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Ensaios-->ATARANTADA - livro de poesia de Noélia Ribeiro -- 31/10/2011 - 23:17 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O BOM NÍVEL LITERÁRIO E POÉTICO DE 'ATARANTADA' DE NOÉLIA RIBEIRO

João Ferreira
Brasília, 31 de outubro de 2011

'Atarantada' é um livro de poemas da autoria de Noélia Ribeiro editado em Brasília pela Editora Verbis em 2009. Pernambucana de origem Noélia Ribeiro, está hoje radicada na capital federal.
Veio para Brasília na década de 70, é formada em Literatura pelo Departamento de Teoria Literária e Literatura da Universidade de Brasília e trabalha como taquígrafa na Câmara dos Deputados. Sua produção poética passou a fazer parte da literatura brasiliense e candanga. Além de 'Atarantada' devem contar-se como peças importantes em sua produção literária a participação em duas coletâneas poéticas: 'Salada mista', em 1979, na companhia de Sóter e Paulo Tovar, e 'Talento brasileiro em prosa e verso', lançado pela editora Rebra em 2008.

CAPA
A capa é muito sugestiva. Colorida e ousada destaca-se pelo simbolismo de uma imagem protagonizando uma perna feminina, bem saliente, com o pé no acelerador, frente ao volante e ao painel de direção de um carro.
Após a leitura do livro o leitor é tentado a ver nesta imagem da capa a similitude do carro com o coração. Num carro, e similarmente nos movimentos do coração, você tanto pode correr riscos e emoções fortes se buscar movimentos ousados ou acelerar perigosamente como pode viver suas emoções com tranqüilidade se souber maneirar e controlar as oportunidades da pista ou do coração que é o palco de todos os movimentos.

ATARANTADA

É interessante a imagem de “atarantada” que a autora escolheu para título de seu livro. Além de interessante é adequada por ser um símbolo aproximado do estado de alma vivido pelo amante, pelo apaixonado e pelo simples mortal sujeito a afeições, a sentimentos e a relações amorosas. Atarantada é uma expressão apta para entendermos, a psique da menina poeta que resolve falar corajosamente e com muita espontaneidade do coração, de suas emoções e paixões de amor. Por outro lado, é também claro que esta menina atarantada consegue ultrapassar-se a si mesma nas surpresas vivenciais da vida. A poetisa descobre que a perplexidade e o atarantamento são estados reais da vivência amorosa em suas surpresas e conquistas. No livro, o sujeito lírico da menina poeta mostra que a personagem é simples, atenta, espontânea, amorosa e envolvida por incessantes tempestades armadas pelo coração. Essa menina-mulher navega e enfrenta a viagem como marinheira de primeira, segunda e terceira viagem em meio às tempestades do oceano que a encanta e por vezes a ameaça. Mas segue firme com uma personalidade inconfundível. O eu poético de Noélia, representa o ser humano em toda a sua complexidade de razão, de emoção e de paixão. Especificamente na posição de atarantamento. É este um modo sutil e simpático de mostrar os comportamentos humanos do amor como estados precários e provisórios em tempos e lugares. Noélia, a menina poeta de Atarantada assume a atitude filosófica justa de uma poetisa que termina por ser antes de tudo uma usuária da palavra e deseja que esta seja adequada à expressão de seus estados de alma. É comum verificar que o poeta ao ter de usar, selecionar e manipular a palavra, nem sempre está tão certo e seguro do que melhor representa o sentimento, a situação, o desejo, a vontade, o amor, a entrega, a dor, a dúvida e outros estados de alma. Mas é precisamente aí que está o segredo de seu ofício. Ele ou ela buscam a palavra e a expressão que mais se ajusta na hora em que a vivência a ser expressa entra na órbita da composição. Há a limitação, sem dúvida. Sim, porque por mais que o poeta tente racionalizar os sentimentos sempre eles o deixam numa posição de fragilidade expressiva. Mais rico do que a palavra é sem dúvida o estado de alma, o desejo, o amor, a situação. Mas eles existem no estado de vivências. Ao poeta cabe transpor esses estados em expressão falada ou escrita. É aqui que aparece o estado de atarantamento, que é por vezes a voz do “pudor indeciso”(pág. 55). Nesse estado de aproximação, seja de situação, seja de libido ou de aproximação entre amantes, o sujeito amoroso passa de fato por situações de atarantamento. Isso acontece ou pela surpresa com que as coisas acontecem, ou pela emoção forte que em certas ocasiões surge inesperadamente. Avaliando situações novas ou simplesmente apaixonantes, podemos entender a fenomenologia dos caminhos do amor. Nesses caminhos a experiência do atarantamento. Nem sempre as coisas são tão serenas e tão disciplinadas. Há situações que obnubilam a mente. Há aproximações que geram impaciência, ansiedade, vontade imediata. Nesse momento, o amador desejaria correr à frente dos fatos, se fosse possível. Mas nem sempre acontece. Por isso, o atarantamento e a perplexidade tornam-se realidades quotidianas. Há atarantamento em inéditas situações que acontecem. E aí surge a atrapalhação, o aturdimento pela surpresa, o espanto, a comoção. Uma bela situação que mostra a realidade da atarantada. O sujeito do livro de Noélia seria mais ou menos esta psique da atarantada, da aturdida, da surpreendida, da perturbada, daquela que mete os pés pelas mãos que nem barata ou “tarântula tonta”. Diria, em termos mais aproximados que a alma emocionada, comovida, apaixonada e sempre atenta aos movimentos do coração é esta pessoa realmente “atarantada”. Um fenômeno psíquico bem apreendido, bem escrito e descrito pela poetisa Noélia Ribeiro neste livro que comentamos.

A POESIA DE NOÉLIA RIBEIRO

Lendo e analisando textos poéticos do livro, achamos que o poema Atarantada é, em princípio, um marco-símbolo do dizer poético de Noélia. Atarantamento ou atarantação seria o estado de espírito, a emoção perplexa, misturada de ansiedade que experimenta a mulher na iminência de entrar no jogo do amor. Noélia mostra com arte o estado desta mulher que diante do homem que irá amar desvia o olhar olhando o teto, não sabe o que fazer ou dizer. Esta mulher atarantada já está em ato de amor porque está emocionada e já está amando aquele homem que teve a força de a excitar e paralisar, ainda quando confusamente ela se encontra em estado de hesitação. O poema de Noélia mostra o grau de amor, a intensidade amorosa, o fortíssimo envolvimento amoroso de uma mulher no momento em que ainda não sabe como o ato de amor vai se desdobrar. É o estado emocional de uma mulher quando encontra um certo tipo de homem capaz de provocar nela este estado de perturbação e atarantamento, coincidente com seu desejo ou fantasia. Esta perturbação será capaz de gerar novas emoções pela novidade da situação e que poderá concorrer para desencadear um sentimento de novo que está acontecendo gerando e desenvolvendo entrega para a vida e para a morte.

ESTADOS SENTIMENTAIS DA POESIA

O livro de Noélia desenha uma geografia variada dos sentimentos de amor. Desde o estado pré-amoroso que leva ao atarantamento e depois à entrega e ao prazer, as situações poetizadas são ricas num plano humano e poético ao mesmo tempo. O coração ocupa insistentemente os melhores espaços em Orfandade, em In(l)ibido, Transa indígena, Calendário, Desilusões. Há conceitos místicos e psicologia e sentido de observação em Carne Viva (A carne é repetente/ escuta a lição e não aprende/ sabe somente de inquietação”(14).
O sentimento do medo ocupa um espaço importante no livro e é prova de que a consciência poética sente a precariedade da vida, o ir e vir das coisas, o receio “de ficar assim sem sentido sem atrativos[...]de costas sem percepção[...] sem conforto sem poesia imutável[...] medo de morrer assim com medo sem tempo de aceitar a velhice”(28). É inquestionavelmente forte este sentimento, como se depreende do verso:“Odeio todo o medo que tenho de mim”(29). Presente o medo amoroso em Inesperado(32) e Veleidades :“Permanecemos a sós naquele quarto, pequeno para meus voos, grande para meus medos”(55).Indiretamente parece adivinhar-se na lascívia confraternizada, desinibida, solta e natural o remédio para o medo (31): “Assim ficamos os dois: argutos, quase ilícitos, em cima do muro ou caindo de quatro n’água-viva, lascívia à uma e meia noves fora nada de medo, baby, puro prazer”(Lascívia, 31).
Pelos belos poemas de Noélia se estende - como tônica que entusiasma a leitura-, a sinceridade, a abertura, a espontaneidade, a simplicidade e a ternura. A arte poética da menina poeta mostra que o coração despeja seus sentimentos, relata suas aventuras, revela seus desejos e suas paixões e confidencia seus amores. A poetisa verbaliza com toda a franqueza e abertura como se estivesse recontando sua estória no divã do psicólogo.É um belo filme de uma libriana, que nos céus de Brasília irrompe como brilhante e feminino sol que embeleza o talento poético candango.
Esta poesia é a voz de uma menina sempre acompanhada da voz de uma mulher experiente que sabe falar com elevação e arte do prazer, do sexo, dos envolvimentos, das atrações, do corpo, do jogo erótico e do amor. Consegue fazê-lo sem forçar a gramática, nem o léxico. Sem hipocrisia. A poesia é espontânea: “Nossas brincadeiras tornaram-se picantes[...] 31. “Hoje não recebi flores nem declarações de amor mas foi o dia mais feliz da minha vida” 33. “Fiquemos a sós a confrontar nosso dilema do querer e do poder[...] fiquemos sem voz sem nós na garganta na qual se encaixam teu sexo e o meu”(34). “Desejo escondido não tarda, aparece, aí nem com reza forte arrefece”(37).
No meio de uma poesia que nasce e se desenvolve entre situações e fortes emoções amorosas, em “Triste oração”, Noélia também encontra um espaço para invocar a razão e a lucidez :”Mãe de todos os mortais nada posso pedir porém ouso implorar: dai-me apenas um momento de lucidez. Contende o ímpeto natural do desejo vestindo-o de razão mesmo que pouca. Transformai a devassidão destes tempos sem lei em alegre calmaria para que a vida siga estóica pudica plena de inércia e poesia”(36).
A linguagem poética de aberta sinceridade está patente no sonho que é parte essencial desta poesia. O sonho em geral e o sonho erótico em especial. O poema “Posição de Vênus” é a linguagem de um sonho erótico de “Vênus em escorpião”. Um sonho anímico que também é fisiológico, aberto e franco, capaz de ser sonhado até nas salas de espera dos consultórios médicos, nas ruas e nos espaços livres. Os sonhos na verdade fazem parte da gênese dos desejos: “Hoje quase vinte anos depois quase lhe falei que meu desejo é quase o mesmo: ardente, sempre!”(47).
A poesia de Noélia é construída em cima de uma grande realidade que é o coração humano que domina sentimentos, emoções e relações entre pessoas. Ela tem o mérito de ter simplificado a linguagem da poética temática da vida.Sabe falar da dor, dos amores reais e marcantes da biografia da personagem. O poema Atemporal (70) é um poema acabado e um texto de seleção.
Outra característica importante é a maneira de encarar positivamente e sem hipocrisia diante de nossa sociedade puritana e hipócrita a realidade do corpo (Poema “Sim por telefone”, 39) A leitura do desconhecido e do ausente são características desta poesia também: “Tem som de voz que molha roçar de braços em ônibus sorriso de desconhecido na rua”(73).
O tom ambivalente da vida se sente presente: o ser humano está colocado entre o nascer e o morrer, entre o prazer e a dor, entre a dúvida e a certeza, entre o medo e a coragem, entre a ilusão e a desilusão, entre a dureza e a ternura.
A solidão também é tema desta poesia: “Veio em boa hora o aperto de mão interrompendo o desfile do Bloco da Solidão”(50).

ENCONTRO COM O CORAÇÃO

Depois da leitura atenta e detalhada deste interessante livro de poemas da autoria de Noélia Ribeiro poderemos ser tentados a encontrar uma síntese que possa representar num título só toda a temática recortada detalhadamente nos diversos poemas.
Parece uma tarefa difícil, até porque nunca conseguimos reconstituir através de uma parte do corpo todo o corpo. Mesmo assim, eu ousaria chamar a este livro um encontro com o coração.
Mas há outros ângulos de avaliação. Posso ler o livro tirando a conclusão final de que ele me mostrou em discursos vividos a alta temperatura e as variações dos caminhos do amor.
Posso vê-lo como um livro onde se apalpa e se sente o sol, as chuvas e as monções do amor.
Posso interpretá-lo também com um roteiro de viagens terrestres e celestes na busca do amor.
Posso defini-lo ainda como um texto onde o desejo de amor, a celebração e a festa do amor, o deslumbramento,o prazer, o vazio, a dor e a solidão comandam todo o processo do existir humano.
Posso defini-lo e interpretá-lo como a escrita poética da epopéia do amor e de suas vicissitudes.
Como um Hino à vida.
Como o livro de uma jovem poetisa brasiliense que conseguiu dizer com a maior espontaneidade e nível literário o que o coração primaveril de uma menina é capaz de guardar e dizer para toda a gente com a verdade humana que ela tem no mais íntimo de seu ser.

João Ferreira
Brasília, 31 de outubro de 2011
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