Não raro somos objeto do que eu chamo de "olhar de cabo a rabo". Como diz o nome, trata-se de um olhar que segue de uma ponta à outra, do mais alto fio do topete até à s entranhas do salto do sapato.
O olhar inicia em uma das extremidades e se desloca até a outra. Mas o deslocamento é lento e vai esquadrinhando todo o objeto do olhar (para os amantes dos trocadilhos infames eu diria que é um deslocalento). Desnecessário dizer que o objeto de um olhar de cabo a rabo é invariavelmente uma pessoa, em geral, candidata a concorrente ou concorrente já declarada. Há variantes em que o objeto do olhar vai sendo fritado à medida em que olhar progride. Ao término, o emitente do olhar tem uma idéia completa do objeto, conhecendo detalhes até mesmo de três vidas passadas, tamanha a profundidade do olhar. Meia furada ou cueca rasgada não escapam. Elásticos soltos, detalhes na depilação, tatuagens ou sinais em locais íntimos são detectados quase que instantaneamente. Há mesmo quem identifique pequenos tumores internos ou o teor alcóolico do observado.
Este tipo de olhar, melhor seria chamar de averiguação, ocorre a todo momento mas há algumas situações clássicas. A primeira visita de uma nova nora em potencial. O filho traz seu amorzinho para ser conhecido pela mãezinha. É inevitável, não há como fugir. Se a mãezinha for viúva então ele é aplicado duas vezes com consequências imprevisíveis. Todos as características e peculiaridades são detalhadamente analisadas e anotadas entre um "que bom que você veio querida" e outro. Após, na primeira oportunidade, faz um relatório minucioso para o filho ingênuo e desavisado. Este relatório sempre inicia com um "Adorei", seguindo com um "mas" ou "só que" com todas as observações feitas, incluindo mesmo considerações sobre a necessidade de extração de cisos e possíveis desvios de conduta indicados pela forma com que depila a sobrancelha.
Mutatis mutantis, imagine o primeiro encontro do novo namorado da irmã caçula de três irmãos com cinco ou mais anos de diferença. Nem precisa tanto, basta o irmão mais velho ser apresentado ao namorado da maninha querida. Daniel que me desminta se tiver coragem.
Entre atrasado em uma reunião e observe o silêncio. Aqueles segundos que parecem horas são suficientes para um olhar de cabo a rabo. Você certamente não terá dificuldade em identificar muitas outras situações em que o olhar de cabo a rabo é adotado. Há casos em que a fixação do olhar mais que fritar, chega a provocar chamas quando o observador se fixa em um ponto especial por muito tempo. Isto tem gerado muitos inconvenientes à s brigadas contra incêndio nos prédios de maior porte.
Mas o emprego do olhar de cabo a rabo não se esgota nas questões interpessoais. As forças armadas estão estudando sua aplicação no combate ao tráfico de drogas e há informes de uso com sucesso no resgate de pessoas perdidas em avalanches de neve. De todas as situações, a pior é quando dois olhares de cabo a rabo se cruzam. Há uma disputa que pode durar horas até que um se dê por vencido e desvie o olhar. Esta situação está gerando polêmicas. Há quem queira transformar em esporte olímpico e há quem queira exigir porte de arma.
Na càmara federal há projetos de lei em ambos os sentidos mas, considerando o olhar dos relatores, penso que não devam prosperar.
