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Artigos-->O Rabo do Cachorro -- 19/03/2002 - 23:32 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos




As diversas experiências que a população brasileira tem enfrentado ao longo das últimas décadas, no que se referem aos pacotes econômicos impostos pelos tecnocratas de plantão, assemelham-se aos relatos de paixões e traições, esperanças e desenganos, enfim, aos diversos sabores que a vida nos ensina a provar, doces e amargos, que brotam do âmago de nossa frágil condição humana.



No início de qualquer relacionamento, há , sempre, o processo de admiração, de encantamento pessoal. Os candidatos e as candidatas. As eleições. O namoro. Depois, a aproximação e o conhecimento maior. Mais adiante, as urnas, a escolha, a votação. As alianças e os eleitos. O casamento. A posse. As festas. As comemorações. A lua de mel. Política e vida em comum se confundem.



As primeiras medidas são divulgadas e implementadas. Nascem os pacotes econômicos. Nascem os filhos. E ambos já começam a preocupar, a incomodar: filhos e pacotes. Começam suas caminhadas, ainda inseguras, aos trancos e barrancos. Há quedas e há machucados. Todos se assustam. Mas é assim mesmo, dizem os mais velhos. E todos se levantam. Limpam a poeira. E tornam a ficar de pé. Ainda há a esperança. E tudo aponta, por enquanto, para o paraíso.



O tão sonhado futuro, para onde foram projetados os desejos e as promessas, sugerem que está próximo. Que serão cumpridos. Que todos realizarão seus sonhos. Até que um dia, a realidade surge como uma tempestade. O sol vai embora. Ventos fortes e uivantes; raios e trovões riscam explodem e iluminam os céus. As nuvens negras encurtam os dias. Antecipa-se a noite ou a escuridão. As chuvas caem, aumentam de sonoridade, apressam-se em cair. Derrubam árvores e inundam ruas, calçadas, casas e quintais. E forma rios caudalosos. Isolam as pessoas em seus abrigos e residências. Presas e angustiadas as pessoas se sentem frágeis e indefesas. É tempo de reflexão.



Os filhos não podem ir ao colégio. Não somente pela chuva; muito mais pelo tempo ruim. É que, este ano, a exemplo de anos anteriores, o número de vagas não foi suficiente para atender a todos. Algumas vagas, apenas, nos colégios particulares. Mas o preço da mensalidade é proibitivo. Pelo menos para a grande maioria das famílias de brasileiros. Cujos chefes estão desempregados. Ou subempregados. Mesmo para os que ainda ocupam postos de trabalho, o salário não acompanha os preços das mensalidades escolares. Vamos esperar mais um ano. Mesmo que tudo aponte para a incerteza quanto às melhorias futuras. Afinal, nos acostumamos a dizer que ano que vem será vida nova. Que tudo se realizará. Muito dinheiro no bolso, saúde prá dar e vender.



Mas paciência tem limites. Começamos a perdê-la. A encurtar o pavio. Qualquer coisa é motivo para discussão. As crianças, com a chuva e o frio, adoecem. A culpa é da esposa, que não fechou as janelas na hora da chuva. Mais brigas. Mais discussões. O governo também tem a sua parcela de culpa”, diz a mulher. - Concordo. Mas temos que fazer a nossa parte. As crianças não podem ficar doentes o tempo todo! “Vamos ao médico”. E o governo vai à televisão e pede mais paciência. A inflação aumentou, mas aumentou menos do que há dez anos passados. Boa notícia. Para o governo. Para as donas de casa não faz o menor sentido. Não há carne na mesa. Feijão, arroz e banana. E agradeça a Deus. Tem gente que nem isso tem para comer. Ainda bem! Serve de consolo.



A chuva parou. Fomos ao hospital da rede pública. Não existe atendimento hospitalar de urgência e de qualidade. No ambulatório, só com consulta marcada e, assim mesmo, para daqui a seis meses. “Seis meses? Até lá o vírus da gripe já morreu de falta do que fazer.” A solução é apelar para remédios caseiro. Chá de limão. De alho. De ambos. Isso se ainda existir gás no bujão, cuja chama avermelhada já dá mostras que está no seu final. Se a coisa apertar, vou ter que pedir emprestado ao vizinho.



O tempo vai passando. Algumas contas começam a ser deixadas de lado. As dívidas vão se acumulando. Os salários continuam os mesmos, enquanto a inflação cresce devagar, esperando a hora de dar o bote fatal. Restrições no consumo. Já não dispomos de qualquer supérfluo para economizar nos gastos. O aumento dos juros, antes justificado para atrair investimentos estrangeiros, agora não tem mais explicação. Virou rotina. Coisa de viciado. É uma droga, dizem todos. A inadimplência é geral. Falta o gás e a comida escasseia. Sobram desesperanças e desarmonia.



O que a gente já sabia, mas fingia que não acreditava, realmente aconteceu. Como sempre. Não foi nenhuma surpresa. Mas deixou a gente, como sempre, surpreendido, incrédulo. Começou a “dar água”, como dizem, no plano econômico. Houve furos no planejamento, por onde a água deve ter entrado. Plano é feito no papel, e papel, com água, geralmente molha e se rasga. Chega uma hora que não presta mais para nada.

Tem que jogar fora. Pegar outro papel. Passar tudo à limpo. E recomeçar.





As brigas vão ficando mais acirradas. Políticos discutem. Casais brigam. Ressentimentos são realçados. Ânimos acirrados. Calúnias e difamações por todos os lados. A desconfiança começa a tomar conta do planeta. O plano econômico e a família começam a ruir. O desinteresse do casal (e do governo) por tudo e por todos, passa ser a tônica do dia-a-dia. Ninguém mais se entende. Ninguém mais diz coisa com coisa. E a vida se torna um inferno. Nas Câmaras Municipais, nas Assembléias Estaduais e no Congresso Nacional. Nas praças, nas ruas, dentro e fora das casas. Dentro dos casais. No interior de cada pessoa, a desintegração, a desunião e a separação parecem inevitáveis.



Até que um belo dia o sol reaparece. As nuvens negras foram embora e nem percebemos. As ruas secaram. Voltaram as folhas e as flores. Reacenderam-se as esperanças. Um novo amor principia. As eleições estão novamente nas ruas. Novos candidatos e candidatas. Novas promessas. Um novo futuro é traçado. Vem o Natal e, com ele, o apelo ao perdão. Mais um voto de confiança no futuro. Afinal, temos que pensar nos nossos filhos. E a vida continua. E desta vez tem que dar certo. Vai dar certo.



E o ciclo se repete. Não se aprende com os erros. O mesmo título eleitoral. Os mesmos candidatos. As mesmas idéias. Os mesmos planos. O mesmo futuro. As mesmas promessas. Os mesmos erros. As mesmas explicações. E tudo volta a girar no mesmo sentido, pelas mesmas coisas, nos mesmos lugares, até o próximo Natal. Tal qual o cachorro tentando morder o próprio rabo.



Domingos Oliveira Medeiros

19 de março de 2002 – Reconst.







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