos nós já tivemos nossos momentos loucos e mesmo assim vamos sobrevivendo. Matar, fumar, beber, drogar-se, etc; tudo muito louco. Ou ainda sair pela rua gritando te amo! te amo! te amo!, embaixo de chuva, plena madrugada; transar no banco da praça, à mercê de olhares cheios de pudor; correr por estradas perigosas ao volante, só para parecer mais jovem. Isso, e mais, já fizemos, exceto os franciscanos, que por si só já são loucos de ficarem presos tanto tempo em um mosteiro.
Lá estava eu, encucado com aquele vulto, provavelmente de um homem, no pear. Pareceu-me uma vara de pesca, o objeto que o estranho puxava desesperadamente. Estava para escurecer, mal se distinguia seu movimento contínuo na busca da suposta presa. “Que sujeiro louco!” Para quem viu muito na vida, mas não viu tudo, nem o principal, àquela luta era imprudente, poderia ocorrer um acidente. O vento aumentava, tornando aquela região da praia imprópria para pescaria. Enfim...
Ia voltar para o quarto, quando uma última olhada me trouxe um gesto fora dos meandros normais de uma pescaria. O vulto ergueu os dois braços como para um sinal, e voltou à luta. “Deve ser graúdo. O homem pede ajuda pra ,quem sabe, transporta-lo”. Mas o rosto era de horror, nada que expressasse a menor alegria.
Anoiteceu rápido. O vento aumentou de intensidade, a chuva caiu mais forte, e uma bela garrafa de vinho me esperava. Nada melhor para um homem tranqüilo e de bem com a vida. Mal sentei e os braços voltaram a se levantar ante meus olhos. Aquele rosto me desencorajou a permanecer naquele bom “vivant”. Para descarrego de consciência, como dizem por aqui, fui até o atendente e confidenciei minha preocupação.
_ Confesso que não vi nada de anormal – respondeu-me - mas é comum pescadores por estes lados.
Resposta bem típica de quem precisa do emprego e por nada arredaria o pé do seu local de trabalho, para averiguar a estranhes de um rosto apavorado, sob uma tempestade; mesmo que este rosto erguesse dois braços para a única luz acessa aos seus olhos. Coisa comum, como devia ser a sua vida; cheia de coisas certas, distantes de percalços.
_ Mas tem alguém no pear. Eu vi – insisti
_ Não nego que possa haver...
_ E se estiver em perigo?
_ Bom, ele não se cuidou. O tempo estava feio, muito feio. Ele devia ter visto.
_ Assim, simples? - irritado
Ele percebeu minha indignação. Estava numa cilada: se saísse em socorro do suposto pescador, que nem sabíamos se de ajuda carecesse, poderia perder o emprego. Se me desagradasse, tanto pior, afinal o hotel precisava de hóspedes e não de recepcionistas. O desemprego é alto em Pernambuco. Bem feito! Eis o que resta aos acomodados.
_ Eu vou até lá.
Sem mais espera, sai porta afora.
_ Espera, senhor. Vai te molhar em vão.
_ Em vão? Sabes que um ser humano pode estar morrendo lá naquele pear?
_ Está muito escuro. Vais correr perigo!
_ Eu levo minha lanterna. Sem piscar para cá, chame ajuda.
Dei cinco piscadas para que ele compreendesse meu sinal, e fui. Não ouvi mais nenhuma recomendação, se é que houveram. Tentei apressar-me o máximo, o vento cortava, dificultando meus passos. O que pareceu ser duzentos metros, se tornaram quinhentos e poucos; um martírio, que levou quinze minutos. Quinze minutos? Mas por que tanto? Bem, na verdade ocultei do leitor a minha condição física. Poderia tê-lo feito no preâmbulo. Se o faço agora, não se trata de agrado, fuga de preconceitos, auto-estima; ou atributo do gênero. É por pura necessidade, senão imaginarias estar lendo uma lesma, ou que o vento fosse um furacão. Não, carro amigo, estais lendo as linhas de um deficiente ou portador de necessidades especiais; mais bonito, elegante, mas que dá no mesmo. Com esta dificuldade especial, levei este tempo todo.
Ao chegar no local foquei o vulto. Era homem, sim, mesmo de calças, seguramente era homem, e desesperado. Ao ver-me correu em minha direção.
_ Socorro! Me ajude, por misericórdia!
Não entendi, a principio, o motivo do pavor. Não era um pescador. Pelas roupas, rasgadas parecia ser um pedinte. Julgamento precipitado, típico de quem assim concebe, pelas roupas do corpo, a situação do vivente.
_ Minha mulher! Minha filha! Lá embaixo, ajude!
Foquei para baixo do pear, e um vulto de mulher, sabido pelo dito de agora, surge estendida sobre algumas pedras. Não via a criança.
_ Ajude! Tô com a perna quebrada, pegue minha mulher...
Me estendeu um cabo de vassoura com uma corda na ponta, aquela que julguei ser a vara de pesca, no final estava amarrado o corpo da mulher. Entrei em pânico. Como que naquelas condições poderia ajuda-lo? Ele nem percebeu minhas muletas, vendo em mim o salvador, o enviado de suas preces, talvez nunca, ou pouco ditas, e só ditas em momentos assim, quando às outras alternativas não surtem efeito. Assim é, e sempre será.
Assim estávamos. Eu com o cabo em uma das mãos, enquanto a outra segurava a lanterna, mal agüentando em pé; e o desconhecido implorando que eu puxasse sua esposa e filho, ainda não localizado por mim. Tentei inutilmente puxa-los, mas o corpo não moveu um milímetro.
_ Com as duas! - gritou o homem.
Larguei a lanterna sobre uma pedra e tentei com as duas mãos. Vã tentativa, o corpo parecia de chumbo. Quem sabe alguém em condições físicas normais tivesse melhor sorte; embora tema que tería-se o mesmo fim que narrarei adiante.
Puxei bravamente, com todas as minhas forças, mas nada.
_ Puxa, pôra! Puxa! – gritava meu desafortunado companheiro.
Ele foi até a corda e começou a me auxiliar. Finalmente o corpo rodou, mostrando um recém nascido que estava protegido pela barriga da mãe. Não ouvi choro algum: a criança estava morta! Ou morreria em instantes . Jesus! A maré subiu e os corpos inertes começaram a ganhar o mar. O pai, pressentindo o pior, desceu pela pedreira. Aos berros pediu à Deus que salvasse sua família. Como o Ser Supremo lhe reservara tal sorte? Um anjo de muletas, que mal conseguia se carregar, imagine, resgatar seus amados. Nossa situação era desesperadora. O ventou aumentou, e a força das ondas já era insuportável. Ficamos às escuras, pois a lanterna fora atirada penhasco abaixo, o que agravou por demais o resgate.
Naquele breu todo, ouvi os gritos.
_ Puxe! Pelo amor de Deus, puxe!
Puxei, puxei e puxei, até que o cabo partiu-se, atirando-me para baixo. Caído, sem saber o local, agarrei-me com toda a força que tive, temendo ter a mesma sorte dos já tragados. Com a Graça de Deus cheguei ao topo da calçada; cai de bruços, sem fôlego, quase afogado.
Tateei no escuro em busca de minhas muletas. Encontrei-as quase no meio da rua, inteiras. Levantei-me, fui à beira da calçada e senti a onda batendo em minhas canelas. Era a sentença de morte de meus desconhecidos desgraçados.
Misturei minhas lágrimas com a chuva. Me odiei pela primeira vez por não ter um par de pernas fortes, que teriam ajudado à salvar o casal e seu filhindo. Por quê? Qual o objetivo de Deus naquilo tudo? Gritei em vão a plenos pulmões. Um desespero sem fim; uma impotência; uma inutilidade; sou eu.
Tomei minha razão e voltei ao hotel. Diante de minha situação o recepcionista entrou em choque.
_ Senhor! Estas todo ensopado. Vais morrer de gripe...
Olhei em seus olhos e mal pude falar.
_ Antes fosse, amigo. Antes fosse.
No outro dias os jornais noticiaram o encontro de três corpo, incluindo uma criança recém nascida, boiando na praia de Casa Caiada.
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