Guia literário para entender reality show
Marcelo Rodrigues de Lima
Se perguntássemos para José Saramago, sua opinião sobre os atuais reality shows, ele certamente diria que estamos vivendo em cavernas. E se fosse feita para Franz Kafka, diria que somos grandes baratas cascudas.
Até aí, nenhuma novidade, já que até mesmo nós, que assistimos BBB e Casa dos Artistas admitimos o quão infrutíferos são.
Diretores, produtores, maquiadores, psicólogos. Tantos profissionais juntos para produzirem nada. Mas se procuramos respostas de o por que de nossa estranha vontade de apreciar o nada, não é recomendável a leitura dos dois autores acima. Se fizermos isso, possivelmente jogaremos a tv fora. Sem extremismos. Quem sabe em um futuro não tão próximo, acharemos a vantagem do reality show.
Mas enquanto esses benefícios não vêem, duas leituras se fazem importantíssimas, ao mesmos para os que buscam respostas para explicar os quase 80% (juntos) de audiência que alavancam quase todos os dias.
A primeiro é Ao vivo do calvário, de Gore Vidal. O livro fala da corrida contra o tempo de uma emissora de tv que quer filmar Jesus Cristo sendo crucificado. Para isso contratam São Timóteo, que é incumbido de escrever um novo evangelho para ser encontrado no futuro.
A primeira vista, o livro parece tratar apenas de religião, já que o contratado conta histórias insólitas sobre Cristo. Mas avaliando-o de maneira mais cuidadosa, descobre-se que isso é apenas um pano de fundo para discutir o poder da imagem e o que pode acontecer se tudo se torna uma corrida pela audiência.
Não por menos, o evangelho segundo Timóteo fica mais ou menos assim, devido à visita dos homens da tv: "O princípio do evangelho de Jesus Cristo, filho da Deusa Amaterasu (...) Eu sou Timóteo, filho de Eunice, a judia, e Jorge, o grego. Nasci em Listra, na Ásia Menos, uma província do império do Japão (...)”.
O segundo livro é O pássaro raro, de Jostein Gaarder, mais especificamente o primeiro conto O scanner do tempo. Aqui, em um futuro distante, cientistas descobrem como voltar no tempo. Isso, através da tv. As pessoas podiam sintonizar um determinado período do tempo, personagem, acontecimento e assistir ao vivo. Mas isso se torna um problema, já que podiam agora, também, visitar a vida de seus visinhos, há instantes atrás, ou fazer qualquer outro tipo de invasão de privacidade.
Por isso o personagem afirma: “Estar em toda a parte leva à solidão (...) O outro não existe, não existe uma incerteza lúdica (...)”.
Ambos os autores dizem, à sua maneira, que tudo tem um limite. Que quando esse limite é transposto, muitas coisas perdem o sentido ou ganham outro completamente diferente.
Mas se você quer arriscar jogar a tv pela janela, então leia os autores do primeiro parágrafo.Sugestão: A caverna, do Saramago e A metamorfose, de Kafka.
Saramago conta à história de um oleiro que luta para adaptar-se à sociedade moderna, a mesma que lhe tirou o emprego. Fica surpreendido, quando um dia encontram vários esqueletos em uma espécie de caverna e ao invés das pessoas tentarem entender o que isso representa, comercializam a descoberta arqueológica. O autor mostra claramente isso quando escreve: “Brevemente, abertura ao público da caverna de Platão. Atração exclusiva, única no mundo. Compre já sua entrada”.
Kafka, mais conhecido com a sua Metamorfose, conta a vida de um homem que se transforma em barata. Uma maneira bem original para mostrar uma pessoa que vive em constante pressão social. E por que não dizer, a sua própria.
Eles não tratam diretamente da questão mídia, mas dão uma ótima localização sobre o que é a sociedade. Nada mais justo. Estamos tentando entender o que representa um reality show, por que não tentar entender de onde e para quem foi criado, isto é, a sociedade que somos.
Saramago, Vidal, Gaarder e Kafka são ótimas recomendações para quem gosta de ficar com dor de cabeça. Mas ao menos é de pensar.
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