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Contos-->A justiça que não falha -- 13/01/2003 - 13:55 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A justiça que não falha

_ Venha cá moleque!
_ Não vou, não.
_ Seu safado! Venha cá, imediatamente!
O jovem na cadeira de rodas tentava aproximar-se. Mas a medida que avançava, o moleque zombeteiro à sua frente ia outro tanto; só o suficiente para ficar fora do alcance do primo aleijado.Aquilo já transcorria a uns dez minutos, quando o peralta saltou para fora da casa, seguido pelo furioso parente, que queria tomar as contas de uma malvadeza ocorrida antes.
_ Vem cá! – insistia furioso.
_ Vou não! Sei que vai me surrar.
_ E vou mesmo. Venha cá agora!
_ Sou bobo?
_ Venha cá, senão te acerto uma pedrada.
_ Acerta nada. Você não tem força para atirar até aqui.
O deficiente ficou ainda mais irrado. O menino sentou-se a beira da calçada, provocadoramente, e começou a desenhar no chão. “ É a chance de pega-lo”. Forçou as rodas e foi fulminante na direção do debochado. Deixou as pedras de lado. Ia ser na unha mesmo. Mas a dois metros de seu feito, o moleque levantou-se vagarosamente, sorrindo de seu predador.
_ Pensou que eu não te vi. Coitadinho dele! Nem consegue me pegar. Nunca vai me pegar.
A desvantagem era abismal. Naquelas condições o menino jamais seria alcançado. Parou, olhou fixamente para o garoto, que agora estava sentado tranqüilamente num banco a beira da ladeira. Pensou, pensou. “Um revolver!” Essa era a saída. Daquela distância não tinha erro. Mas qual. Não tinha arma alguma. Descartou. Chamar para agarrar o desaforado? Mas que idéia! Perturbar os vizinhos para uma idiotice daquelas? E ainda mais: humilhar-se ao ponto de pedir auxilio de um são? Jamais! Engoliria seu ódio, daria meia volta e voltaria para casa. Chamaria o pedreiro para consertar a janela emperrada de seu quarto, e assim poderia abri-la para sua costumeira oração, que certamente o acalmaria e faria esquecer.
_ Ei? Seu bobão, não vem mais me pegar?
_ O que?
_ O manquinho não me pega. Lala lala lala.
Sua vista cegou. Pleno de raiva saiu à caça do maldito. Podia demorar o dia todo; tinha força física pra agüentar, seus oito anos em cadeira de rodas lhe davam esta condição. Às vezes parecia em melhor forma de que quando jogava futebol profissional pelo Colorado. E lá foi disposto a vencer a distância para o bote final. Mas que, a um metro do braço o menino levantou-se, fez ciranda no banco e foi na direção da ladeira íngreme , julgando que seu perseguidor não ousaria. Mas lá do meio viu que estava enganado. Seu primo lançou-se pela descida.”O burro vai acabar se machucando!”Já começara a se arrepender de telo provocado tanto. “E se ele se machucasse mesmo?” Ia ficar com remorsos. Melhor parar com aquilo. Mesmo sem grandes possibilidades de acertos, tentaria um acordo. Conhecia o primo. Se caísse em suas mãos ele não ia amaciar, inda mais agora. Melhor ir pra longe até a fera amansar.
Decidido à tal, viu a cadeira acertar um paralelepípedo sobressaltado e rodar sobre a cabeça do condutor, levando-o a roçar o rosto no chão de pedra. “Meu Deus do céu! Se machucou feio”. Os espectadores, que até então, por razões óbvias não tinham tomado partido na cena, deixaram de desdém e interferiram pesadamente em prol do acidentado. O zombeteiro sentiu a revolta de alguns socorristas e achou melhor escafedesse, antes que tomassem as dores do primo.
A noite, consumido pela angústia, recebeu um bilhete curto:
“Venha até minha casa.
Não guardo rancores.
Do seu primo Artur.”
Era a letra torta dele. Graças a Deus não estava mais com ódio. Ia imediatamente e em sinal de arrependimento consertaria a janela, e faria para o jantar uma galinha caipira com pequi, que ele tanto apreciava.Tudo estaria bem afinal.
Oito horas chegou o arrependido, portando uma galinha caipira recém morta e um belo litro de pequi. O vinho seria por conta do anfitrião. Subiu pela rampa especial. Lá estava a cadeira de rodas na porta do quarto. “Deve estar dormindo”.
_ O de casa!
_ Estou aqui... no quarto.
Deixou os pacotes sobre a mesa e seguiu na direção da voz. Do rol de entrada viu um corpo estirado sobre a cama. Parecia de costas, cabeça enfaixada. Devia ter se machucado feio. “Jesus que arrependimento!” Mas que fazer? Águas passadas. Atravessou o umbral e se postou aos pés da cama. Não acendeu a luz para não perturbar o enfermo. Ficaria alguns instantes e iria embora. A galinha ficava para o almoço.
De repente a porta fechou-se. Ouviu o rodar da chave e um leão surgiu. O paralítico estava à sua frente agarrado ao corrimão especial. Na cama um monte de lençóis encobertos, ornado a cabeça com uma bola de futebol. Tinha sido enganado.
_ Agora corra! Me insulte. Vamos ver quem é o bobão!
_ Mas...
_ Pensou que eu tinha caído é ? Pois como vê estou firme e forte. Só me atirei no chão, pois sabia que não adiantava ficar correndo atrás de você. E o “esperto aí” caiu como um idiota.
Cilada. Naquele quarto não teria chances. Mesmo com um braço só seu algoz valia por quatro dele. Fugir? Correr? Não adiantava. Enfrenta-lo? Menos ainda. Estava no seu terreno, em sua selva preparada, sem chances para as pernas que corriam. Seria o mesmo que um rato enfrentar um gato. Nada lhe vinha a mente. A fera vinha, a surra parecia inevitável e pela raivas dos olhos, seria enorme.
Então lembrou-se: a janela! Sim, seria sua única escapatória. Num salto pularia sobre a cama, abriria a janela e estaria a salvo no jardim. E assim o fez. Mãos no trinco força pra cima; mas a janela não abriu. Desesperado lembrou-se que pela manhã a tinha amarrado por forra só pra tirar sarro do primo que costumava abri-la cedo para fazer suas preces.
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