Não corre o risco de perder a fama
Quem nunca teve fama p’ra perder.
Eis que um verso mais simples bem proclama,
Na hora certa de cumprir dever,
Pois, se Jesus a toda a gente ama,
Também confirma desse amor poder,
Dizendo que o maior dos mandamentos
É dar amor ao Pai, sem mais tormentos.
E como diz Jesus coisa tão santa:
Ao escrever um texto de poesia?
Um tal pensar a mim muito me encanta,
Mas esse mandamento não diria
Em verso, que o leitor amigo espanta,
Mas, firme, disse a todos, cada dia,
A ponto de o Evangelho repetir,
Para que saibam todos no porvir.
Eu mesmo me esqueci, durante a vida,
De dar valor a ensino tão sublime
E trouxe, para o etéreo, arrependida
A alma, envolta em tão horrendo crime,
Querendo demonstrar, por esta lida,
Que amor supera o mal e nos redime,
Dês que o trabalho pelo nosso irmão
Faça crescer o bem no coração.
E quanto às rimas, a quem devo tudo?
Aos companheiros destas oficinas.
Quando cheguei aqui, muito papudo,
Queria fazer artes, sem doutrinas.
Fizeram-me entender estar sanhudo,
Julgando descontar as feias sinas,
Para dizer que é linda esta minh’alma,
Pois era de rigor levar a palma...
Um dia, eu compreendi tanto egoísmo,
Esperto p’ras grossuras da intenção,
Recuperado a tempo desse abismo,
Por ler alguns versinhos de um irmão
Que só pensava em si, sem altruísmo,
Deixando que eu pusesse o meu refrão.
Caí nessa armadilha direitinho,
Perturbação de amor e de carinho.
Depois que concluí a falsa rima,
Fizeram com que lesse a estrofe inteira.
Achei que conseguira grande estima
Na trova que, hoje sei, só tem asneira.
O mestre reuniu a turma acima
E me pediu p’ra ler: — “O quanto queira,
Que ouviremos os versos sempre assim,
Música divinal de serafim...”
Cheguei a repetir por várias vezes,
Enaltecendo os versos lá do fim,
Até que achei os outros mui soezes,
Comparando os compostos só por mim.
Senti eflúvios tristes, vis, burgueses,
De quem a seu irmão só deu capim.
Parei de declamar, envolto em pranto,
Querendo desfazer o nobre encanto.
A turma me acudiu com bela prece,
Agradecendo ao Pai a rejeição
Dos versos em que o “ego” se engrandece,
Pensando ter nas mãos a perfeição,
Enquanto aos outros nada se oferece,
Para iniciar no bem a reação.
Que se repita em “-ão” a pobre rima,
Se for p’ra que o irmão o mal reprima.
Modestamente, a prosa se oferece
Em temas sem grandezas de atitude,
Mas a poesia um dom sempre carece:
O de provar, no verso, tal virtude
Que faça que o leitor logo se apresse
A refletir no mal que mais ilude,
Eliminando d’alma o que lhe induz
A pôr na estrada o peso desta cruz.
Se eu conseguisse dar um verso honesto,
Para que o meu leitor ponha estribilho,
Precisaria ser muito modesto,
Deixando para ele o nobre brilho,
Mas, quando estou aqui, eu desembesto,
A ponderar que o “ego” é o empecilho,
E faço este refrão sem graça e perro,
Com medo de que a rima tenha erro.
Vou encerrar o dia, alegremente,
Que o verso tem modéstia como tema.
Assim, posso pensar que a minha mente
Já resolveu o velho e mau problema,
Porque tanto temor já não mais sente
De aqui se expor com péssimo poema,
Que o resultado não está na rima,
Mas no bom coração que inda me estima.
Eu saio agradecido, usando a trena
Com que calculo os metros do meu verso.;
E vou deixando, pois, a doce cena,
Para que um outro venha, incontroverso,
Mostrar as trovas de dourada pena,
Em luzes evangélicas imerso,
Orando que o amigo colha os frutos
Dos temas dos amores incorrutos.
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