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Ensaios-->O NOVO JOSÉ SARAMAGO:LITERATURA VIRTUAL -- 28/07/2009 - 14:39 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O NOVO JOSÉ SARAMAGO: LITERATURA VIRTUAL, BLOG, DIÁRIO, CRÔNICA E CONTEMPORANEIDADE

João Ferreira
28 de julho de 2009

Nunca foi um problema para José Saramago, Prêmio Nobel de Literatura em 1998, escrever e criar espaços para a escrita. Mesmo quando o ofício o leva a romper as fronteiras rígidas dos gêneros. Saramago é um escritor inventivo e contemporâneo, sabemo-lo todos. Tem a capacidade de ir buscar um fiozinho de história ou um fato aparentemente insignificante e transformá-los em notável relato ou em grande narrativa. A narratividade é seu dom, sua grandeza. Nunca é demais destacar isso.
O elenco de seus escritos continua a crescer. Desta vez, aparece com uma novidade “sui generis”. A novidade é o seu novo livro “O Caderno”, lançado recentemente pela Companhia das Letras, São Paulo, neste ano de 2009.
A origem deste escrito está explicada na ante-sala do texto principal, antes do índice. Saramago relata que em 1993, na altura em que se instalou em Lanzarote, seus cunhados Maria e Javier lhe deram um caderno para que registrasse suas crônicas canárias. Segundo Saramago, nada escreveu no caderno mas a idéia resultou nos cadernos de Lanzarote. Agora, em tempos de internet, Pilar, Sérgio e Javier que se ocupam de seu blog reservaram para ele um espaço destinado à colaboração virtual. Poderia escrever o que entendesse: comentários, reflexões, simples opiniões ou o que fosse. A coisa funcionou. A prova está em “O Caderno”. E diga-se, de passagem, foi uma idéia ótima. A matéria do livro está agrupada cronologicamente por meses e vai de setembro de 2008 a março de 2009. Como poderíamos caracterizar este tipo de livro? Há uma primeira resposta: é matéria de blog. Portanto, literatura virtual, na origem. Mas é mais do que isso. Desviscerada do blog, a matéria escrita toda se liberta e forma um conjunto muito agradável e vira literatura impressa oferecida a todo o tipo de leitor e por isso supera a fronteira da internet. A qualidade da escrita é aquela que costumam oferecer os textos de Saramago. Especificamente, parece que este livro traz até nós um Saramago mais quotidiano, mais acessível. É menos denso, mais solto, mais natural. Talvez porque tem pontos de partida que são do dia a dia, tipicamente jornalísticos, mas também por nos dar avaliações e pequenos flashs colhidos na crônica internacional. São comentários e reflexões referentes ao mundo político contemporâneo e a figuras da literatura e da arte. São flashs soltos, mas maneirinhos e bons de ler. São flashs que encerram comentários, reflexões e opiniões. Tão amplos e tão atuais que incluem até a atual crise econômica mundial. Tudo o que se passa em “O Caderno” é escrito na base da palavra artística e crítica. A palavra é o motor, o combustível. A Saramago pertence a combinação, o jogo, a construção, a busca de sentido. No palco desenham-se cenas, as mais diversas. No palco literário aparecem as figuras de Fernando Pessoa, Angel González, Carlos Fuentes, Eduardo Lourenço, Borges, Jorge Amado, Chico Buarque, Federico Mayor. No palco político há duas páginas e meia dedicadas a Barack Obama, saudado no dia de sua posse como a encarnação de um sonho e deuma nova fé política na condução dos destinos do mundo. Na sátira, em que Saramago é exímio, o discurso não poupa George Bush caracterizado como personagem “famoso pela sua abissal ignorância”, como “paranóico contumaz”, como “inteligência medíocre”, e como “um homem que se apresentou à humanidade com a pose grotesca de um cowboy que tivesse herdado o mundo e o confundisse com uma manada de gado”. A ironia política cobre também as figuras de Berlusconi, de Aznar e Sarkozy e, de certa maneira, de Hillary Clinton, ou, melhor dito, de Hillary Rodham, seu verdadeiro nome de família. Em reflexões de política de profunda visão humanista, fala de uma economia do desenvolvimento. “O Caderno” traz ainda sínteses dos grandes debates que despontam no seio da história da humanidade. Entre eles, se destaca o que opõe islamismo e cristianismo. No possível apaziguamento das centenárias confrontações das duas ideologias Saramago lembra e sugere o recurso a uma aliança das civilizações planetárias. Esta aliança que poderia abranger muçulmanismo, cristianismo e outras ideologias religiosas poderia ser a provável chave para diminuir as tensões mundiais. Muito fino e frontal é seu comentário sobre “Deus e Ratzinger”, onde Saramago analisa a crise da igreja católica em sua estrutura e esforço de sobrevivência. Falando de Lisboa, ergue um hino à “magnífica mestiçagem não apenas de sangue mas de culturas que fundou Portugal e o fez durar até hoje”.
Devidamente atualizado e sensível aos problemas de fundo internacional Saramago não deixa de causticar a política israelense em relação ao povo palestino. Numa reflexão que me chamou a atenção, no texto “palavras” Saramago entra a discutir qual a virtude prioritária , numa hierarquia onde entrasse bondade, a justiça e caridade. Saramago diz que “se a mim me mandassem dispor por ordem de precedência a caridade, a justiça e a bondade, daria o primeiro lugar à bondade, o segundo à justiça e o terceiro à caridade. Porque a bondade por si só, já dispensa a justiça e a caridade, porque a justiça justa já contém em si a caridade suficiente. A caridade é o que resta quando não há bondade nem justiça”. Este apego às virtudes que regem a harmonia social leva Saramago a dar um bom espaço à ação do juiz espanhol Baltasar Garzón, conhecido pela sua intransigente defesa dos direitos humanos. Para ser completo em seu circuito literário, Saramago abre espaço para o jogo do próprio intertexto. É no fragmento “Salomão regressa Belém”. Refere-se a uma roda literária organizada por Antonio Mega Ferreira e Manuel Maria Carrilho no dia 3 de dezembro de 2008 para que Saramago respondesse a perguntas sobre o livro “A viagem do Elefante”. Dia 4, Saramago anunciava (registra isso em “O Caderno”) que a cabeça dele anda às voltas com novo livro.
Enfim, para finalizar, diríamos que “O Caderno” é um livro agradável para se ler, moderno, contemporâneo, solto, crítico, literário, político, bloguista... Em sua intencionalidade original, é literatura virtual. Mas é justo também que o saudemos como um livro real, impresso, disponível para os olhos e para a mente de todo o leitor que fica atento aos problemas contemporâneos. É um livro onde a própria pontuação saramaguiana, tão complicada e codificada em outros livros, voltou de cara natural ao mundo real dos homens da comunidade de língua portuguesa. Os seus leitores quer sejam literários quer sejam leitores comuns lhe agradecem e o parabenizam pela novidade.Uma novidade agradável que mistura crônica, comentário, apreciação, reflexão, diário.
Dia 28 de julho de 2009
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