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Contos-->2021 - Uma Popozuda sob Bombardeio Americano -- 17/12/2002 - 16:54 (Sérgio Taboada) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ela estava atônita na frente da velha televisão.Pouco importava se outros tinham aparelhos digitais ou computadores falantes. Obombardeio sobre Manaus, realizado por aviões americanos, ingleses ecanadenses, com apoio de países como Argentina, Chile e a cumplicidade ativa daEuropa era do mesmo jeito incompreensível, naquelas imagens tremidas do modelode televisor comprado em 2006. Ela sabia apenas que tudo começara, quando umConselho da ONU aprovara resolução considerando a Amazônia área sobreadministração internacional. Questões como ecologia e biodiversidade, que nãoentendia bem, pareciam estar no centro da confusão. Mas isso ocorrera há doisanos. Transcorria agosto de 2021 e só agora a crise tinha chegado aquele nível.Antes foram muitas reuniões, ameaças, congelamento de investimentosinternacionais e expulsão de embaixadores de lado a lado. O Brasil estavaisolado no cenário mundial, já que seu governo se recusara sistematicamente areconhecer o direito dos outros países no gerenciamento de sua floresta.
__Pô! O mais chato é que havia alguns índios do lado dos americanos! Pensou comindignação.
Tinha um sentimento sincero, mas confuso depatriotismo e por isso não se importava muito com tudo aquilo, a não ser no diaem que os aviões estrangeiros sobrevoaram as cercanias de São Paulo paraintimidar o país. É. Não entendia mesmo o que estava ocorrendo. O que mais lheatormentava era a situação em que vivia. Triste. De penúria. Seu filho Xandefora morto num assalto há alguns meses, pela polícia e Carla a filha de 14anos, trabalhava numa pequena firma de reciclagem. Não tinham casa.Perambulavam de aluguel em aluguel e, com o pouco dinheiro, conseguiam barracosmal acabados, de onde sempre eram despejados.
Não visitavam os shoppings e praças centrais.Além da falta de dinheiro, quase nada entendiam do que se conversava nestasregiões beautifuls da city. Uma nova língua funcionava nesses lugaresmisturando português e English nas falas, in the plates, tabelas de preços e"chóps". Era o "portinglês". Em alguns locais desses já se falava apenas alíngua estrangeira com accent north-american.
Após o último filme encostou-se na cama que era oúnico móvel no quarto do casebre âmbar e suas lembranças de toda noite vieram àtona mais uma vez. Era assim sempre. Algo dentro de si estava em guerra com suahistória. Em 1994 era adolescente, quando surgiu para o sucesso um grupo antigochamado "Gera-Samba", se não lhe falhava a memória, que depois passou, istotinha certeza, a ser denominado "É O Tchan". Naquele tempo a dança da bundinhase transformou numa onda geral. Uma loucura! Crianças, jovens, velhos, magros,gordos, todo mundo dançava rebolando os quadris, bem gostoso, quase imitando umato sexual explícito. A onda cresceu legal. Grupos e mais grupos foram surgindocom músicas que só falavam de bundas e bundinhas. Sua artista preferida era umadançarina loira, que, muito rica e idosa ultimamente se convertera a uma destasseitas religiosas que consideravam o computador a última criação de Deus.Admirava também, uma morena que de Tiazinha e depois Mamãezinha, agora erachamada de Vovozinha e estava estreando um filme pornô: "A Vovó comeu o Lobomau!"
Clarisse, era este seu nome, logo se destacou nobairro onde morava. Morena bonita, olhos castanhos, ar de sapeca era mesmo"boazuda". Adorava quando no meio da música o cantor gritava coisas do tipo __"Safada"! __ "Gostosa"! __ "Danadinha"... Sentia como se fosse pra si emaliciosamente fazia de conta que não percebia quando os marmanjos mais afoitosdavam uma raladinha. E ela dançava pra valer! Com o tempo foi cada vez maissendo requisitada nos bailes e festas. Os namorados foram pintando. A maioriasó interessada em transar, o que foi ficando natural. E ela namorava pra valer!Transava com camisinha e de qualquer jeito. Tomava sempre anticoncepcional porprecaução. Não estudava. Enrolava nas aulas. Fazia de conta que aprendia.Enfim, a vida era sensacional. Quando tudo estava ficando um pouco rotineiroapareceu a nova onda da "bundalização" como alguns chamavam. O Funk dasPopozudas. Foi este termo usado para todas as meninas dos glúteos proeminentes,que caiu pra ela como uma luva: "Popozuda"! Quando ouvia alguém pronunciar emsua direção, os quadris comemoravam automaticamente. Com vaidade, até lembravade uma velha canção que ouvira ao violão de amigos do seu pai cujo início erasempre cantarolado por ele. "Olha que coisa mais linda mais cheia de graça/ éela a menina que vem e que passa/ num doce balanço a caminho do mar". Era defato uma bela música, embora um pouco antiquada. Ouvira dizer que surgira dainspiração de um poeta por uma morena das praias de Ipanema no Rio de Janeirohá muitos anos. Bom, popozuda não era assim poético, mas em compensação tinhauma agressividade erótica animal, visceral. Às vezes, conforme fossepronunciado, dava até tesão. E a vida foi passando entre namoros e bailes,bailes e namoros até que surgiu a oportunidade de se profissionalizar.
No começo foi demais! Pintava uma grana, às vezesuns tapinhas que não doíam muito e na hora do sexo era gostoso ouvir ainda maisalto os gritos do macho: __ VOU COMER SEU POPOZÃO! Aliás, um refrão de músicana época. Apesar dessas loucuras, até aí tava "tudo dominado". Só que devagar,sem ela perceber, foi pintando sujeira. Começou com um baseadinho, depoiscocaína, o novo LSD e por fim experimentou quase tudo. Dava mais prazer ealguns clientes exigiam drogas no cardápio.
A vida passou a transcorrer entre bailes eprogramas. Um Caleidoscópio. Novas e novas coreografias vulgares foram surgindoe passando tal qual um banho de mar onde as ondas molham nosso corpo e semisturam adiante nas águas, enquanto outras aparecem repentinamente da suaimensidão para nos divertir sem parar. Coreografias inventadas pela fome delucro fácil de meia dúzia de cafetões incrustados no meio fonográfico e namídia brasileira. Apareceu até o Rap do Vajudão em que as garotas eram chamadasde "vajudas", conforme o tamanho da fantasia masculina. Nos bailes os maisousados tiravam a roupa no salão por alguns momentos e mostravam suasvergonhas, como diria Pero Vaz de Caminha. Outros, até transavam sob aplausosda platéia. Isto gerou evidentemente protestos violentos do pessoal doMovimento Hip Hop, que não admitia ver o Rap tematicamente tão deturpado. Elaaté que chegou a ir a algumas dessas festas, mas gradualmente começou a sentirum distanciamento das pessoas. Pouco interesse dos homens, amigas sumindo,dinheiro encurtando. Seus filhos, que tinham nascidos de dois vacilosimperdoáveis, pagando um preço alto. Um com a própria vida. Carla com aexistência. Uma popozuda pode não ser uma boa mãe, mas ama seus filhotes esofre por eles. Foi então percebendo que algo importante estava ocorrendo aoseu redor. O tempo tinha passado. Seu popozão outrora tão cobiçado tinha caído.E agora? A Popozuda, apelido que ficou pro resto da vida estava perdida no seutempo. Só lhe restava a favela e a tristeza. __ Se pelo menos tivesse concluídoo ensino médio... Estava ali, sem entender sua vida, sem entender o mundo,sequer direito o que via na televisão velha.
Mas a solução de certos problemas muitas vezessurge como numa providência divina. Certa noite consumia sua aflição elembranças à beira da cama, quando uma explosão ensurdecedora atingiu seustímpanos. As sobrancelhas, naqueles centésimos de segundo, ainda se preparavampara formar uma imagem de surpresa oblíqua em seu rosto, quando um silêncio euma escuridão abrupta tomaram conta da sua mente. No dia seguinte o mundo via amesma manchete fabricada, repetida na imprensa mundial:
" Aviões da Aliança Pela Natureza Bombardeiam São Paulo"
Vinte alvos militares foram destruídos em ataques cirúrgicos
Clarisse, a Popozuda, dormiu então, com outrosmilhares de brasileiros o sono dos inocentes e vítimas do seu tempo. Um anjo deasas metálicas, que nunca fora destinatário de suas preces veio voandosocorrê-la. Seu sofrimento e de toda a favela tinha sumido sem que ninguémesperasse. Dias depois, o Brasil das popozudas, da violência, da destruição danatureza, da infância desrespeitada, do desemprego, dos sem educação, da mídiainescrupulosa e da barbárie, assinava um termo de capitulation, que consideravaa Amazônia, área sob administração internacional.


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