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Ensaios-->A insustentável leveza do crer -- 07/10/2008 - 09:26 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A insustentável leveza do crer

Daniel Piza

A História, parteira de ironias, fez mais uma das suas na semana que passou. Enquanto as bolsas do mundo despencavam - a Bovespa mais do que todas - levando o dólar a namorar os dois reais, o governo brasileiro tentava se equilibrar num discurso curioso. O presidente Lula foi obrigado a deixar de lado suas bravatas sobre a suposta invulnerabilidade brasileira e seu novo bordão 'a crise é do Bush'; ao mesmo tempo, Guido Mantega e Henrique Meirelles, quais Pedro Malan e Armínio Fraga redivivos, tartamudeavam elogios aos sólidos 'fundamentos' da economia brasileira. O que mais se via eram os afundamentos dos índices e das expectativas.

Há na cultura brasileira um gosto peculiar para fantasiar os pequenos ajustes como grandiosas mudanças. Quer tucana quer petista, a política econômica recente se basta em dois ou três avanços - que em outros lugares já eram pontos de partida havia tempos - para dizer que estamos 'quase lá'. No governo FHC, foram a estabilidade monetária (juros altos para conter a inflação) e o câmbio flutuante (pós-Gustavo Franco, é claro); no governo Lula, a desdolarização da dívida e o aumento das reservas internacionais, além do crédito subsidiado. Quando a promoção do Brasil ao 'investment grade' por algumas agências de risco foi anunciada como resultado de tudo isso, a propaganda oficial festejou como se fosse a Copa do Mundo da economia.

Não por acaso, as mudanças mais demoradas e profundas, que muito podem ajudar os países que passam por crises de curta duração, ficaram em segundo plano. Nem tucanos nem petistas fizeram as reformas que prometeram, como a política e a judiciária; ignoraram em especial a tributária, que significaria interromper a escalada dos impostos e permitir melhora no ambiente de negócios e criação de empregos qualificados. Pouco atuaram no sentido de salvar o sistema de educação brasileiro, que continua muito longe de atingir o 'investment grade' nas avaliações de qualidade mundial. Ajustes aqui e ali, dados estatísticos acolá - e tudo continuou no mesmo lugar. Puxa, mas a inflação está baixa e a economia em crescimento!

Tal incapacidade de fazer reformas de verdade, que desmontem privilégios e queimem etapas, atravessa a história do Brasil, mas chama a atenção em dois partidos cujos programas se dizem comprometidos com a idéia de reforma - e que fazem hoje, nas eleições municipais, o ensaio para a sucessão de 2010. Continuamos a viver sob o mesmo modo oligárquico do poder, em que a conciliação serve menos à harmonia coletiva do que aos interesses particulares. Cada governo repete um padrão ancestral: aumenta os gastos, mas não os investimentos; diz combater a corrupção, mas ela reaparece cada vez mais escandalosa; comemora a lenta redução da desigualdade, mas não tem a menor idéia de como acelerar esse processo.

Que essa aceleração é fundamental ninguém parece compreender. O Brasil consegue ter desigualdade maior do que as de China e Índia, países com mais de um bilhão de habitantes cada. Metade dos nossos habitantes não tem acesso à rede de esgoto. Regiões como a Nordeste e a Norte concentram a maioria dos miseráveis e das pessoas que ainda mantêm taxa de fertilidade do século 19 - ou seja, geramos mais brasileiros nos lugares onde há menos condições para criá-los -, mas a direita detesta ouvir falar em desenvolvimento regional e a esquerda nem sequer concebe debater a necessidade de planejamento familiar. O analfabetismo é alto, especialmente o funcional, e existe dentro das salas de aula; além disso, metade dos jovens não chega ao ensino médio.

Mas está tudo bem, estamos avançando, o copo está enchendo... Um exemplo primoroso foi dado pelo ex-ministro Célio Borja em entrevista a Dora Kramer, no caderno especial deste Estado, ao comentar como o Brasil tem se saído nos 20 anos desde a Constituição: 'Muito razoavelmente bem.' O que quer que isso signifique dá uma idéia da bonomia nacional. A Constituição é exagerada, formalista e confusa, um bom exemplo às avessas da falta de método brasileira. Tentou legislar até a taxa de juros! E, com suas CPIs e MPs e outros instrumentos distorcidos, criou uma situação que já descrevi da seguinte forma: o Legislativo julga, o Executivo legisla e o Judiciário executa - ou fingem que o fazem. Mas tudo segue 'muito razoavelmente bem'.

É o mesmo que pensa, afinal, a grande maioria dos brasileiros a respeito da escola onde seus filhos estudam. Enquanto isso, os acadêmicos daqui e d?além-mar têm absoluta certeza de que um acordo ortográfico - mais um remendo em lugar de uma reforma - vai facilitar o ensino do idioma e aproximar os povos lusófonos. Tirar alguns acentos ajuda, mas precisava eliminar também os diferenciais como em 'por/ pôr'? E por que diabos 'guarda-chuva' tem hífen e 'mandachuva' não? O problema dos meninos é interpretar textos, e a ortografia diferente - como existe entre o inglês da Inglaterra e o dos EUA - não impediu o moçambicano Mia Couto de amar o brasileiro Jorge Amado.

Mas nenhum acontecimento da semana foi tão representativo das auto-ilusões brasileiras quanto a divulgação de dados sobre a Amazônia. Quer dizer então que os maiores desmatadores da floresta são os assentamentos do Incra, muitos deles ocupados por índios e sem-terra? Que não é apenas a cobiça dos grandes produtores exportadores que devasta nossa biodiversidade? O ministro Carlos Minc mandou que desengavetassem esse levantamento - pois o poder continua a acobertar o que quiser da imprensa brasileira, salvo quando tem algum conflito interno - e depois da repercussão disse que havia falhas nele, etc. O fato é que sabemos muito pouco sobre o estado real da floresta, como sobre tantas outras coisas do Brasil. Mas os crédulos, majoritários, crêem. Mudar para quê?

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