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Artigos-->MENTIRAS SENTIMENTAIS -- 20/08/2000 - 05:45 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos






MENTIRAS SENTIMENTAIS







João Ferreira

19 de agosto de 2000





A NOMENCLATURA



Escrever sobre mentiras sentimentais, poderia ser um instigante capítulo da literatura amorosa em qualquer tempo. E isso, tanto a nível psicológico e social, como ético ou moral. Cronistas, jornalistas, ensaístas e autores de ficção têm à mão largos depoimentos que poderiam transformar-se em rico pábulo para capítulos romanescos e interessantes crônicas. Todavia, nosso intuito é apenas literário. Queremos apresentar e comentar um texto com esse título, da autoria de Gomes Leal (1848-1921), poeta português do final do século XIX e princípios do século XX.



GOMES LEAL E MAX NORDAU





Gomes Leal é um dos mais importantes poetas portugueses, conhecido por sua postura crítica, apocalípticoa e satânica. Vitorino Nemésio, em comentário escrito para o Diuconário de Literatura de Jacinto do Prado Coelho disse que Gomes Leal "foi, a poesia portuguesa, o mais estranho génio poético e vital depois de Camões". Esta informação pode ser tomada em consideração e melhor entendida quando, ainda pela pena do mesmo crítico e professor Vitorinmo Nemésio, encontramos uma síntese do que foi o Poeta na panorâmica da Literatura Portuguesa: "Na confluência literária do Ultra-Romantismo, do satanismo byrónico, do Parnaso e do Simbolismo, Gomes Leal deixou uma obra formidável, em que a versificação torrencial e de circunstância esconde, como uma selva, preciosas composições de grande surto, quer puramente líricas, quer satíricas, quer fundindo harmoniosamente os dois filões de seu génio. A sua ambição poemática construtiva, embora desfaleça nas epopeias e poemas dramáticos que tentou, dá à sua mensagem poética um lugar de relevo e uma força de significação singulares na Literatura Portuguesa"(NEMÉSIO, Vitorino. "Leal, Antonio Duarte Gomes". In: Dicionário de Literatrua. II, Porto: Livraria Figueirinhas, 1976, pp.521).

Em "autópsia final", que é o posfácio de "Fim de um mundo", Gomes Leal, da mesma forma que Nordau fez em "Degenerescência", flagela o egoísmo e fala da degenerescência das sociedades, defendendo que a solução está na educação e que na educação da criança está o cimento do mundo novo. A tônica geral de Gomes Leal é a de que o fim do século XIX terminaria no meio de um apocalipse social. De outro, lado denunciava a bancarrota moral e da corrupção da socieadde de então.



O TEOR DO TEXTO MENTIRAS SENTIMENTAIS





Max Nordau que foi dos autores mais lidos e mais polêmicos do período finissecular de cem anios atrás, escreveu o livro famoso "As mentiras convencionais de nossa civilização!". Claramente decalcando o título de Max Nordau, Gomes Leal publica em 1899 um texto menor que apelidou de "Mentiras sentimentais", onde, com manifesta mordacidade e ironia, passa em revista alguns valores mais salientes da sociedade burguesa: os valores sociais do matrimônio, da liberdade, da fraternidade, da igualdade, da justiça,, da família, da virtude, do egoísmo e do próprio sentimento, mostrando com ironia, o tom epocal desses conceitos.



UMA DEDICATÓRIA A MAX NORDAU





Gomes Leal dedica "Mentiras sentimentais" a Max Nordau, médico e jornalista judeo-húngaro, autor dos famosos livros "A Degenerescência" (Die Entartung: 1892-1893) e "As Mentiras convencionais da nossa civilização" (Die konventionelle Luegen des Menshenheit: 1883), entre outras. Autor apocalíptico, Gomes Leal via a sociedade, tal como Max Nordau, em estado de putrefação e decadência... Neste sentido o que para um soava como mentira de uma civilização, para o outro soava como mentira social e como mentira do próprio indivíduo inserido nos atos simbolicos da própria sociedade. Mentiras sentimentais são, por isso, uma réplica da decadência a que aludia Nordau em seus livros.



O POEMA MENTIRAS SENTIMENTAIS



O terceto inicial dá o tom do objetivo e da natureza do poema:

"O século vai findar na orgia e na demência

Reina o luxo e o cancan. Caem bancos aos pares.

Façamos tua autópsia ó louca decadência"...

Depois desta clara demonstração de intuito poético, vem a referência e o canto da ironia sobre uma enorme lista de atributos morais que a sociedade muito preza:

1. Honra

2. Caridade

3. Desinteresse

4. Justiça

5. Religião

6. Civilização

7. Amor

8. Altruísmo

9. Humanidade

10.Paz

11.Moral



12.Probidade

13.Sentimento

14.Família

15.Dedicação

16.Esmola

17.Virtude

18.Castidade

19.Ouro

20.Luxo

21.Luxúria

22.Alcoolismo

23.Egoísmo



"Mentiras sentimentais" estão escritas em forma de poema, disposto em tercetos rimados. Trata-se de um poema crítico e satírico. Tenta visar a hipocrisia social.

"A honra que floriu numa época pré-histórica

É a arte de iludir o Código Penal

[......................]

Matrimônio exprime hoje uma farsa legal

A operação sutil, comercial, econômica

Que eliminando o amor, triplica o Capital.

[.........................................]

Liberdade és ainda uma lírica imagem

Equivales a cada um poder morrer de fome

No enxurdeiro, a um bom sol, sob uma carruagem!...

[..........................................]

Civilização...Ah que ridentes miragens

Desenrola ante nós a palavra cantante

Que mascara bordéis, sabgueiras, tavolagens....

[...........................................]

Amor, volata azul, sonata extasianmte

Que se volve mais tarde em cutelo ou baraço

Reduzes a mulher a mártir ou bacante!....

[.......................................]

Altruísmo, expressão sonora com que engraço

Tem um contra porém...ser o anzol traiçoeiro

Que ao senhor dá a uva e ao escravo o bagaço.

[........................................]

Humanidade, som de flautim feiticeiro

Que tanto tangem Nero e Judas de Karioth

Como o rei, o histrião, o dentista, o coveiro!...

[........................................]

Moral, código vão feito por impotentes

Convencional conforme as zonas ou os mundos

Que só cumpre o mortal quando já não tem dentes!...

[.......................................]

Probidade, calão que oculta atos imundos

Quer dizer o horror às palhas da enxovia...

O politico anzol com que se pescam fundos....

[......................................]

Sentimento, tenor cheio de melodia

Canta árias passionais...e tem sempre a lembrança

De enviar aos jornais retrato e biografia.

[......................................]

Família lembra o pai, lembra a esposa, a criança

Causa terna emoção...sobretudo quando há

Um tio excepcional que nos lega uma herança....

[........................................]

Virtude, moça ideal que morreu de anemia

Fica bem na oração de um tribuno violento

E lê-se em folhetins dos jornais, dia a dia...

[......................................]

Ouro, mola real desta cômica peça

Vertigem que persegue o mortal desde o berço

-té que esverdeia enfim numa soberba eça!,...

[.....................................]

Luxúria de olhar verde, uivo choroso e agudo

Cheia de andrajos és a rameira...a galdéria

- mas rojando setins causas espasmo mudo!...

[...........................................]

Alcoolismo, cevado a grunhir na matéria

Com teu vidrado olhar sobre o tonel bojudo

Envenenas, vampiro! os bairros da Miséria...

[......................................]

Egoísmmo, expressão que é a chave de tudo

Cancro que mina e róí assim como o alcoolismo

Alfa e omega enfim deste imoral entrudo...





AUTÓPSIA DO MUNDO



Em seus versos de sátira, Gomes Leal pratica também não apenas uma crítica social, mas uma certa moral social. Estes versos têm como característica mover um combate ao convencionalismo, à formalidade, ao viver conformado,à morte da alma. A literatura destas mentiras é uma literatura de luta e insatisfação. Por isso mesmo ela está filiada não só ao surto de crítica realista iniciado por Antero, Teófilo e Eça, e pela geração 70, em geral, mas ainda no clima da poesia como voz da revolução.

Parece que o Poeta olhava a sua sociedade como uma sociedade cínica, cheia de mentira:

"Eis tua autópsia, ó mundo atual, teu cinismo!...

Tudo é mentira em ti - Por isso hás-de rolar

Cadáver falso e vil, aos ervaçais do abismo...- diz bem no final de "Mentiras"...

No poema "Dístico", inserido também em "Fim de um MUndo", Leal continua fazendo a crítica radical do mundo:

"Como um cirurgião que retalha a escalpelo

Um ventre escultural, lácteo, gentil e belo,

como quem fura um odre...

Assim o mundo também -peito imoral e amada -

Corpo todo de axul e de lama estrelado

Eu te hei-de retalhar nos teus milhões deitado

Carcassa linda e podre...."

Na "Carta a um elegante bandalho", completa esta sátira ao cinismo social e à maladragem...

Um poema que pode ser alvo de uma boa pesquisa literária em sua forma e em sua ligação com as grandes temáticas da decadência do final do século XIX e também com a técnica do verso em si.

Para já, "Mentiras sentimentais" pode dar até, além de uma interessante leitura e estudo, uma bela meditação para muitos homens e para muitas mulheres envolvidos em amores...





João Ferreira

20 de agosto de 2000

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