Usina de Letras
Usina de Letras
17 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50669)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Artigos-->O ANONIMATO E O ALEATÓRIO -- 16/02/2013 - 16:18 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


 



O ANONIMATO E O ALEATÓRIO



 



L. C. Vinholes



 



Quando em novembro de 2012 estive na Casa das Rosas, em São Paulo, tive acesso à publicação Martius Staden-Jahrbuch, volume de 2012 n º 59, do Instituto Martius Staden_edn1" name="_ednref1" title="">[i], onde encontrei entrevista dada por Augusto de Campos, páginas 109 a 118, sob o título “A poesia é um atrator estranho ou caos vocabular das ideias”. Perguntas pertinentes e respostas densas, como soem ser os textos produzidos pelos criadores do Grupo Noigandres_edn2" name="_ednref2" title="">[ii].



 



A oitava pergunta aborda “o anonimato da produção artística” e está formulada nos seguintes termos:



 



O ideal de objetividade e racionalidade poéticas aparece emblematicamente nas seguintes formulações de Décio Pignatari: ‘Um operário que trabalha uma peça ao tomo não escreve nela o seu nome ou a sua revolta [...]. O operário quer um poema racional, que lhe ensine a agir e pensar como a máquina lhe ensina’. Agora, os concretistas nunca deixaram de assinar as suas obras, não abriram mão do valor da autoria pessoal, da obra autoral. O anonimato da produção artística parece que nunca entrou seriamente como diretriz programática no vanguardismo da prática concretista. No entanto, não seria, teoricamente, um desiderato apenas consequente, para conseguir a plena autonomia do objeto poético, livrá-lo - depois da sua liberação da função expressiva/referencial, da função do livro, ao verso e à sintaxe discursiva - também da marca externa de sua origem?



 



A resposta de Augusto não só é esclarecedora para, certamente, satisfazer ao seu interlocutor, mas, na sua finalização, faz referência a um diálogo entre Nam June Paik_edn3" name="_ednref3" title="">[iii] e o compositor estadunidense John Cage_edn4" name="_ednref4" title="">[iv] que, muito, me chamou a atenção:



 



Acho que esse ideal se patenteou na elementarização da linguagem poética. Houve um momento - entre 1956 e os primeiros anos de 1960 - em que a nossa poética, juntamente com a de Gomringer e de alguns poetas ligados ao grupo, se tornou extremamente próxima, afirmada num radical minimalismo vocabular, objetivando zerar a quilometragem discursiva e recomeçar. Nesse sentido, não só a variedade, mas a autoria foram relativizados. No álbum NOIGANDRES 4 (1958), os poemas eram apresentados em cartazes soltos, que poderiam mudar de lugar, e os nomes dos autores só apreciam discretamente, minimizados, no índice. Era um gesto simbólico. Não se abria mão da autoria pessoal - questão de responsabilidade - mas se diminuía a sua enfatização. Não creio que o anonimato serviria a qualquer propósito. Mesmo John Cage, com todo o seu combate ao ego, teve que assumir a sua identidade. Não só ele deu nome e/ou número à todas as suas composições, como teve que admitir a gravação unilateral e pré-fixada de suas obras indeterminadas. Conta o compositor que Nam June Paik lhe disse certa vez: “Por que não destruir todas as fitas e partituras antes de morrer e deixar apenas uma linha: Aqui viveu um homem chamado John Cage?” Resposta de Cage: “dramático demais”.



 



 



Quando criei as Instruções 61 e 62_edn5" name="_ednref5" title="">[v], um dos objetivos principais foi abrir “mão da autoria pessoal” e superar o conceito das três figuras tradicionais presentes na concepção, execução e apreciação da obra musical: o compositor, o intérprete e o público. Reduzindo, minimalizando o material sonoro e as exigências para cada um destes três atores e, ainda, confiando na capacidade individual dos não-artistas e, no caso, dos não-músicos de serem envolvidos nos processo de criatividade, concebi uma bula de orientação para ser utilizada sem as exigência peculiares às figuras acima mencionadas: o compositor, detentor do conhecimento específico adquirido intuitiva ou racionalmente, depois de anos de  prática ou de estudo de linguagens e formulas pré-estabelecidas; o intérprete, executante de instrumento musical, gabaritado a ler e reproduzir o que está fixado em partitura, nem sempre de mesmo aspecto gráfico, dotado de técnica que permite aperfeiçoamento de uso de instrumento, seja de cordas, de sopro ou de percussão; e o público, representado no manipulador dos cartões, não necessariamente detentor de conhecimentos mais ou menos específicos com relação à música. O uso dos cartões das Instruções, com sinais gráficos, notação simples e objetiva, sem condicionantes, faz do trio compositor-instrumentista-público uma figura única igualmente capaz para as três tarefas, aqui amalgamadas em uma só, que não é nenhuma das três citadas, mas que é igualmente capacitada para desempenhar o papel de fazedores de música. A música surge da atividade coletiva do criador dos parâmetros - as instruções -, e de quem os utiliza, seja como instrumentista - e não intérprete -, ou como colaborador_edn6" name="_ednref6" title="">[vi] - o manipulador dos cartões -, um do público que na figura deste um se faz coletivo e efetivamente presente.



 



Gilberto Mendes, compositor santista, que em novembro de 2012 completou 90 anos de idade, foi o maior patrocinador dos meus trabalhos no Brasil incluindo-os nos programas dos Festivais Música Nova de Santos, alguns deles em primeira audição no Brasil. Seus comentários sobre minhas obras e meus posicionamentos coincidem enormemente com o que sempre pensei.



           



Em 30.06.1976, no jornal A Tribuna, de Santos, ele escreveu algo que gostaria de aqui registrar, não só porque admiro sua vasta e plural criação musical, mas também porque prezo a opinião de Gilberto Mendes sobre música. Comentando o repertório de um dos concertos do festival daquele ano referiu-se à minha Instrução 61 para quatro instrumentos quaisquer escrevendo:



           



“Esta última obra é histórica, pois se trata da primeira obra aleatória por um compositor brasileiro”.



           



E logo em seguida:



           



“Vinholes sempre foi um solitário indiferente às modas, às ondas nacionalistas - atualmente parece que estamos entrando numa razão por que sempre se manteve na sua, cuidando do desenvolvimento de sua linguagem, sua pesquisa. É um herdeiro espiritual do pensamento musical de Anton Webern, o grande mestre da Escola de Viena. Trabalha sua música com uma bem pensada economia de meios. E trabalha pouco, só quando reconhece que vale a pena comunica o que concebeu. Tal como Webern. Por isso já o chamei de compositor bissexto”.



 



Mas na entrevista de fevereiro de 2012 que o compositor santista deu à Dra. Lilia de Oliveira Rosa, autora da tese sobre meus trabalhos_edn7" name="_ednref7" title="">[vii], é que está a análise e a conclusão mais séria e contundente que conheço, totalmente em sintonia com minha concepção sobre aleatoriedade em música e a consequente viabilidade do anonimato na criação de um produto musical e “a plena autonomia do objeto” musical:



 



“Sou Gilberto Mendes, compositor, e gostaria de falar da importância do compositor e amigo, grande amigo, Vinholes, no panorama da música brasileira. É um compositor que tem levado um tipo de vida mais solitária, até certo modo, por seus interesses muito particulares, foi levado até ao Japão e se isolado do Brasil, mas a gente não deve se esquecer que ele foi o primeiro a fazer no Brasil música aleatória. A peça dele, Instrução 61, sem dúvida, é a primeira obra aleatória da história da música brasileira, além de que é um projeto muito original. Ele poderia ter caído na imitação dos processos aleatórios europeus, como encontramos no Stockhausen, no Henry Pousser, que na verdade compunham música mesmo, que dividiam em quadrinhos, em vários sistemas, assim, tipo de organização que possibilitava uma execução daquilo, aleatória do ponto de vista das partes que iam ser tocadas, mas o Vinholes foi muito além disto, ele fez  uma música sem nenhuma música na verdade, a música nasce naquele processo. As músicas europeias eram músicas combinadas aleatoriamente, divididas aleatoriamente, a música do Vinholes não existe, é realmente um processo que vai gerar a música”._edn8" name="_ednref8" title="">[viii]



 



O resultado sonoro obtido com o uso, por exemplo, da Instrução 61, para quatro instrumentos quaisquer, não é obra ou peça resultante da atividade de um autor/compositor, a não ser que se considere como coautores o triunvirato corresponsável pela sua obtenção: o proponente - aquele que cria os parâmetros para a instrução que deve orientar a forma de obtenção do resultado sonoro; o instrumentista que, diferentemente do intérprete, realiza o que lhe é pedido pelos parâmetros da instrução utilizada, criada pelo proponente; e o colaborador, figura nova que tem como papel manipular os sinais gráficos ou outros meios definidos nas instruções para apresentá-los ao instrumentista. Por outro lado, como o resultado sonoro, obtido pelo uso das instruções, é único e impossível de ser repetido, é algo que nem exige e nem justifica ser considerado obra de um autor. Como não se pode atribuir qual parte do resultado sonoro é devida a um dos três atores que o produziram, não se pode parcelar as contribuições e responsabilidades.



 



A aleatoriedade a que se refere Gilberto Mendes com relação a certas obras de Stockhausen e Pousser “que na verdade compunham música mesmo, que dividiam em quadrinhos, em vários sistemas, assim, tipo de organização que possibilitava uma execução daquilo, aleatória do ponto de vista das partes que iam ser tocadas”, é exatamente o que fiz nas minhas Tempo-Espaço XIII_edn9" name="_ednref9" title="">[ix] e Tempo-Espaço XV_edn10" name="_ednref10" title="">[x], de 1978, escritas com os princípios técnicos que apresentei em 1956 e que de forma alguma podem ser consideradas obras aleatórias. Nestas obras, os intérpretes, embora tenham relativa autonomia, na realidade passeiam por “quadrinhos” pré-determinados de estruturas rígidas.



 



Visando manter coerência na elaboração dos parâmetros das Instruções 61 e 62 sempre levei em consideração que liberdade se tem em plenitude ou não é liberdade e que o novo ou é novo ou é meia verdade_edn11" name="_ednref11" title="">[xi], corolários que me distanciaram de outras conceituações vigentes nas primeiras décadas da segunda metade do século XX.



 



As Instruções 61 e 62 e seus parâmetros são fontes inesgotáveis de resultados sonoros de caráter aleatório.




 






_ednref1" name="_edn1" title="">[i] Localizado na Unidade III do Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo, e mantido pela Fundação Visconde de Porto Seguro.





_ednref2" name="_edn2" title="">[ii] Grupo de poetas de São Paulo: Augusto de Campos, Haroldo de Campos (1929-2003) e Décio Pignatari (1927-2012).





_ednref3" name="_edn3" title="">[iii] Artista coreano (1932-2006), precursor da vídeo-arte, estudou música nas universidades de Tóquio e Munique onde, nesta última, conheceu e trabalhou com Karlheinz Stockhausen e John Cage. http://pt.wikipedia.org/wiki/Nam_June_Paik. Acesso em: 29.11.2012.





_ednref4" name="_edn4" title="">[iv] Compositor estadunidense (1912-1992).





_ednref5" name="_edn5" title="">[v] Instrução 61 (1961) para quatro instrumentos quaisquer e Instrução 62 (1962) para instrumento de teclado, publicadas em Tóquio pela revista Design, nº37 (setembro 1962).





_ednref6" name="_edn6" title="">[vi] Expressão cunhada pelo pianista Paulo Affonso de Moura Ferreira (1940-1999), ex-diretor do Departamento de Música da Universidade de Brasília, quando pela primeira vez no Brasil, na Sala Martins Pena do Teatro Nacional, em Brasília, em 30.03.1976 utilizou a Instrução 62, tendo como colaboradora a flautista Ingrid Madson.





_ednref7" name="_edn7" title="">[vii] Disponível em:http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=000790210





_ednref8" name="_edn8" title="">[viii] Entrevista disponível em vídeo em: http://www.lcvinholes.com.br.





_ednref9" name="_edn9" title="">[ix] Para flauta ou oboé ou clarineta, com subtítulo: Os Quatro Lados das Mil Faces de Janet. Homenagem a Ernst Krenek. Editora Novas Metas, São Paulo (1980).





_ednref10" name="_edn10" title="">[x] Para dois instrumentos melódicos quaisquer. Homenagem a Anton Webern. Editora Novas Metas. São Paulo (1980).





_ednref11" name="_edn11" title="">[xi]Às pgs. 161 a 166 da tese da Dra. Lilia de Oliveira Rosa, citada na nota vii, acima, estão os “Comentários Sobre as Instruções por L. C. Vinholes”, ampliando os argumentos pertinentes à proposição dos parâmetros que viabilizaram as duas instruções: Instrução 61 e Instrução 62 .




Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 10Exibido 690 vezesFale com o autor