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Ensaios-->IDOS TEMPOS -- 17/02/2009 - 00:23 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ainda não eram onze horas da noite. Sem sono, resolvi, num repente, dar uma volta na cidade.
Queria matar a saudade da noite paulistana, há muito adormecida dentro de mim.
Liguei para o ponto de táxi e a voz que atendeu respondeu que, em dez minutos, estaria em meu endereço.
Tomei o elevador e, ao sair do prédio, tive o primeiro espanto da noite.
Encostado no meio fio da calçada, um brilhante automóvel preto, um velho Chevrolet dos anos 40, aqueles que começaram a trafegar em nossas ruas durante a Segunda Guerra Mundial. Sentei-me ao lado do motorista. Outra surpresa. Um senhor educadíssimo, de terno escuro, camisa branca e gravata, e com o tradicional quepe azul-marinho, usado pelos antigos taxistas.
– Para onde o senhor deseja ir? perguntou.
Respondi, encabulado, que gostaria de ir até a praça da Sé.
Assim que o carro partiu, a minha perplexidade aumentou, pois não estávamos saindo da rua da minha atual residência, no Jardim Colombo, lá pros lados do Morumbi. Nem estávamos descendo a avenida Giovanni Gronchi, rumo ao estádio.
Simplesmente o fardado motorista manobrou o carro no antigo largo do Matadouro, onde fui morar em 1953, com a minha família.
Seguiu sem dizer uma única palavra pelos caminhos daquela época.
As grandes avenidas, como a 23 de Maio, ainda não existiam.
Com a segurança de quem conhece o trajeto, ao chegar à praça João Mendes desceu pela praça Clóvis Bevilacqua, entrou à esquerda, na rua Santa Tereza, e subiu a praça da Sé, parando bem diante do Gouveia, como se adivinhasse os meus pensamentos.
Perguntei o preço da corrida.
Com discrição, ele respondeu que era uma viagem ao passado e, por isso, não tinha preço!
Não é possível, devo estar sonhando! pensei...
Parei por uns instantes na calçada, em frente do famoso bar e restaurante. Mas como, se o prédio foi implodido para a construção da estação do metrô, nos anos de 1970?
Entrei. Acomodados rente ao balcão estavam Borguese, Di Grado, Silva Neves, Marino e Caruano,
Sentei-me ao lado deles, pedi um sanduíche de salaminho com queijo, o meu preferido, uma cerveja bem gelada, e começamos a conversar, como há cinqüenta anos.
Ninguém mencionava os estranhos acontecimentos, apenas os fatos do dia, com aquela magia das noites de outrora.
Fiquei surpreso quando Marino perguntou o motivo da minha ausência, tão prolongada.
Na dúvida, respondi, sorrindo:
– Ontem estivemos juntos. Será que faz tanto tempo assim?
– Nas circunstancias atuais, tudo é possível, ponderou Borguese, depois de tomar um grande gole de cerveja.
Todos riram.
Conversa vai, conversa vem, resolvemos ir embora, pois o velho relógio da parede acusava uma e meia da manhã.
Pagamos a conta e fomos para a praça.
Eu, Borguese, Di Grado e Marino decidimos ir ao Taco de Ouro, jogar snooker.
Subimos pelas escadas e adentramos aqueles enormes salões com suas mesas de bilhar. Dirigi-me ao taqueiro e vi, guardado com o maior carinho, o meu taco!
Entre doses de conhaque, risos, chacotas e piadas, jogamos até as três horas, quando o Marino disse que estava cansado.
Descemos e nos despedimos na esquina da rua Barão de Paranapiacaba com a Sé. Borguese recomendou, então, que eu não demorasse tanto para encontrá-los novamente.
Concordei, dizendo que o meu desejo era não abandoná-los.
Marino e Borguese subiram a praça para tomar o ônibus, enquanto eu e o Di Grado descemos pela rua 15 de Novembro até a praça Antônio Prado. De lá, continuamos pela avenida São João até o Bar do Jeca, na esquina da Ipiranga.
Tomamos mais uns conhaques para esquentar a madrugada e nos despedimos com a promessa de um novo encontro, na noite seguinte.
– Oito horas no Salão, sugeriu Di Grado.
Estarei lá, respondi, pensando: será época de algum Salão de Arte?
Encantado com a volta ao passado, e não querendo voltar mais à cruel realidade, resolvi ir caminhando até as ruas onde morava o pecado.
Entrei num “inferninho” na rua Vitória e me sentei na única mesa vaga. Logo, uma vistosa garçonete veio se acomodar ao meu lado, trazendo uma bandeja com bebidas, amendoins salgados e um papel dobrado nas mãos.
Bebíamos aquele suave veneno, um traçado de rabo-de-galo, quando ela abriu o roto papel e leu:

Quisera ser o que... quem sabe...
Ser o futuro do ser
Ser o pesar da saudade
Ser diferente do ser
Ser talvez o falso abstrato
Do ser que distrato... imáculo em ser
Quiçá adjeto das farsas constantes
Das idas e das vindas ao sabor do alvoroto
Que declinam nos climas... em climatérios
Do ser despojado dos seus revertérios
Das sombras... da... vida e das cicatrizes
Puras... meretrizes que o meu ser abrasaram
Nas proeminências dos caminhos binários
Cruzados em esquinas do ser solitário...

Não sei se atordoado pelos últimos acontecimentos, ou pela bebida, pedi a ela que repetisse o poema.
Abrindo os botões da blusa, para mostrar os seios fartos, chamou outras garotas da casa e, rindo, continuou:

Nos dias em que a claridade surge
Trazendo o calor qual o sol abrasa
A minh`alma gélida que os invernos bruscos
Transformaram a experiência
Num profano temporal profundo
E... quando na alta noite do néon o brilho
Das fumaças em espirais dos cigarros espio
As prostitutas minhas que das vidas suas
Transformaram a minha em quimeras puras
Depus e pus as alternativas exprobrantes
Subi e desci em ladeiras íngremes
Voei com as asas de um anjo arcaico
Barroco e oco de idéias mortas
Assim supondo carreguei comigo
O fardo entrelaçado nos ombros impuros
Que julguei ser a cruz do meu mundo espúrio...


Tem mais! disse a exuberante mulher. Se você quiser, posso lembrá-lo de todas as suas poesias a nós dedicadas.
– Não! recusei, pedindo desculpas. São muitas. E, nesta noite especial, quero falar para você dos meus grandes amigos pintores. Principalmente dos falecidos. Estive com vários deles, minutos atrás! Posso?
– Mas é claro! São meus amigos também!
Então vamos a eles:

Por onde estão meus amigos
Nunca por mim esquecidos
Elixires diluídos
Na garoa paulistana
Se... não há mais o Gouveia
Papai... Taco de Ouro... cantinas
Parque D. Pedro... Limão
Do Bixiga... nem as pizzas
Do Brás... a rapaziada esquecida
Canindé... só o Bahia
Com suas comidas esquisitas
Galinhada com pirão
Borguese... Marino... Di Grado
Cirilo... Mário de Oliveira... Ortolani
Zinner... Sante Bullo... Pellegatta
Perez... Simione... Constantino
Caruano... Santisteban... Rodrigues
Itanhaém do Bernardino
Zanini... Silva Neves... o Ayres
Fumaças de Paranapiacaba
Eram tantos em nossas excursões
Por onde andam?... pergunto
Não os vejo nas trattorias
Nem nas cervejarias
No Brahma ou Filé do Morais
Por onde estão?... me respondam
Quiçá nas dobras do mundo
Pintando os cenários anilados
Pra lá das nuvens borradas
Artistas da amplidão...


Olhei para fora do boteco. A claridade de uma nova manhã, de um novo dia ou, quiçá, de uma nova viagem, fazia-se presente.
Abracei e beijei aquela mulher fantasia e fui em busca de um táxi para voltar, quem sabe, à realidade.
Lá estava, novamente, o velho Chevrolet preto, com o mesmo motorista que, sorridente, falou:
– Entre. O sonho já terminou!


Roberto Stavale
São Paulo, Fevereiro de 2009.-
Direitos Autorais Reservados®


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