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Ensaios-->Paulo Freire e a Revista Veja -- 16/09/2008 - 16:39 (Ivan Guerrini) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Este artigo foi escrito por Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo. De novo, a Veja em pauta, agora falando 'verdades' sobre Paulo Freire. As propagandas da revista, em busca desesperada de novas assinaturas, permeiam a net e muitos são cooptados. Interesses não faltam. Se duvidam, vejam o blog do Nassif. Os surdos de percepção são ainda muitos, portanto, há espaço... Antes do artigo, vejam o vídeo que está em:

Portal Brasileiro da Filosofia www.filosofia.pro.br

Segue o artigo:

Discute-se a questão da exigência do diploma para a profissão de jornalista. O assunto está na crista das polêmicas atuais. Creio que a discussão vem a calhar, mas deveria ser deslocada para a questão da qualidade dos cursos de jornalismo. Não é só o curso de Direito e o de Administração que estão dando mostras de não formar ninguém. Há muito o curso de jornalismo vem se equiparando ao de Direito na produção de pessoas que não poderiam trabalhar na profissão designada pelo curso.

O exemplo mais vivo disso é o artigo de duas meninas (são jornalistas formadas?) na revista Veja de 20 de agosto de 2008, falando sobre Paulo Freire. É visível que nunca sequer abriram um livro de Paulo Freire. É visível também que estão sob lavagem cerebral, pois ninguém pode, com liberdade e inteligência, escrever que Paulo Freire é “autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização”.

Elas ligam a figura de Chê Guevara a Paulo Freire, para desancar o educador. Ele estaria mais ao lado da guerrilha do que da alfabetização.

Bem, se as duas garotas pudessem ir além do que são e respeitar a exigência de uma boa formação em jornalismo (o mesmo vale para Roberto Romano – que elas citam – que por mágoa pessoal e nada de divergência teórica passou a atacar Paulo Freire de maneira baixa e policialesca nos corredores e na burocracia da Unicamp, nos anos 90 – na época, eu escrevi uma carta para ele, protestando), elas iriam poder notar que nos Estados Unidos não são “os trabalhadores” ou “os oprimidos” que usam o método Paulo Freire somente. Várias prefeituras de cidades americanas experimentaram o método não para um trabalho direcionado para a consciência daqueles que Florestan Fernandes chamava “os de baixo”, mas para a ampliação da consciência política dos “de cima” de modo que eles pudessem compreender as reivindicações dos “de baixo”. Muitos viram que o método Paulo Freire ajuda na redescrição (Rorty) que os jovens mais ricos podem fazer dos mais pobres, compreendendo suas dificuldades. Em vez de se produzir aí a guerrilha e o conflito, o que se cria é uma transformação pacífica e duradoura. Essa descoberta, aliás, havia sido prevista por Freire e experimentada em outros lugares (na Nova Zelândia, por exemplo, onde trabalhei com freirianos).

É interessante notar que uma das testemunhas dessa utilização mais universal do método Paulo Freire é exatamente alguém que, por formação, preferiria a via do conflito mais radical, talvez no velho estilo dos confrontos físicos. Trata-se do professor Peter McLaren, em um belo texto chamado “Paulo Freire e o Primeiro Mundo” que está no livro Paulo Freire – uma biobliografia (Cortez, Unesco e IPF, 1995), livro que tive o prazer de resenhar na época de sua publicação, a pedidos da Folha de São Paulo e Jornal de Resenhas. Ainda como na época, acho que este texto de McLaren diz mais que muitos outros sobre Freire. Capta o verdadeiro espírito da filosofia da educação de Freire, de quem, aliás, fui aluno.

Tenho várias divergências com a filosofia da educação de Paulo Freire. Em parte, concordei com meu outro professor, Dermeval Saviani, sobre alguns traços populistas que poderiam emergir da filosofia da educação de Freire. Debatemos isso nos anos 80. Mas exatamente por debatermos isso, utilizamos Paulo Freire como Freire gostaria de ser utilizado, ou seja, criticamente. E é isso que aparece no texto de McLaren: Paulo Freire sendo utilizado para a consciência dos ricos, não só dos pobres, para o favorecimento da vida democrática. Uma atitude deweyana.

Ou seja, a filosofia da educação de Paulo Freire não é uma filosofia necessariamente do conflito absoluto, e sim da divergência que pode ser superada pelo diálogo. Seria um contra senso que a filosofia de Freire, que se obriga a ser uma “pedagogia do diálogo” (veja o vídeo que acompanha este texto), não pudesse resolver problemas pelo diálogo, sendo apenas uma apologia da violência, um culto a Chê Guevara.

Vamos colocar as coisas de modo correto. Guevara jamais foi admirado por Freire por ser guerrilheiro, e sim por ser rebelde. Freire sempre amou a rebeldia. Mas Freire nunca andou armado ou sequer fez parte de grupos armados. Quando esteve em Cuba, Fidel lhe disse: “Paulo, é ótima essa crítica que faz do capitalismo, mas você deveria poupar a nós, socialistas”. E Freire sorriu e continuou falando do machismo cubano e da falta de democracia em Cuba, irritando até mesmo brasileiros que eram seus amigos. Ou seja, antes de tudo, a filosofia da educação de Freire devia muito mais a John Dewey e aos Estados Unidos, pela via de Anísio Teixeira, do que a qualquer marxismo dogmatizado que lhe caiu no colo ao longo da carreira. E isso ele deixava claro pelas opções de leitura que fazia no tempo em que fui seu aluno na Universidade Católica.

Naquele tempo os cursos de graduação e pós funcionavam. Podíamos se de esquerda para além do que deveríamos ser, talvez, mas não éramos de esquerda pelo modo que as garotas da Veja, de hoje, são de direita, não tínhamos sofrido de lavagem cerebral. Tanto é que a maioria de nós, mesmos os mais radicais, nunca deixaram de perceber que o que mais favorecia uma posição de esquerda sólida era a democracia. Fora da democracia, nada seria interessante. Dermeval Saviani havia optado pelo PC do B! E ninguém incentivava mais a democracia que ele. E não como estratégia apenas, e sim como objetivo final. Se isso era um contra senso, não sei, mas isso vinha a desembocar na minha posição, de defesa da democracia como um ponto do qual não se poderia abrir mão em hora nenhuma – nunca.

Jamais vi qualquer honestidade crítica em quem disse de Paulo Freire coisas que o comprometiam com a não-democracia.

O método Paulo Freire tem um segredo de polichinelo: a consciência política vem junto com a habilidade técnica com a linguagem e vice-versa. Caso isso não ocorra, o educador não conseguiu trabalhar com o método. O método não falha nisso. Ele é intrinsecamente um método de envolvimento fecundo com a linguagem. Para aprender a ler e a escrever é necessário ir andando pelo conhecimento da linguagem em suas estruturas gramaticais que são (como Nietzsche mostrou) estruturas de poder. Não é que para ler e escrever é necessário conhecer a língua como um gramático ou lingüista e, a partir daí, por análise, poder ver seu comprometimento com destinos sociais. É necessário entender como que a linguagem e os jargões que hierarquizam as pessoas são uma e mesma coisa. E isso se faz na pedagogia freireana no uso da linguagem enquanto um uso que importa, que interessa, que motiva os que estão envolvidos no círculo de cultura que favorece o aprendizado. Então, ao ampliar a consciência política – em favor da democracia – aprendemos a manusear a linguagem e o aprendizado da escrita e da leitura sai como que em um processo natural do círculo de cultura freireano.

Quem experimentou o método se encanta porque ocorre um milagre com ele. Quando se menos espera, as pessoas estão lendo e escrevendo e ao mesmo tempo tendo um entendimento bastante profundo do que lêem e escrevem. Mas quem, como as duas garotas de Veja, não foram alfabetizadas corretamente, realmente é difícil entender como que um método de alfabetização pode ou não funcionar.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo


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