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Contos-->ROSABELA -- 21/12/2002 - 16:57 (Danna D.) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
1. Rosinha

Rosa Maria, filha do magnata de uma cidade do interior paulista, vivia como uma princesa dos contos de fada. Nada lhe faltava, quer em bens materiais como no amor que os pais lhe dedicavam. Mesmo assim, tinha o olhar triste que incomodava em demasia sua mãe. Esta cumulava a criança de jóias, brinquedos, vestidos finos, porém a tristeza continuava estampada nos seus olhos cor de mel.
- Ela sente falta de um irmão, lamentava D. Berenice, sua mãe.
- Que nada, Berê, contemporizava o marido, olhando a esposa com carinho. Pára de imaginar coisas.
- Mas você não nota, José? Não sente a tristeza nos olhos da nossa filha? E elevando a voz em tom lamentoso: Por quê Deus fez isso comigo, não me deixando mais ter filhos com trinta e quatro anos?
José estendeu o braço lhe envolvendo os ombros e com voz firme enunciou:
- Não se discutem os desígnios do Altíssimo.
Os dois ficaram em silêncio por um momento. Apesar de não serem católicos praticantes eram tementes a Deus.
- Escuta, querida. Nossa filha é uma criança encantadora dotada de dois grandes olhos castanhos, muito bonitos por sinal. Talvez você os julgue tristes por serem fundos, iguais aos da sua falecida irmã, que Deus a tenha.
- Luiza foi uma sofredora, murmurou a mulher, com os olhos cheios de lágrimas à simples lembrança da irmã mais velha.
- Pára com isso Berê. Acabou. Ela mesma assim o quis.
- Coisa nenhuma! A culpa foi toda dele, o maldito.
- Ah, essa não. Você me desculpe amor, mas sua irmã sabia que ele era casado.
D. Berenice, em prantos, saiu correndo e se trancou no quarto.
- É sempre a mesma coisa. Eu e minha grande boca, pensou o marido.
Agora terei que esperar horas para ela se recuperar. Tá lá trancada, endeusando a irmã suicida.

Na cozinha muito bem aparelhada do casarão, a menina de cinco anos corria de um lado para o outro:
- Pera um pouco, Rosinha. Assim você vai se queimar.
- Ah, Maria, conta outra história, conta.
- Ai, ai, ai, ai. Tô muito ocupada agora. Senta o facho, garota.
A criança pulava como um azougue, puxava a saia da cozinheira e ficava na pontinha dos pés querendo mexer nas panelas. Não deu outra. Acabou se queimando na tampa de uma delas. Abriu um berreiro tão grande que veio pai, veio mãe, até alguns empregados, encontrando-a sentada, ainda a soluçar, no colo da negra que, calmamente, passava manteiga no seu dedinho.
- Mas o que foi isso, Maria Batista? Perguntou, aflita, D. Berenice, que à essa altura nem mais se lembrava da morte da irmã.
- Nada não, D. Berenice. A bonequinha ficou fuçando as panelas e queimou o dedinho no purê de batatas. Não foi Rosinha?
Rosa Maria, que era louca por purê de batatas concordou com a cabeça, fungando. Nessa altura, Seu José já a tomava em seus braços e beijava o dedinho machucado.
- O patrão vai tirar a manteiga desse jeito, disse a cozinheira entre séria e divertida.
Seu José fingiu que não ouviu. Saiu com a filha no colo, cantarolando no seu ouvido umas músicas antigas que ela apreciava muito.
Após voltar a paz na cozinha, Maria Batista, do alto dos seus quarenta e tantos anos, aconselhou:
- Esta menina precisa de criança pra brincar com ela, D.Berenice.
- Eu sei, mas não gostei da cara desses novos vizinhos, ninguém lhes conhece a procedência. Ainda mais que são dois garotos, bem mais velhos que a Rosinha.
A patroa olhou significativamente para a cozinheira, que concordou:
- Isso é um perigo, dona. Lá na igreja, outro dia, comentaram o caso dum irmão que fez mal à própria irmã.
- Cruzes! Berenice se benzeu.
- Pois foi. E quando soube que ela tava prenha matou a pobre coitada à facadas. Tá preso até hoje.

Maria Cândida era assídua freqüentadora da Igreja Batista, daí a alcunha que lhe substituía o nome. Viúva, tinha uma penca de filhos de ambos os sexos e acompanhava Berenice desde o casamento. Era a empregada da maior confiança do casal.
Depois de muita conversa, patroa e empregada acertaram que Maria Batista ia levar sua filha caçula, de seis anos, para brincar com Rosa Maria. Assim foi feito. Jandira, uma negrinha magricela e sabida, foi apresentada à Rosinha e as duas aparentemente se deram bem. Todavia, quando Jandira se deparou com os ricos brinquedos importados exigiu que a outra menina os desse a ela.
- Mas não posso, disse Rosinha. Minha mãe vai brigar.
- Briga nada, eu escondo e ela nem vai ver.
A menina mais velha começou a pressionar a criança frágil e solitária:
- Bom, então não volto mais pra brincar com você.
Os olhos de Rosa Maria se encheram de lágrimas e ela estendeu para Jandira as peças do serviço miniaturizado de chá, que Papai Noel lhe dera de presente no Natal passado. Ainda esboçou uma tentativa de preservar o brinquedo:
- Eu podia escrever uma cartinha pro Papai Noel trazer outro pra você.
- Papai Noel não existe, sua boba!
- Existe sim, eu sempre escrevo pra ele pedindo meus presentes. Quer que eu escreva pra você?
Jandira deu de ombros e foi colocando na sacola o serviço de chá importado de Rosinha.
Na saída, feitas as despedidas, todos notaram o ar triste da garotinha. D.Berenice interpretou o fato como saudades antecipadas da nova amiga. Entretanto, Maria Batista fez uma leitura diferente ao observar o sorriso vitorioso da filha. Chamou-lhe sobremaneira atenção a sacola que a menina carregava bem junto ao peito e que parecia estar repleta. Isto a preocupou. Lembrava-se perfeitamente de ter colocado no saco apenas uma muda de roupas para a filha trocar. Confrontou o jeito de Rosinha, cabisbaixa, com o de Jandira, triunfante. Entendeu tudo. Obrigou a filha a abrir a sacola e, vergonha suprema, estavam os brinquedos lá. Acabou dessa forma a curta amizade de Rosinha com Jandira. Maria Batista, envergonhada, nunca mais falou dos seus filhos para a patroa.

2. Rosabela

O tempo foi passando e Rosa Maria, às escondidas, fez amizade com o filho mais moço dos novos vizinhos. André era dois anos mais velho que ela e a considerava a menina mais bonita do mundo. Chamava-a de Rosabela. Os dois se entendiam perfeitamente e jamais brigavam. Era como se tivessem sido feitos um para o outro. Rosinha nessa altura contava onze anos e começava a desabrochar como menina-moça. A pura afeição existente entre eles caminhava rapidamente para um sentimento mais forte. Contudo, o adolescente sempre respeitou a sua Rosabela. Infelizmente, tudo acabou quando o irmão mais velho de André deixou escapar, perto de Maria Batista, que seu irmão namorava a moça mais rica da cidade. A cozinheira correu a contar à patroa. Esta, indignada com a conduta da filha, comentou:
- Bem que eu reparei que havia sumido aquele olhar triste.
- Tadinha, aparteou a empregada já arrependida, ela só tem onze anos. Não tem maldade nenhuma na cabeça.
- E quem disse que ele não a tem, o sem-vergonha?
Procurou, aos gritos, o marido e este, incentivado pela mulher, foi atrás do safado com o cinto em punho. Achou-o sentado ao lado de Rosabela, a quem inocentemente declamava uma poesia. Botou o moleque para fora ameaçando-o com uma surra:
- Vá procurar as meninas da sua laia, berrava. Minha filha não é pra você!
O jovem casal não conseguiu entender os motivos daquele ataque brutal. Separaram-se chorando. E pela primeira vez em sua vida, Rosinha virou a cara para o pai.

Não sabiam eles que o pai do rapaz fora um homem pobre, que se fizera na vida aos poucos, galgando passo a passo a escala social. Já Seu José representava a elite da cidade, cultivando o ranço contra aqueles que vieram de baixo. Não admitia, sequer, a possibilidade que sua filha se aproximasse de pessoas sem berço. Para evitar problemas futuros, usou de toda sua influência para prejudicar o pai de André. Conseguiu. Dentro de meses a família vizinha foi obrigada a se mudar para outro bairro. Não satisfeito, Seu José manteve a perseguição não permitindo que Seu Oscar conseguisse um emprego decente. Era como se todas as portas se fechassem para ele. Finalmente, foi obrigado a voltar ao ponto de partida: simples escriturário morando no lado pobre da cidade.

Enquanto isso Rosa Maria, severamente vigiada, não sabia o que fazer para rever o namorado. Tentou pedir ajuda à Maria Batista, porém a empregada, fiel à patroa, lhe revelou seus planos. Ficou resolvido, então, que a menina seria internada num colégio de freiras na cidade vizinha, dali só saindo nos feriados santificados.
A casa ficou triste sem Rosinha. Seus pais tentavam se convencer que haviam feito o melhor, principalmente D. Berenice que temia para a filha um destino semelhante ao da pobre Luiza.
O olhar de Rosa Maria voltou a se turvar. Nunca mais adquiriu aquele brilho radiante, mesmo quando se tornou bela moça e voltou para a casa dos pais.

3. Rosa Maria

Apesar de estar com dezoito anos Rosa Maria se recusava a namorar. Seu pai já havia lhe apresentado todos os bons partidos da cidade, mas ela não lhes dava a menor confiança. Continuava em seu âmago ligada a André, se bem que ignorasse seu paradeiro.
Era véspera de Natal.
Rosa Maria ia todo ano à igreja, acompanhada da mãe e da empregada, levar mantimentos aos pobres. Esse gesto era tradição em sua família e ela o repetia mesmo quando estava no internato, época em que era liberada para casa.
Naquela noite ficou combinado que ela voltaria sozinha em seu carro, pois sua mãe ia com Maria Batista visitar uma pobre moça que tentara matar-se. Este era o ponto nevrálgico de D. Berenice, a chaga aberta indefinidamente em seu corpo que lhe reportava ao triste fim da sua irmã. Como temia que a filha se contaminasse com a doença de Luiza, de quem herdara os olhos tristes, fazia o possível para lhe ocultar a “causa mortis” da tia. Temia, mais que tudo, que Rosa Maria se apaixonasse pelo homem errado, como o fizera sua irmã, daí ter influenciado o marido na perseguição aos vizinhos indesejáveis.

Ao chegar no estacionamento Rosinha reparou que um dos pneus estava furado. E agora o que fazer? Ela nunca foi hábil nessas coisas. Automaticamente virou a cabeça para pedir ajuda, quando divisou um jovem mal vestido observando-a. Ia fazer sinal com a mão para que se aproximasse, porém ele lhe adivinhando o gesto veio em sua direção.
- Rosabela?
- O quê? Quem é você? Ela procurava naquele rosto magro, de cabelos e olhos escuros, quase negros, algum vestígio do antigo namorado. Por que me chama assim?
- Você não me reconhece? Para mim você não mudou nada, continua tão linda como a minha Rosabela.
- André? É você mesmo?
Atiraram-se nos braços um do outro. Depois de tanto tempo! Ele se tornara um jovem alto e magro. Via-se que não tinha posses. Explicou-lhe que ia à igreja recolher o donativo das famílias ricas - da sua família. Falava sem mágoa.
Ela abriu a porta do carro e se aconchegou em seus braços. Ouviu, entre lágrimas, o mal que seu pai causara àquela gente acarretando sua queda vertiginosa. Compadecida, soube que Seu Oscar falecera recentemente. O irmão mais velho, cujo nome ela sempre esquecia, se transferira para outro estado com a promessa de voltar rico. Sobraram apenas André e a mãe.
Combinaram de fugir juntos os três: ela, André e D. Judite, sua futura sogra. Tinha certeza que o pai a deserdaria, entretanto tinha já em seu nome conta bancária e aplicações financeiras que não lhe poderiam tomar. Amava André e se sentia, de uma certa forma, responsável pelo declínio da sua família. Sairiam da cidade, trocariam de estado e ficariam juntos para sempre. Este seria seu presente de Natal.
Ele trocou o pneu e combinou de ir o mais rápido possível buscar a mãe e seus poucos pertences. Marcaram de se encontrar perto da estação ferroviária, onde teriam pouca probabilidade de serem reconhecidos. Enquanto isso Rosabela voltaria em casa para apanhar suas jóias, roupas e documentos. Beijaram-se com pressa. Sabiam que no futuro teriam muito tempo para se entregarem um ao outro como tanto desejavam. O carro já ia partindo quando o jovem, de repente, parou. Acabava de lembrar que não tinha dinheiro para tomar um táxi. Envergonhado, não sabia o que dizer. Rosabela, no entanto, tudo adivinhou por sua expressão facial.
- Bobinho, disse beijando-o nos lábios com carinho. Toma essa nota de cem reais.
- É muito, querida. Não preciso de tanto.
- Sei não, André. É melhor você levar. Não sabia o porquê do seu gesto. Fez por mera intuição.

Quando Rosabela se aproximou da sua residência viu um brilho estranho no céu. Só mais tarde entendeu o significado. Um incêndio acabava de consumir sua bela casa e tudo que lá se encontrava. Seu José, retirado com dificuldade da mansão, agonizava e ninguém sabia de D.Berenice e Maria Batista.
André e D. Judite esperaram por muitas horas na estação. Viram o dia raiar e nada de Rosabela. Decidiram, então, voltar para casa.
Era Natal.
A notícia do incêndio se espalhou pela cidade como um furacão. André, horrorizado, correu ao local do sinistro procurando sua amada, mas não encontrou ninguém.
Mais tarde se soube que tanto mãe quanto filha haviam sido levadas para a casa de amigos, em uma cidade próxima.
André procurou a fiel empregada Maria Cândida, vulgo Batista, e dela ouviu toda a verdade. Parece que Seu José se metera em negócios escusos e que o incêndio fora proposital, a fim de receber um vultoso seguro. No entanto, o feitiço virara contra o feiticeiro e ele fora colhido em sua própria armadilha. A família perdera tudo pois os bens foram seqüestrados pelos credores. Não, ela não sabia para onde foram mãe e filha.
Desconsolado, as lágrimas lhe correndo livremente pela face, André andou a esmo. Deixou que seus pés o levassem aonde quisessem. Quando viu estava diante de uma loja lotérica. Automaticamente remexeu nos bolsos e encontrou setenta reais. Era o remanescente da quantia que sua amada lhe tinha dado.
- Rosabela, para onde te levaram desta vez? Que será de nós?

4. Rosa de Fogo

Todos esperavam pela bela mulher que propositadamente retardava sua entrada no lupanar. Tinha uma beleza gloriosa. Enfiada num vestido colante vermelho decotadíssimo e com uma fenda lateral, usava os cabelos acobreados longos e soltos. Andava como uma tigresa e seus belos olhos, cuidadosamente maquiados, se revelavam cor de mel. Não se sabia ao certo sua idade. Devia andar pelos vinte e oito, trinta anos, o que significava fim de carreira para qualquer uma nessa profissão. Menos para ela, a deusa do sexo do submundo de São Paulo.
- Chegou, chegou, gritavam os clientes, excitados.
- Aqui, meu amor, fica comigo hoje.
- Comigo também, gritava um rapazinho com o rosto cheio de acne, que estava apaixonado pela prostituta.

Com um olhar semi-entediado, a bela mulher se aproximou de uma mesa e colocou a perna sobre a cadeira. A coxa bem torneada encantou o homem que ali se encontrava pela primeira vez. Ela o olhou dentro dos olhos e com voz grave, em tom decidido, disse:
- Todos aqui são meus clientes. Os homens quedaram em silêncio ouvindo. Contudo me reservo a primazia de escolher meu primeiro parceiro. É você o premiado!
Ele estava sozinho e não devia ter ainda quarenta anos. Era uma cara nova na praça. Alto, tinha os cabelos castanhos escuros com alguns fios brancos nas têmporas que lhe davam um ar sensual. Levantou-se de pronto e tomando a mulher pela mão subiu as escadas que levavam aos quartos. Os machos em baixo aplaudiam e bradavam excitados:
- Rosa de Fogo! Rosa de Fogo!

- Seu nome não pode ser Rosa de Fogo, disse fumando calmamente após o prazer saciado.
- Não, não é, riu-se ela. Tinha os dentes bonitos, alvos e bem feitos.
- Mas você não vai me dizer, completou ele sorrindo e dando uma baforada de cigarro.
- Prefiro que você me chame de Rosa de Fogo. Gosto deste apelido.
- Tudo bem. Meu nome é Carlos e agora vem cá, completou amassando o cigarro no cinzeiro.
- Sua hora já acabou, meu bem.
- Quero mais! Quanto você quer?
- Normalmente eu mandaria você sair, só por me falar assim. Mas gostei do seu estilo. E subitamente abrandando a voz: além do mais, você me lembra alguém.
Ele a puxou para si e beijou-a com avidez.

Mais uma vez era véspera de Natal.
Para André, sinônimo de dor e tristeza.
Estava rico graças à Rosabela. Jogara uma parte do dinheiro que ela lhe cedera, quando se despediram, e ganhara sozinho na loteria. Inobstante, a riqueza não lhe trouxe felicidade, apenas conforto. Pôde se estabelecer como comerciante na cidade, ganhava bem, proporcionava uma vida tranqüila à sua mãe e até reencontrou o irmão, que não ficou rico mas tinha uma situação financeira confortável.
- Pena papai não estar aqui para nos ver.
- Verdade, mas a vida não é só tristeza, André. Você precisa apagar o passado.
- Impossível.
André sabia que o irmão se referia à Rosabela.
- Esquece isso, mano. Aproveita tua estadia em São Paulo. Olha, vou te apresentar uma mulher fenomenal.
- Não quero.
- Ela vai te tirar do sério, cara. Já pensou festejar a véspera de Natal com a Rosa de Fogo?

Todo 24 de dezembro era a mesma coisa. Lágrimas, depressão e bebida. Assim Rosa de Fogo tentava apagar a solidão que a consumia, maior que o próprio fogo que carregava em seu nome. Mirou-se por instantes no espelho. Seus olhos estavam mais fundos e tristes que nunca.
Chegou muito tarde. Por um momento pensou em não ir, no entanto a desventura que carregava era insuportável. Tinha que afogá-la nos braços de alguém.
Nessas datas costumava cair a freguesia, de modo que não se espantou por ver no salão meia dúzia de gatos pingados.
- Estão todos com as famílias, os homens sérios do meu país, gargalhava intimamente.
Viu com satisfação o novo cliente, Carlos, sentado numa mesa ao fundo. Estava acompanhado de um rapaz que, de costas, mal participava da cena. Algumas mulheres, como mariposas, vagavam ao redor, se afastando logo que a viram.
Rosa trazia um lado dos cabelos preso por uma fivela brilhante e o outro solto, ocultando parcialmente o rosto. Abaixou-se para beijar Carlos nos lábios, exibindo os seios desnudos, sobejos, no corpete do vestido vermelho. Vermelho se tornara sua cor favorita - sua marca registrada.
- Deixa te apresentar meu mano, de passagem por São Paulo, falou sorridente Carlos.
Rosa de Fogo levantou a cabeça. Apesar da maquiagem pesada empalideceu visivelmente, como se estivesse diante de um fantasma.
André, sem dizer uma palavra, a encarou com os olhos injetados e se levantou de forma abrupta. Tateou por instantes a mesa, dominado por intenso tremor. Depois, com a fisionomia transtornada correu em direção à saída.
Carlos, espantado, também se levantou sem saber se ia atrás do irmão ou se acudia Rosa de Fogo que desfalecia.

Semiconsciente, Rosa de Fogo voltou ao passado lembrando quando ela e sua mãe viviam de favor na casa de amigos. Decorrido algum tempo D. Berenice passou a chamá-la de Luiza, não mais a reconhecendo como filha. Meses depois foi encontrada morta. Havia se envenenado.
Abandonada por todos e desesperada a jovem passou a se prostituir. Inicialmente por necessidade. Depois, por autodestruição.

Era Natal.
Finalmente, pela primeira vez em tantos anos, Rosabela e André estavam felizes.
O triste olhar da menina dera lugar, definitivamente, a um brilho fulgurante nos olhos da mulher.

08/12/02
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