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Poesias-->FRONTEIRA -- 25/02/2003 - 00:31 (JOSE GERALDO MOREIRA) |
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FRONTEIRA
Já amo as rosas e nada melhor
me acode.
Típico pequeno vivente,
administro minhas fantasias
pensando mortes passionais
em um mundo protegido do amor.
Já amo as rosas em meus momentos
de amar o mundo
e nada vai além.
Nada foi meu.
A mim nada pertenceu.
Sequer a morte desejada
era a minha, oclusa e inconfessa:
quando chegou o momento
eu não quis morrer.
Após, alardeei falsa ideologia
falsas coragens despropositadas.
Enchi, com carnes e licores,
um vazio que não era saciável.
Beijei minhas mãos. Eram frias.
Satisfiz desejos alheios alimentando
um meu, próprio e maior.
O rio estacionou. águas apodrecendo.
Barragem à frente. Energia
no vazio. Licores variados. Bocas.
A mulher repentina ensaliva
minhas falanges fazendo-me longe.
nesse momento sou apenas o errado
no lugar impróprio e no momento inoportuno.
É assim que gozo, para não ter razão.
Todas as desgraças à razão!
Nada mais triste que ter razão!
Quando entendi certos mecanismos
invoquei a Deus e Sua misericórdia.
Implorei à RAZÃO
que m’a negasse,
absolvendo-me da consciência.
Deus era meu versátil faz-tudo
a quem socorria-me quando faltava
destreza para oficiar a impotência
de ser aqui.
Quando aprendi a profissão,
abdiquei de sua pupilagem
e amo as rosas, como convém.
Tentei ser outro no dia que viria.
Disso tenho testemunhos que não
negarão minhas aventuranças.
O mal é o não esquecer.
Um homem não esquece à toa.
Nem se alimenta de sonhos
quando o coração está partido.
Sonhei caravanas para as estrelas
com tanta gente reunida
que a terra respirava aliviada.
Despertei com as engrenagens das plantas
desgastando seus dentes
para imprimir nascência à folhagem.
O mundo era uma máquina
que azeitávamos.
As coisas de Deus são de Deus
que aos homens é surdo,
uma porta que não se abre
com punhos medrosos a socá-la:
aos homens, os homens,
a Deus, a fé inabalável que já não tenho.
Eu, que tenho me abalado com os homens
como poderia crer inabalavelmente?
Amo as rosas e é o bastante amá-las.
Essa festa, da qual participo,
a festa de corações partidos
e jardins empateados por calçados
e Dalis soberbos de naturezas ameaçadas
e mulheres tristes sobre crianças chorosas
e passos tristes na mansarda da noite
e atalaias contínuas à espera do amanhã
e olhos diagonados para o chão
e tantos inventos, deveres, cumprimentos
e o que mais faremos na forma do amanhecer
É pândega.
Bastante é amar. Nem que seja às rosas.
Como se soubesse a verdade, evito pessoas.
Como s’a conhecesse, sento-me
sobre as pernas e ingiro infusões,
senhor d’algum fato novo que desconheço
porém desconfiado de suas implicações.
Estive por muito tempo resguardado de tudo
atirando olhares ao mundo
para evitar olhar ao redor
e ver coisas que não fiz.
Eu, que fora o capaz de,
o único que poderia,
acomodo-me na cadeira
invocando ignorância
ou, quem sabe, esquecimento.
E tudo isso por haver atingido
o momento em que o homem
entende o que a Deus pertence
e o que aos homens convém,
ao não conseguir atirar aos ombros
ulíssecos do senhor multiplicador
de mitos
um só grama da minha carga
folclórica e humana.
Existe uma ilha, um equador celeste,
onde cessam homem e Deus.
Nessa fronteira, uma consciência,
existem pássaros, pedras e árvores.
E lá nada existe. E tentar transpô-la
é fugir de ser humano
é fugir de ser inventor
é atirar às divinas costas alheias
o fardo que aos meus ombros
a civilização lançou.
Estou vergando minhas costas pelo peso
de ser idiota o bastante para ver
um rio e não vê-lo.;
por ter envernizado a mim próprio
com esse impermeabilizante civilizatório
duvidando sempre
desejando mais
precisando Ter
quando o que mais necessito é um rio,
árvores e silencio
para ouvir a verdade que o homem
sobrepôs com seus ruídos comuns.
Amo caladamente as rosas
e deito aos sons olhares piedosos
por sabê-los humanos,
ruidosamente humanos e prepoimpotentes,
subalternos a tudo já inventado
e criado e ao que mais está por vir.
Ao amar as rosas aproximo-me
da linha fronteiriça
para ouvir a natureza
quando quer falar-me.
E isso abastece-me.
Quando atinjo a linha
tudo me atinge os sentidos.
O rio volta a correr impassível
sem orgulhar-se da beleza dos peixes
e demais viventes dentro de si.
Os rios são belos seres
e seu nome, rio, é puro invento
que as coisas não têm nomes.
Elas são e é o bastante,
como é suficiente o amar.
O simples saber que os nomes
são humanos, faz-me desconsiderá-los.
Se as coisas humanamente nomeio
invisto-as de defeitos
e da falsa existência.
Para não conspurcá-las
olho-as e deixo que m’invadam
os sentimentos e sentidos.
Deixo-as serem. E basta.
Então sou também Deus
por sentir sem classificar,
apenas procurando deixar-me
penetrar pelo que sinto
como faria Deus,
que não lê relatórios matinais
sobre o comportamento das almas
na bolsa celeste.
Quando amo as rosas
sustento-me de Deus
e me perdôo em levezas.
Trafego entre meus iguais
como o estrangeiro que é repudiado
por desconhecer a língua,
buscando a solidão para acompanhar-se.
Quando começo a compreender
certos mistérios,
aproximo-me das rosas
achegando-me à linha divisória.
Cada vez mais perto,
principio a amar a todos os vegetais,
os animais, os astros, as pedras
e desfruto do prazer divino
de entender que nada é preciso
para ser, existir.
E quando assim, sinto-me nada
atingindo o ápice de tudo.
E lanço olhares ao mundo
numa última tentativa de amar,
nem que seja às rosas.
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