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Ensaios-->O Congresso Americano no Limiar da Era Obama - I -- 26/12/2008 - 15:28 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O CONGRESSO AMERICANO NO LIMIAR DA ERA OBAMA -I (FILIBUSTER, OU O ‘NÚMERO MÁGICO’ DE 60 VOTOS NO SENADO)

Paulo Kramer (*)

Este é o primeiro de um par de breves comentários sobre figuras, costumes, regras e estruturas do Congresso dos Estados Unidos, tendo como pano de fundo a passagem do poder para a futura administração Barack Obama. Ao final do comentário da próxima semana, sugerirei pequena lista de livros e artigos para os leitores porventura interessados em saber mais sobre o assunto.)

Na noite de quinta-feira, 11 de dezembro, o céu parece ter desabado sobre Detroit. Em Washington, a bancada democrata no Senado foi incapaz de impedir a derrota de projeto de lei, apoiado pela crepuscular administração George Bush, que se destinava a salvar a indústria automobilística americana da falência iminente, por meio de empréstimo-ponte de US$ 14 bilhões (dinheiro do contribuinte) – mesmo com 52, de um total de 100, senadores votando a favor e apenas 35 contra o socorro.

Além dos esperados protestos dos líderes do poderoso sindicato da categoria, United Auto Workers (UAW), e da assessoria do presidente eleito – que, em nota à imprensa, se declarou “decepcionado” com o fracasso da votação –, vozes governistas também se levantaram. Na manhã daquele dia, como a prever a encrenca de horas depois, a página de Opinião do Washington Post estampara artigo do secretário do Comércio, Carlos M. Gutierrez, carregado de sombras: “Caso o Congresso deixe de agir agora, o produto interno bruto dos EUA poderá cair em mais de 1 por cento, e o país provavelmente perderá um milhão de empregos”. Já diante do fato consumado, a porta-voz da Casa Branca, Dana Perino, informou que o governo Bush cogitava de usar, no salvamento dos colossos agonizantes da GM, da Chrysler e provavelmente também da Ford, parte da bolada de US$ 700 bilhões, recentemente aprovada pelo Capitólio para resgatar o sistema financeiro, pois um “colapso desta indústria teria sério impacto sobre a nossa economia, e seria uma irresponsabilidade enfraquecer e desestabiliza-la mais ainda no presente momento.”

Sindicalistas e seus aliados democratas agora apostam suas esperanças na nova legislatura, que se iniciará em 3 de janeiro, e na nova administração, cuja posse será no dia 20 do mesmo mês. Então, a atual maioria democrata em ambas as Casas se verá significativamente ampliada. Mas, ainda assim, a minoria republicana no Senado seguirá detendo uma capacidade virtualmente infinita de obstruir as iniciativas governistas.

Isso porque os democratas, apesar de seus significativos avanços eleitorais em novembro último, não alcançaram o número mágico de 60 votos, necessário para derrotar manobras protelatórias historicamente consagradas pelo regimento senatorial.

O nome dessa tática é filibuster, derivada do vocábulo holandês que designa pirata. Segundo o meu exemplar de The Congress of the United States - a student companion, de Donald A. Ritchie (terceira edição, Oxford University Press, 2006, pp. 91-93), a palavra “se popularizou nos anos 1850, quando aventureiros americanos se lançaram à pirataria no Caribe, tentando derrubar governos locais e arrebatar o poder para si mesmos”. Não demoraria para que o rótulo passasse a designar os esforços da minoria parlamentar para frustrar a ação da maioria.

No princípio, era praticado pelas oposições em ambas as Casas, mas, com o crescimento do número de deputados (hoje totalizando 435 cadeiras), a Câmara dos Representantes adotaria regras para limitar os debates e desbloquear as votações.
Já o Senado manteve a tradição de permitir que qualquer de seus membros ocupasse a tribuna para discursar indefinidamente, a menos que uma maioria de no mínimo dois terços – a partir de 1975 reduzida para três quintos, ou 60 senadores – declarasse cloture, algo como fechamento de questão. Vale assinalar, porém, que a cloture é um procedimento relativamente recente. Até a sua adoção, em 1917, por insistência do então presidente Woodrow Wilson (democrata), exasperado com a resistência dos republicanos, sob a liderança do senador de Massachusetts Henry Cabot Lodge, à ratificação do Tratado de Versalhes, o Senado simplesmente não tinha como interromper os debates.

O controvertido populista democrata de Louisiana e ex-governador do seu estado, Huey Long, quando senador nos anos 30, chegou a obstruir, sozinho, as votações por 15 horas seguidas, lendo a Bíblia, receitando Shakespeare e ditando receitas tradicionais de cozinha sulista. Porém, o troféu para o discurso individual mais demorado permanece até hoje com o falecido Strom Thurmond (democrata, depois republicano da Carolina do Sul), cujo filibuster contra legislação de direitos civis de 1957, patrocinada pela administração republicana moderada do ex-presidente Eisenhower, durou 24 horas e 18 minutos!

O citado Ritchie considera que o “Senado tolera os filibusters como um mal necessário. A capacidade de praticá-lo transforma cada senador, até mesmo o mais novato do partido minoritário, em uma força relevante nos trabalhos” da Casa. E conclui: “[…] contrariamente à crença generalizada de que, em uma democracia, a maioria deve governar, o filibuster representa a defesa dos direitos e opiniões da minoria”.

Voltando ao episódio analisado no início deste artigo, os executivos e líderes sindicais de Detroit, bem como os seus representantes no Capitólio, não terão como fugir desse caprichoso expedinete bissecular em um contexto paradoxalmente agravado pela esmagadora vitória eleitoral dos candidatos democratas ao Senado. Como analisa Manu Raju, repórter do site político.com (“Gop: Don’t blame us, blame UAW”, 13 de dezembro), a nova maioria democrata engordou “à custa de republicanos moderados, aliados tradicionais dos trabalhadores organizados, deixando os sindicatos somente com um punhado de votos republicanos confiáveis no próximo Congresso.” Tem razão: a vitória do senador Saxby Chambliss, republicano da Geórgia, depois de uma renhida disputa que teve até segundo turno, deixou os democratas do Senado uma cadeira aquém dos ansiados 60% dos votos no mais poderoso plenário do mundo.


(*) Analista da Kramer & Ornelas – Consultoria e professor da Universidade de Brasília, onde coordena grupo de estudos, integrado por estudantes de graduação, com a finalidade de elaborar manual inédito sobre a estrutura e o funcionamento do Congresso americano.

(**) Inspirando-se na trajetória de Long, que seria assassinado em 1935, o romancista Robert Penn Warren escreveu All the king’s men, em 1946, ganhador de um Pulitzer no ano seguinte. O livro foi adaptado para o cinema em 1949, com direção do veterano Robert Rossen (Oscar de melhor filme daquele ano, o protagonista-vilão Willie Stark interpretado por Broderick Crawford). No remake de 2006, assinado por Steven Zaillian, o papel principal coube a Sean Penn.


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