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Contos-->O Tempo de Dois -- 10/01/2003 - 15:05 (José Ernesto Kappel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Foram 30 vezes, foram 30 anos. Sei que o tempo passa voluptuoso,assanhado deixando marcas por onde ronda e resolvendo nossas coisas como ele bem entende.

O tempo é cruel, basto, volúvel e só mostra pra nós que ele nos visitou e depois foi embora. Leva quase tudo que a gente tem. Se não fosse nossa memória, aí seríamos igual brinquedos robotizados.

Esta história que este escrevedor lhes passa é um pouco melancólica, o que foge um pouco do espírito alegre deste que lhes narra tal evento.

E para não os deixar enfadonho, com letras minúsculas de lero-lero prefaciano, que não levam a nada, vamos aos fatos, contados por minha avó, a qual procuro resumir.

E a chamaria de 30 Anos, mas o leitor pode dar o nome que quiser.

1) A primeira impressão é a que fica. A paixão surge com todos os arranjos do corpo. Você conhece a mulher e fica apaixonado. Ela também. Um metabolismo indecifrável acaba de unir duas pessoas.

2) Passeios, rios, lagos, florestas, brinquedos, beijos, amassos, rupturas, voltas, sol, lua, poesia, amor louco que os assola. Ela morre por ele e ele também acho que morreria por ela.

3) Chega o dia, e você é jogado dentro da casa dela, onde tudo é impecavelmente limpo, os pais de roupa nova. Você vai jantar e nunca tinha saboreado uma comida tão gostosa.

4) Depois do jantar, tem sempre um lugar escondido onde eles podem ficar sozinhos. E jogam-se ao ar milhares de juras de amor. Se passeavam de carro, havia milhares de opções. E sempre tinha a lua brilhando e um vento maino que atiçava os cabelos dela, deixando-os voluptuosos e muito desejáveis.

5) Entre o conhecer e o frequentar, a casa levou muito tempo de aventuras e passeios inesquecíveis, um tempo de amores formidáveis, onde tudo parecia uma coisa só. O amor eterno morava nas mãos daquele casal.

6) Era o cinema, o teatro, festas, noitadas maravilhosas,beijos e relações incríveis. Mulher assim não existia. Homem assim, não existia, pensavam e comungavam os dois.

7) E, nisso, ele não queriam saber de mais nada.A não ser coisas que falavam de sublimidade e ternura. Ninguém tinha o amor que eles possuiam. Eles eram os donos de um novo mundo.

8) Praças, jardins, chuva ou frio, tudo era motivo de mãos-dadas e insolúveis beijos e trocas de juras eternas. O mundo vivia e renascia a cada dia naqueles corpos.

9) Mas tudo passa numa velocidade muito grande. Tem a escola. Chega a faculdade. O amor continua. Trocam-se, agora, cartas que mais parecem tratados medievais de tão volumosos e cheios de querências e longas juras e saudades.

10) Aí eles terminam a faculdade. Quase no mesmo ano. Volta prá terra natal, com o amor embutido na garganta de tanta saudade.

11) Ela, sempre linda e bem vestida. Impecavelmente vestida e cheirosa. Essa mulher não tem defeitos, ele pensava. Que gênio calmo, tranquilo, que espírito perene e esvoaçante que os toma ao tocá-la ou a discutir qualquer assunto. Ela é tranquila e desejável.

12) Bom, o tempo passou. Numa bela noite. Eles falam mais sério sobre a vida. Ele propõe o noivado e ela, exultante, sai pela casa toda a bradar as boas novas. Até o irmãozinho ranzina faz festa, e abre-se uma champanha. Todos se abraçam.

13) Época de compras:sempre acompanhada da mãe , ela desfila pelo comércio, fazendo o enxoval. Ele, mas retraído, vai montando seu guarda-roupa mais tímido.

14) Época de convites. Mandam fazer um cheio de alianças, e botijado de auréolas folheadas à ouro, e as duas famílias se unem numa mesa e escolhem os nomes dos convidados.Coisa que levam horas e dias.

15) E eles escolhem a Igreja. Ela começa a se impor, dizendo que prefere tal igreja. Ele já prefere outra. Mas tudo é resolvido escolhendo-se uma terceira.

16) As coisas vão se juntando tanto na casa como na dela. Tudo é festa. E cada presente, ela solta uma grito de alegria. Vem a despedida de solteiro - um tempo pra não esquecer.

17) Casamento. Igreja enfeitada. Sobrinho com uma câmera na mão, a tia com uma máquina fotográfica, um profissional para filmar, já que ninguém acredita muito no sobrinho - sempre chegado a uma bebida.

18) Casamento realizado. Leva umas duas horas e deixa todo mundo exaurido e suado. Eles sáem, antes, pra lua-de-mel. Sempre abraçados e frutificando beijos, até no padre.

19) Chegam no hotel. Ele carrega as malas todas e ela uma singela flor na mão.

20) Deitam-se exaustos. Ele se prepara para o início da festa sexual, quando ouve um voz meiga vinda do banheiro: "Benzinho, você não liga da gente se amar amanhã. A mestrução veio!". Ele, contra-feito, diz que não liga e vira pro lado e vai dormir.

21) Passado o período , a lua-de-mel foi uma completa loucura de amor. Nunca se amou tanto naquele hotel praiano.O hoteleiro precisou até de trocar de cama, já que o colchão de água havia furado e as molas da cama já estavam meio traquejantes.

22) Voltam prá casa. O tempo passa. Ele segue sua rotina de trabalho e ela devedora da faina do dia-a-dia em casa. Vem o primeiro filho, e depois o segundo, depois o terceiro e resolvem parar por ai.

23) A reação dela começa a parecer já meio nervosa, sempre dizendo que ele não ajudava nada com as crianças. E para evitar maiores discusões, ele se associa a um clube e, todo dia, depois do trabalho, vai tomar saúna e banho turco com os amigos. Juras de amor começavam a ser esquecidas.

24) Ela continua a reclamar, desta vez com maneiras mais agressivas. Diz que ele é um imprestável e só sabe se divertir, enquanto ela ficava com três filhos pra tomar conta. Ele também começa se exaspera e diz que ela devia ter se casado com um mordono que obedecesse as ordens dela. Ela diz que não é escrava. Ele diz que não é pajem. As relações sexuais já haviam definhado há mais de 4 anos.

25) O ambiente começa a ficar quente enquanto o tempo passa mais. Ele continua a encontrar com os amigos e ela, em casa, cuidando dos filhos que cada vez mais se tornam uns diabinhos portáveis, cada um querendo uma coisa, e escolhendo a hora da novela para chorarem juntos.

26) A relação dos dois fica mais tensa. Ela começa a se desmazelar, andando com qualquer roupa, e ele começa a beber no clube cada vez com mais assiduidade, tendo dia de chegar amparado por amigos, em casa, com a mulher,aparentemente, aflita. Ela sente a cada momento todo o seu sonho de mulher desmoronar e só tem o passado para se apoiar. Lembranças ralas de um tempo que passou.

27) Os dois evitam-se até de se tocar. Ele levanta e sai rápido de casa, até sem tomar café. Ela, com a cara emburrada, cada vez que ele chega em casa, dispara a falar uma série de desaforos pelos cômodos afora, até os vizinhos chegam a ouvir toda a alvenaria de agressões. Ele continua a beber pra ver se esquece o inferno que está vivendo com aquela mulher que , agora, mostra toda sua garra e gênio.É impulsiva, xingona, agressiva e nunca está satisfeita com nada. Só reclama o dia inteiro, principalmente da crianças. Não podem compreender o que se passou com aquele relacionamento. Ela descarrega toda a culpa nele. Ele já não sabe para onde foi o sonho da juventude e os momentos que passaram juntos.

28) A família percebendo intervém, prá pior. Não há mais diálogo na família e os parentes começam a remoer a vida dos dois. Pior: todo mundo briga. O cunhado, mais agressivo, diz que vai pegá-lo à tapas, pois ele é grande culpado daquele caos conjugal.

29) E o tempo passa. As crianças cresceram. Alguns, pais, tios e outros parentes morrem pelo caminho dos dias e do tempo. A relação entre os dois ficava mais caótica. Ele nem mais aguentava olhar prá cara dela. E, ela, até dentro de casa, não trocava uma palavra com ele.

30) Trinta anos de casados. Ele não fala com ela, ela não fala com ele. A única coisa que restava era muito ódio entre os dois. Ela foi aconselhada, pelo médico, a procurar uma Associação de Casais . Ele, se inscreveu no Grupo de Alcóolicos Anônimos.

Trinta anos de casados. Naquele dia não houve luzes na casa, nem qualquer comemoração. O fim já havia chegado há muito tempo!

E,finalmente,contando com a idade de minha avó, cuja memória, em restolhos, ainda sobrevive, lastrado em fraqueza, me perdôe se algo omiti.

Massei, se, ao terminar, o que ela bem queria dizer com a frase: "Meu filho é a história de todos os dias...hoje em dia tá pior...tá pior - meneando a voz - hoje em dia os amores eternos não duram 1 ano....os dois são culpados e também não o são. É o tempo, meu filho...é o tempo..."



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