ANDAR POR ENTRE A GENTE
A primeira condição é o desapego. Abandonar amigos, família, amantes, amores. Nem sempre de um modo literal, físico, ou ainda consciente, mas o suficiente para garantir a distancia necessária para se viver sem eles. “É solitário andar por entre a gente”, mas nós andamos. Solitários, depressivos ou insanos, todos nós, escritores, compartilhamos a arte da contemplação.E é assim porque um escritor precisa de dois mundos. Um para observar, e sobre o qual escreverá, e outro para viver enquanto escreve sobre o primeiro.
Cofres com binóculos, microscópios, lupas, papel e caneta, ou teclado… estamos todos trancamos dentro de nós mesmos, num mergulho que nem sempre tem volta. E eu tenho tanto medo de um dia não voltar. Tenho medo de um dia ir morar nos meus contos, me perder nas histórias que escrevo e não voltar para escrever a minha própria história.
Mas daí eu lembro que há tanto para se visto, tanto que não se vê, tanto que sequer se quer ver… Morrer é uma opção, mas não é a melhor vingança. É preciso tomar uma decisão. E eu tomei. Escolhi transpor as cercas, as fronteiras, os muros, as portarias de acesso a essa fábrica de loucos que é o mundo.
Ahhh, liberdade poética! Tu és presente dos Deuses (que nunca existiram). E graças a ti pude escolher uma vida com começo e fim, uma vida sem meio; sem plano B, sem backup, sem seguro. Apenas uma vida, uma chance, um caminho.
Escrever é a única coisa que me mantém viva nesse mundo sobre o qual escrevo.
Escrever é a única maneira de transformar meus demônios em servos.
É por isso que todos os dias me forço a mergulhar.
E o final de cada texto meu traz consigo um alívio indescritível. |