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Contos-->Além do sono sob a laje fria -- 04/01/2003 - 12:01 (Lorde Kalidus) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O despertador torna a gritar em seu ouvido, mais cedo que de costume, fazendo com que suas narinas tornem a acordar para cheiro gasoso que a cidade arremessa contra elas. Após a noite de Sexta varada entre abraços e carícias que fizeram seu violão chorar, ele se vê que a hora da janta se aproxima e abandona os lençóis, indo se preparar para a noite mais importante do ano.
Uma festa de aniversário solitária, ele pensa. Ele vai passar mais uma noite sozinho com ela, embora saiba que ela não poderá abraçá-lo, e ele sabe o quanto ela o faria se pudesse. Ele sabe que, se não fossem as amarras que os mantêm afastados um do outro, seus lábios se tornariam um só novamente, dançando colados até sangrarem, e ele se enterraria em sua fenda de amo dizendo a ela que, se morresse naquele momento, já teria tido uma vida que valeu a pena.
A pizza da noite passada ganha terreno em sua boca, enquanto os goles de café são carros envenenados na pista que é sua garganta. Ele não pensa na cama desarrumada ou nos pratos empilhados sobre a pia, resultado de um café da manhã apressado. Ele rapidamente abandona a xícara e o guardanapo sujo, dirigindo-se ao banheiro. Denis não quer encontrar seu anjo negro com a boca cheirando a pizza passada.
Limpa a boca e lavado o rosto, trapos pretos cobrem os desenhos em seus braços, enquanto o batom preto e o pancake tornam a fazer parte de seu rosto. Enquanto se maquia, ele se pergunta se a máscara esconde sua verdadeira identidade ou se é a única coisa que realmente a revela.
Amarrado seu coturno, o sobretudo preto se torna refúgio para a noite de outono, e ele deixa o pequeno apartamento, fechando-se no elevador. Amanda é o único arquivo que sua mente consegue acessar.
Ganhando a saída do prédio, ele e a noite se tornam uma única entidade, como uma sombra com pernas. A essa hora, a luz do sol não pode perturbá-lo e as ruas estão livres dos zumbis covardes que se escondem atrás de seu medo e insistem em fugir de sua própria ânsia de amar. Porém, sem se preocupar em entender por quê os homens insistem em trocar o amor pelo ódio, ele inicia sua marcha decidida, saindo de seu lar, próximo ao metrô Paraíso.
Ele torna a se lembrar de Amanda, buscando encontrar nas lembranças de seu abraço terno e quente um lenço para lágrimas em potencial. Por que um fim tão brutal para tudo o que existiu entre os dois se não existe qualquer pecado em amar? Por que essa necessidade sádica do destino de impedí-lo de encontrar refúgio nos braços daquele querubim, uma vez que esse mesmo destino fez com que ele a conhecesse? Estaria ele indeciso ou buscando nos dois algum tipo de diversão cruel? Isso também não importa.
A caminhada muda de rumo, saindo da avenida paulista e ganhando a Brigadeiro, onde a escuridão parece mais negra que momentos atrás. Seria isso um presságio da vida que ambos levavam e que se evidenciava nos panos que seus corpos costumavam vestir?
Ele se lembra de uma caminhada, quando ambos ainda tinham permissão do além-vida para estar juntos, embora ainda não costumassem suar sob os mesmos lençóis:
· Cara, que semana de merda, ele disse. Pensei que fosse durar pra sempre!
· Que aconteceu, ela perguntou, rindo de sua expressão raivosa. Estranhamente, ela achava ser estranhamente agradável vê-lo nervoso.
· Fui atrás de trampo trocentas vezes e não consegui nada. Os caras não querem me dar trabalho porque eu nunca morei no exterior. Isso queima o filme de qualquer professor de inglês.
· Ah, fica frio, ela disse, tirando o vinho de dentro da mochila. Uma hora você arranja alguma coisa. E, depois, não é o teu primeiro trabalho?
· É, ainda tem isso. O fato de eu Ter pouca experiência.
· Olha, melhor a gente não ficar falando disso. Vem cá, o que vai Ter de legal lá hoje?
· Tem uma porra de especial, acho que do The Cure.
· Não fala assim, eu gosto do Cure.
· Robert Smith tá parecendo uma fruta com aquele sonzinho novo. Puta merda, não dá pra crer que alguém que fez Charlotte Sometimes tá fazendo esses discos que ele anda fazendo. – Ela se silenciou, fitando o amigo e parando subitamente diante de seu olhar interrogativo.
· O que foi, por que parou de repente? – Ela apenas sorria. E ele, por algum motivo, já sabia o motivo da súbita parada. Palavras eram como transeuntes na rua, cuja existência passava despercebida. Então, ele se aproximou dela e suas línguas dançaram sua primeira valsa.
Ele não reclamou do cheiro de cigarro em seu cabelo que se misturava com a quantidade de perfume exagerada que ela passou para disfarçá-lo, assim como ela não se importava de se sujar com o batom preto e melado que saía da boca de seu amado. Diante do beijo, ambos tornaram-se cadáveres para suas próprias vaidades, uma vez que o amor havia vencido o braço de ferro entre eles.
Mais tarde, um telefonema de Denis para o bip de seu amigo, Marcos, indicava que os dois não iriam aparecer no salão àquela noite. Ele já havia conseguido alugar um apartamento na república da universidade e, uma vez que não morava mais com seus pais, não havia qualquer problema de levar alguém para passar a noite em sua cama e os gemidos não acordariam ninguém durante a madrugada. A primeira noite passou rápido para os dois mas, nem por isso, poupou-os do cansaço que, mais tarde, não os impediu de começar tudo de novo e lavar a cama com sua transpiração.
A realidade o acorda de seu sono acordado, onde ele sonha com sua eterna dama. Como o amor pode ser tão doloroso, uma vez que lhe trouxe tanta felicidade em páginas anteriores do curto livro que é sua vida? Ele não encontra resposta para isso, embora não consiga encontrar modo de frear a pergunta dentro de sí. Ele diz a sí próprio que, se ainda houvesse um coração em seu peito, cinza seria a única cor disponível.
E, em meio a isso, a jornada prossegue.
“Além do sono sob a laje fria”
Início: 31 de maio de 1999
Por: Alfredo José de Souza Brito

Após um tempo gastando suas botas no asfalto, ele chega à Bela Vista. Lá, descendo uma rua tão estreita quanto às alegrias que conheceu ao longo de seus dezoito anos, ele chega ao antigo salão, agora um lar onde baratas e ratos são vizinhos.
Seu pouco peso, apoiado contra a porta, é o bastante para abri-la, uma vez que os cupins já a transformaram em refeição e sobremesa. Dentro da outrora danceteria, o cenário não é mais animador; o telão, que antes exibia imagens em forma de música, estava agora desfalecido. O nada se torna o diretor e protagonista dos únicos filmes a serem exibidos. A música, antes ensurdecedora, não é mais que uma criança virgem e tímida cujas emoções são retardadas por pais conservadores. O cheiro de cigarro sumiu também, assim como os copos por cima das mesas; apesar das paredes negras, ele podia ver luz e nunca imaginou que o lugar pudesse ficar mais escuro.
As vozes ainda ecoam por lá, enquanto ele se recorda das longas viagens que a boca de Amanda fez através de seu pescoço enquanto ambos deitavam-se sobre o sofá. E os banheiros, como estariam? Ele pensa nisso quando desce as escadas do antigo porão do Bexiga.
A água foi cortada, ele nota, sabe Deus há quanto tempo; as pichações nas paredes ainda são as mesmas, tudo continua igual, incluindo os fantasmas que ainda podem ser sentidos.
Entrando no banheiro feminino, ele torna a se lembrar de Amanda:
· Se veste logo que o especial do Cure vai começar!
· Valeu pela parte que você me toca, trocando meu amor por um especial do The Cure!
· Ah, fica quieto, diz ela, sorrindo. Amanhã é Sábado e a gente não tem nada pra fazer. E depois, é embaçado fazer isso aqui. O lugar é pequeno e nada confortável. E não me diga que você agüenta fazer isso mais que uma vez seguida?!
· Por que a gente não tenta descobrir?
Ela não disse mais nada, tornando a sorrir. E Denis viu o Sol brilhar dentro daquele pequeno banheiro. Não conseguindo aceitar a inversão de valores de sua musa, ele tornou a sugar os globos formosos em seu peito, fazendo-a mais uma vez esquecer de onde estavam. Em seguida, ele se ajoelhou diante dela e sua cabeça escondeu-se sob seu vestido, para que sua língua passasse a explorar seu local mais íntimo:
· Ai, Denis, não, vamos... Ah, cacete, ela dizia, perdida dentro de sua própria luxúria, vê se pelo menos deixa eu me ajeitar!
As lembranças logo se tornam um peso maior que as forças que o amor lhe dá para carregar. Sendo assim, ele envia uma ordem a seus pés, que eles imediatamente obedecem, levando-o para fora daquele lugar. Assim que ele sobe, tornando a encontrar o bar do salão, as vozes de seus antigos colegas continuam ecoando, bem como a imagem da banda sobre o palco. Esquecendo de fechar a porta do prédio condenado, ele se vai.
O asfalto da rua torna a devorar a sola de suas botas, enquanto ele ruma em direção à praça João Mendes; um câncer cresce dentro de seu peito, exatamente como ocorria antes, quando Amanda era a única hóspede do motel que era sua cama, mas, naquela época, ela podia ajudá-lo, desviando o erótico tumor em direção a seu interior. Ela não se atrevia a se considerar um remédio para a doença de Denis, uma vez que ela própria partilhava desta moléstia. O amor, vírus que ataca e destrói, e que, tal qual mensagem dos céus, precisa ser correspondido para que o paraíso se faça presente.
Pra baixo, todo santo ajuda, pensa ele, lembrando dos poucos minutos que levou para chegar à praça. Aproximando-se mais, ele logo nota a presença das namoradas da noite, mulheres cuja cama não tem visitante fixo e que fazem do ato de amar seu pão de cada dia; com uma beleza que mascara o rosto amargo da angústia, elas prosseguem dia após dia, sendo invadidas voluntariamente por aqueles que buscam em seus braços o sonho de uma hora de luxúria, embora esta venha disfarçada por gemidos ensaiados.
Ele se pergunta o que motiva uma mulher a seguir este tipo de vida; será a ânsia de Ter prazer durante todo o dia, unindo o útil ao agradável ou as conseqüências de uma vida pouco favorável? De qualquer modo, ele logo procura olhar em volta se não está sendo observado, enquanto se lembra que trouxe a proteção adequada para os próximos minutos em que deverá passar em companhia de sua favorita.
· Oi, gatão, há quanto tempo, ela diz, com um entusiasmo quase convincente. Veio atrás de uma farra?
· Quanto custa, ele pergunta, como com uma âncora na língua, culpando-se por Ter que recorrer a este tipo de remédio para sua dor, sentindo sua condição de homem ceder sob os pés daquilo que condena.
· O de sempre, 35 com hotel. Vamos?
· Vem. – Ele puxa a prostituta pelo braço e ela sorri. Talvez o dinheiro que vai receber pague alguma de suas vaidades. Sem se preocupar com isso, eles atravessam a avenida, indo para o hotel.
Assim que chegam lá, ele tranca a porta do quarto e tira sua roupa, da mesma forma que costumava fazer com Amanda. Não por coincidência, o nome dela faz de sua língua um trampolim, de onde salta várias vezes rumo à piscina que é o ar do quarto. A poeira nos móveis, bem como o cheiro de mofo passam despercebidos, enquanto ele se sufoca de encontro ao corpo dela, que põe em prática todo o treinamento que a vida lhe deu nas artes dos prazeres da noite. As posições variam e o relógio torna-se uma criança muda para ambos. Teria ela se esquecido a condição na qual ambos estão lá? Ele procura não se enganar a respeito disso.
· Nada mal. Bom, mais alguma coisa? Ainda tem fôlego pra mais?
· Deita aqui do meu lado, eu ainda tenho vinte minutos.
· Me pagou pra ficar deitada com você?
· O descanso depois do coito faz parte. Agora vem.
Estranhando a atitude do cliente, ela se deita a seu lado na cama e, quando ele nota que ela se deita apenas a seu lado, ele puxa sua cabeça de encontro a seu peito, cheirando o cabelo loiro que ainda exala o fedor dos outros homens que deitaram com ela na mesma cama.
· Escuta, eu posso perguntar uma coisa, diz ela.
· Manda.
· Quem é Amanda? Você disse o nome dela enquanto a gente transava. – Ao ouvir o nome, ele começa a acariciar o rosto da amante temporária, conforme fazia com sua prometida. A pouca luz que vem da rua ilumina o quarto, enquanto ele beija delicadamente o cabelo da prostituta, que não disfarça o tom de espanto:
· Ah, eu já vi esse olhar antes. Ela é sua namorada?
· Respondendo à sua pergunta... Ela era alguém especial demais, e ainda não inventaram palavras em nenhuma língua pra que ela pudesse ser definida.
· Ah... E eu me pareço com ela?
· No escuro, todas se parecem.
Em seguida, ele alivia a cama de conter seu peso, indo em direção a cadeira onde descansa sua roupa, tornando a vesti-la.
· Olha, eu tô sempre lá na praça... Se você quiser se lembrar da sua amada de novo, é só me procurar.
· Eu volto. Diz ele, acendendo o cigarro e saindo do quarto, deixando a mulher nua sobre a cama. Enquanto desce os degraus, ele se lembra que o que ela lhe paga não é mais que uma sombra daquilo que ela deixa à sua disposição. Cédulas de papel, ele pensa, são pequenos deuses que só tem tamanho poder porque os mortais reduzem-se a Ter fé neles.
Todo o tipo de papel, certidões, atestados, cartas de amor... O que é o mais belo poema sem o amor de quem o escreve? Poesias não são mais que o cuspe de uma caneta sobre o papel se não houver um coração comandando a mão que as escreve, somado ao cérebro que articula corretamente as palavras.
Assim como o sexo dado a ele agora há pouco pela prostituta; teria ela dado a ele o mesmo afeto caso ele não tivesse na carteira aquelas três notas que garantiram a ela mais uma comissão? Não houve qualquer fundamento naquilo, o amor dela não passou de um cheque passado pelo dono de uma conta fantasma.
Descendo até a praça da sé, ele encontra o Silvio Romero esperando; em pouco tempo, ele embarca, tomando rumo até seu destino, onde encontrará novamente Amanda. Enquanto o elétrico avança em marcha lenta, como de costume, ele roga para que a floricultura em frente à nova casa de sua musa esteja aberta. Ela adora orquídeas.
Ele se lembra da primeira flor que deu a ela:
· Uma rosa?
· As pétalas dela não vão expressar tudo que eu sinto, porque meu amor não pode ser tocado; Apenas sentido. Acho que isso mostra o quanto ele é forte, pois pode atingir e mudar tudo em mim, talvez em nós... E ninguém pode encostar nele.
· Ai, Denis... – Ela sorriu e o abraçou, fitando a rosa logo em seguida. O que você disse foi tão bonito que eu quase me esqueci do meu problema com rosas.
· Problema? Qual?
· Bom, quando eu era mais nova, eu estava brincando com minha prima e caí num canteiro de rosas. Me furei toda. Aí, depois disso, eu nunca mais quis saber de rosas na vida.
· Ahh... Desculpa, amor, se eu soubesse...
· Não, tudo bem. Mas vem, eu vou te mostrar uma coisa.
Ela o pegou pelo braço, levando-o até a estufa de sua mãe. Lá chegando, ela o levou até uma parte especial:
· Gosta delas?
· Eu não manjo nada de flores. Como se chamam?
· São orquídeas. Eu mesmo criei. É a minha flor favorita, cuido delas todos os dias.
· Legal.
· Às vezes, eu venho aqui, quando não te encontro, e fico horas conversando com elas enquanto faço minha lição de casa. Elas são a única companhia que tenho quando você tá longe. É como se fossem minhas filhas!
· Que bom, é legal saber que você tem esse costume... Alguém que cria flores não pode ser má pessoa.
· Valeu, gato... Mas o que eu quero te dizer é que, embora eu crie orquídeas, ia ser muito legal se alguém me desse uma.
· Ah... Entendi. – E ela sorriu ao ouvir as palavras do namorado.
Ele nunca mais deu uma flor a ela, embora tenha escrito um sem número de letras em sua homenagem, cada uma delas refletindo tudo aquilo que seu coração lhe ordenava. Amor em forma de partituras que ecoava em meio aos gemidos de seu violão. Canções que jamais foram gravadas, mas que pereceriam apenas no dia em que a terra devorasse seus olhos.
Alguns passos depois, ele finalmente chega à floricultura, agradecendo a um Deus que ele ama, embora jamais possa vê-lo, exceto por suas obras, acreditando que o fato de encontrar a loja aberta seja uma delas. Ele compra orquídeas e, ao deixar a loja, se lembra que é hora de acordar novas lágrimas para passar mais uma noite ao lado de Amanda, embora ele saiba que o calor de seus lábios não é, agora, mais que uma recordação cruel que parece Ter surgido apenas para se tornar o primeiro prego de seu caixão.
Logo, ele está em frente à nova casa de sua adorada. O portão lembra o cenário de um filme vampiresco feito na década de vinte, enquanto ele nota que todas as luzes estão apagadas e nenhum carro passa na rua. Qual será o problema com o coveiro para não se atrever a cruzar a porta de sua casa a essa hora da noite?
Ele caminha sem medo, logo após pular o portão, andando em meio a corpos que não mais amam ou temem. Os vermes prosseguem seu banquete, devorando restos de ossos que já se tornaram pó, aguardando os próximos que virão. Denis sabe que, um dia, terá de habitar este local; que um dia seus olhos fitarão Amanda outra vez, em um plano onde ambos não mais terão de se preocupar com quantas horas ficarão juntos até se separarem de novo. Ao dia em que ele se deitar em uma das camas de concreto que se encontram aqui, ele finalmente encontrará a paz, e o fim de sonhos em que sua amada caminha com ele de mãos dadas por campos verdes que se tornam cinzas quando o galo canta em seu ouvido com o nascer do Sol.
Finalmente, ele chega até ela. Como uma metáfora da vida que ambos levaram, trocando a noite pelo dia, uma árvore escurece a sepultura até mesmo da luz do luar, cujos raios atravessam as brechas deixadas pelos galhos que não podem estar em todo lugar ao mesmo tempo e iluminam a lápide, enquanto o barulho do trânsito subitamente desaparece, tornando o lugar tão silencioso quanto a alma de Denis. Então, ele se ajoelha ante sua musa, beijando seu nome, escrito sobre o concreto, e, logo depois, sua garganta começa a trabalhar.
· Oi, amor, sentiu saudade? Tenho muita coisa pra te contar.
Ele, agora, se senta de pernas cruzadas, acendendo o cigarro e pegando o vinho dentro da mochila.
· Pena que cê não pode tomar um gole. Isso me faz lembrar que a primeira vez que a gente se beijou, foi tomando vinho. Ah, tem mais uma coisa aqui...
De dentro do sobretudo, ele retira as orquídeas que acabou de comprar, colocando-as sob o nome de seu amor. Uma coroa de flores, que somente um anjo poderia usar sobre sua cabeça.
· Você ainda gosta, não? Tomara que sim, elas... Bom, eu custei pra ver o quanto são bonitas. E eu... – Uma tempestade se forma dentro dele, alterando o Sol brilhante que era sua face, que não era mais que uma máscara criada para evitar uma preocupação que a namorada não mais podia Ter. Em meio a isto, nuvens começam a se formar em olhos que se tornam o muro de uma represa que contém águas furiosas. E qual reforço inútil para evitá-las, as mãos pousam sobre o rosto. E como que afogado na água salgada que sai de seu interior, ele recupera a voz que não é mais que de uma criança abandonada no beco de sua dor:
· ... Eu sinto tanto sua falta. – E ele termina de desabar, caindo aos pés do túmulo, que seriam os dela se a vida ainda brilhasse dentro de seu corpo. Ele não pensa nos gatos que podem Ter defecado naquele chão, na urina de algum vândalo que poderia Ter invadido o cemitério e descarregado ali a garrafa de pinga que tomou ou nem mesmo que aquilo não passa de um pedaço de chão que, por ser de um cemitério, tem menos vida que de costume. Ele beija a lápide ao mesmo tempo em que a abraça, sentindo naquele pedaço de concreto sem vida o calor daquele corpo que já foi seu.
As horas morrem, vítimas do tempo que não lamenta ou clama pelo fôlego do qual não depende enquanto corre. Em meio a esta corrida, o sono finalmente reclama a posse da consciência de Denis, que dorme uma vez mais abraçado a seu único amor. E, assim que o dia apresentar-se para mais um dia de trabalho, ele iniciará sua caminhada em direção ao lar onde seus gemidos ecoaram juntos pela primeira vez. E assim que entrar no ônibus, ele irá se lembrar que, tão logo a areia tiver caído da ampulheta e completar um ano, ele dividirá a cama com ela novamente.



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