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Contos-->O TRISTE FIM DE UM FUMANTE INVERTEBRADO -- 21/12/2002 - 03:05 (COELHO DE MORAES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O TRISTE FIM DE UM FUMANTE INVERTEBRADO
( uma novela do pigarro )



1) Começamos nossa história quando um desses tabagistas convictos, Cruzsouza, adentra com toda pompa e circunstância o hospital dos cancerosos, com o intuito de salvar a sua vida de suicida a longo prazo, a pós passar por milhares de cigarros, além de cachimbos, charutos, cigarrilhas, enfim todo o arsenal que se utiliza para se ter charme, segurança em si mesmo, status, pôse dos que soltam fumaça pelas ventas.
Cruzsouza era um desses. Digo era pois, conto já o fim da história, apesar da sua tentativa de tratamento, Cruzsouza veio a falecer mêses depois. Em compensação foi enterrado sob o som da marcha fúnebre de Chopin e discretamente forrado por um tumor brônquico dos mais malígnos. Graças, exclusivamente ao cilindro branco do prazer inaudito.

2) Mas voltemos no tempo e encontraremos Cruzsouza subindo em um ônibus em São Paulo. Ele fuma, mas, ao pisar os degraus do coletivo atira a guimba do cigarro para o chão. Ouviu alguém gritar:
--- Fumante porco! Não viu a lata de lixo, dragão?
Era um caçador de fumantes. Cruzsouza manteve-se quieto pois é sabido que alguns desses caçadores são iracundos ao extremo e não poucas vezes já desandaram dragões, digo, fumantes a tapa.. Mas, continuando, em São Paulo, Cruzsouza jogou o toco do cigarro no chão, antes de penetrar no ônibus.
No Rio de Janeiro no entanto, o mesmo anti-herói sobe na locomoção levando no meio dos dedos o símbolo fálico do cigarro e, em largas aspiradas, solta rolos de fumaça branca para a atmosfera fechada do coletivo. Novamente ouve uma voz:
--- Não tem respeito, dragão-porco-fumante? Passa pela sua cabeça de esfumaçado que muita gente não quer ter fumaça nos pulmões? --- enquanto o homem falava, Cruzsouza passava pela roleta, temeroso de tomar um tapa na cara. --- Já basta a atmosfera poluída da cidade. Não precisamos de mais uma fonte de sujeira por aqui.
Não houve reação, pois, evidentemente, era mais um daqueles caçadores. Cruzsouza teve que passar sentindo medo, pois os caçadores tinham se tornado de ativistas políticos a perigosos exterminadores de fumantes ou mesmo dos Adoradores do Tabaco.
Fumantes e Adoradores do Tabaco formavam um grupamento religioso que, ao longo dos séculos, dominou povos com sua opressão desmedida, se bem que sutil. Tudo começou quando Felipe Maurício Camelo fundou a primeira igreja da seita. Daí em diante, os adeptos, que já existiam apesar de esparsos, aglutinaram-se para praticar suas ações mesquinhas, ou seja, andar com aquele troço pendurado na boca ( como se já estivessem fazendo muito ) originando um dos maiores movimentos religiosos dos últimos tempos. Receberam o nome de Adoradores do Tabaco.
A fundação da nova seita desmenbrou as outras, uma vez que adorador de Tabaco tem em qualquer religião. Fêz-se a ruptura dos fiéis que passaram a frequentar a nova organização.

3) --- O fumante, antes de tudo, é uma besta suicida! --- uma pedrada fê-lo calar a boca. O homem desabou do alto do pedestal e uma batalha campal foi iniciada no meio da praça, alimentada pelo pretexto da pedrada. Fumantes e não fumantes se desencavam em sovas e catiripapos homéricos
A polícia chegou para serenar os ânimos distribuindo cacetada para todo o lado.
Cruzsouza, no entanto, apesar da seita, e do seu amplo desejo religioso, não era fiel Adorador do Tabaco. Quer dizer, era um livre pensador, fumante, mas, não filiado a seitas de espécie alguma.
Mas, para quem não fumava, todo o que se mostrava em público manipulando um nocivo aparelho, aparelho de cabeça esbraseada, era logo rotulado e devidamente escorraçado, se não em pensamento, em palavras ou ações.
--- Discriminadores! --- gritava em seus pensamentos para a turba de não fumantes. --- Pensam que são os donos do mundo! Pensam que têm todo o direito e toda a razão? --- eram idéias que chegavam ao nível da boca, pois uma intensa raiva se apossava de Cruzsouza naqueles momentos, mas, não se formava em vozes ou palavras intelegíveis, uma vez que a raiva de Cruzsouza passava logo.
Mas, pergunto, o que levou Cruzsouza a adquirir vontade de fumar?
Com a palavra, o seu analista.

4) "Bem, pelas anotações secretas que aquí tenho --- por favor, não publique o que lhes conto porque sempre pensam que nós, analistas, psiquiatras, confessores, párocos, psicólogos e presdigitadores, somos pessoas em quem se pode confiar e, não é verdade. Não publique se não pega muito mal para mim, tá? ---, continuando; nas anotações que fiz sobre o caso do Sr. Cruzsouza e que, já acentuo com ênfase as conclusões que tenho tirado desses trinta anos de pesquisas, o fumante tem um problema na esfera sexual, e, o cigarro representaria para ele o pênis perdido".
--- Não entendi?
"Bem, meu caro, é o desejo interior que se manifesta. Apesar de uma ou outra pessoa ser ativa sexualmente não significa que não seja impotente. Aí está o caso. Falando sobre Cruzsouza, que representa a maioria, aquele que fuma só é potente enquanto fumar. Há um problema de afetividade, na auto confiança, algo como intenso desejo de ter à mão um pênis, daí o ato, de manipulator o cilindro. No caso das mulheres..."
--- Ia perguntar sobre isso.
"Bem, no caso das mulheres, é mais aceitável o interesse pelo falo, digo, pelo fato de manusear o cigarro. Apesar de doentio ainda mantém a ligação heterosexualidade e normalidade, lá na cabeça dos fumantes, é o que os leva a usar o cigarro como atenuante de apetites, uma vez que não assumem a sua condição de homosexuais.
--- E, aqueles que deixam de fumar?
"Bem, aí é fácil entender que já resolveram seus problemas. Assumiram não participarem do jogo homossexual e passam a trilhar um caminho hétero. É uma opção que fazem. E, além de decidirem seus caminhos, pois já não terão a sensação de adultério, quando são homens casados, respirarão muito melhor, já que inteligentemente escolherão o ar como gas respiratório e não a nuvem pardacenta dos fumos..
"Os que não conseguiram parar de fumar sabem que estão no dilema do Hamlet: Ser ou não ser. Eis a questão. Não sabem se preferem os braços da companheira ou do garotão da esquina. Daí a pôse, a falsa impressão de auto-confiança, e de segurança que os fumantes tentam passar. Por dentro tremem e rangem os dentes".
--- Você tem alguma saída para estas pessoas?
"Bem, tenho sim. A mesma que eu disse para o paciente Cruzsouza. Tome vergonha na cara. Ou assume ou para de fumar. Porque de outra forma me encontrará pela frente. Eu também sou membro dos caçadores, e a minha meta é a solução final. Não pelo fato de serem ou não homossexuais, mas pela porcaria daquela fumaça nojenta que me dá ânsia de vômito. Acautelem-se, dragões!"

5) Naquele dia, Cruzsouza foi pra casa e lá, somente lá, fumou quatro cigarros de uma vez. Completamente deprimido, pois não sabia da gravidade psicológica do seu caso. Realmente a ciência da mente estava muito adiantada. Descobria o desajuste sexual de um indivíduo pela largura do seu cigarro.
Naquela noite, Cruzsouza pensou em todos os chamados grandes homens que fumavam charutões e pensou também, mas já era de madrugada, na complexidade dos casos dos cachimbeiros de boca torta. Seria o detetive Holmes um problemático? E, Watson, que apito tocava, naquela situação? Seria, o médico, analista do detetive inglês ou... apenas a manutenção de uma chama platônica naquelas vidas sem amor, correndo atrás de criminosos comuns e cães madrugadores? Churchill, Fidel, Stálin, os capitães de indústrias, seriam produtos doentios oriundos da busca do poder, em detrimento do emocional?
Na manhã seguinte Cruzsouza tinha fumado para quarenta dias, então teve a sua grande crise de dificuldade respiratória. Foi parar no hospital do bairro, já roxo, locupletado de fumaça, atingindo, suponho, um orgasmo fumífero.
À tarde recebeu a visita da noiva. Muito chorosa. Abraçou-o.
--- Mas, o que foi que aconteceu? --- pergunta típica das pobres pessoas que, leigas em questões médicas, se atemorizam ante a visão de um bisturí ou de uma roupa de paciente hospitalar, ambos fedendo a formol.
--- Querido, o que aconteceu com você? Eu o esperei a noite toda. Meus pais sairam e pensei que fôssemos aproveitar a noite para que pudéssemos por para fora todas as nossas frustações íntimas e, você ficou aquí, deitado, dormindo?
--- Desculpe-me, Diocréia, mas, não foi por minha culpa. Saí muito deprimido da análise e acabei tomando uma fumarada. Vim parar aquí para tomar oxigênio. Já não repirava mais.
--- É claro que puseram a culpa no cigarro, --- disse Diocréia.
--- Foi isso mesmo. Mas, o que me deprimiu foi a sentença de morte que ouvi da boca do analista. Percebi que era um réprobo. Mesmo em relação a você. Já nem sei se quando nos encontramos à noite todas as quintas-feiras enquanto seus pais se retiram para o cinema, se sou eu ou meu cigarro quem pratica as práticas imundas que os incubus e súcubus nos fazem cometer.
--- Claro que é você, Cruzeta querido. Eu sei por causa do cheiro.
Diocréia sentou-se na cama e abraçou o noivo entristecido.
--- Por que você --- dizia ela, calmamente, como quem tenta seduzir uma pessoa --- não se filia aos Adoradores do Tabaco? Lá você terá suporte psicológico e um grupo que o defenderá contra ataques dos caçadores de fumantes.
--- Não sei... --- Cruzsouza hesitava.
--- Acho, até, que você deveria deixar de ir à essas análises. De nada adiantam, pois se os analistas soubessem alguma coisa, não seriam médicos. Começa daí.
Mas, nesse instante, uns rapazes e moças adentraram violentamente o quarto de Cruzsouza
--- É aquele alí, chefe! --- gritou uma jovem.
--- Muito bem --- gritou um dos mais velhos. --- Empunhem suas máquinas e fogo!
Uma rajada de vento alcançou o casal desalentado, vento que saía dos ventiladores que os jovens seguravam galhardamente; e, aos gritos de "Desapareçam fumantes!", ou então, "Chaminés desequilibradas, fóra!", e ainda, "Dragões devassos!", os caçadores de fumantes desapareceram pelo corredor, sob o apoio do diretor do hospital, o qual permitiu a ação somente após o pagamento de seus honorários pelo tratamento de Cruzsouza.

6) Sai de uma, entra em outra.
A pneumonia o avassalou. Com suas defesas diminuidas, o anti-herói nosso, ía e voltava dos hospitais. Cruzsouza antevia a morte. Por isso chamou seu tabelião preferido e ditou, em papel adequado, o seu testamento, o qual aquí transcrevemos: ( Deixo para Diocréia minhas piteiras de ouro maciço e a coleção de Cinzeiros Roubados Dos Hotéis. Deixo vinte mil folhas de papel especial para a Fundação pelo Deixa-Estar do Fumante ) --- mal sabia ele que naquela mesma semana uma guarnição de caçadores tinha invadido a Fundação, depredando-a por completo, enrolaram o presidente em folhas de papel bem grosso e, após formarem uma fogueira com os quilos de rôlo alí encontrados para fazer pito, moquearam o presidente, defumando junto as paredes do local destruído. --- ( Deixo as garrafinhas com fumaça expelida por pessoas famosas, compradas na zona franca para os meus amigos em dificuldade econômica, impossibilitados de conhecerem pessoalmente seus ídolos. E, por fim, deixo todos meus cigarros para as gestantes que pretenderem fazer de seus filho bons fumantes, o que compensará a inferioridade mental com a qual eles fatalmente nascerão.)

7) No fim de semana sentiu dores no peito e foi passar por observação no hospital do câncer onde constatou-se anomalia pulmonar e pouco tempo de vida.
À medida que caminhava pela rua, vendo as pessoas caídas na calçada, relembrava neuroticamente quando o leitor da radiografia fez cara de quem não gosta , ao notar os problemas. O radiologista olhou para Cruzsouza, deu a volta à mesa e perguntou: --- É fumante?
--- Sim, sou. Mea culpa, mea culpa, mea culpa --- disse, batendo no peito magro.
O radiologista sentou-se para escrever a sentença, ou melhor, o laudo da futura morte e falou:
--- Bem feito, palhaço! --- e, ainda riu.
Enquanto caminhava pela rua, Cruzsouza pensava sobre isso, mas, via, como já foi dito, muita gente deitada, sufocada, desmaiada; violetas e púrpuras faces voltadas para o céu. Nisso...
Nisso o cerco formou-se. Eram os caçadores de fumantes. Eles não descansavam. Um irônico falou:
--- Temos uma surpresinha para você, dragão --- E, sorriu com a ponta dos lábios.
--- Que tipo de surpresa?
--- Já que gostam tanto de fumaça, resolvemos deixá-los em seu habitat, caro dragão.
--- Não estou entendendo.
--- Mas, já vai entender.
A um sinal do irônico, todos puseram suas máscaras respiratórias e apertaram os gatilhos de seus aparelhos fumegadores. Cruzsouza ficou envolto, durante quinze minutos, numa espessa nuvem de fumo. Conseguiu distinguir vários sabores e texturas, adivinhou marcas, descobriu misturas interessantes, mas, o que parecia prazer no início, foi se transformando em verdadeiro suplício. A asfixia tomou conta de seu ser.
--- Não é de fumaça que vocês gostam? Engula tudo! --- gritavam atrás da parede de gases. A vítima, tonta, cambaleou, tropeçou e tombou.
Era mais um na calçada.
Certamente, os caçadores de fumantes estavam bem equipados e bastante decididos em exterminar os fracassados engolidores de fumaça.
Seu lema era "Dura Lex Fumus Fugatus Est".
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