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Ensaios-->O PAPEL DA FILOSOFIA NA DESCONSTRUÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO -- 02/07/2008 - 11:55 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O PAPEL DA FILOSOFIA NA DESCONSTRUÇÃO DO TEXTO LITERÁRIO

João Ferreira
23 de outubro de 2007


Durante muitos anos, tivemos como dominação teórica, no estudo da Literatura, a crítica do formalismo russo. Segundo o teor crítico do formalismo russo, o conteúdo de uma obra literária não tinha valor em si mesmo. Era apenas a motivação da forma e não o contrário: a forma como expressão do conteúdo. O Dom Quixote, por exemplo não era considerado como uma obra sobre o personagem Quixote. O personagem era considerado apenas como um artifício para se reunirem diferentes tipos de técnicas narrativas.
Desde alguns anos para cá, a perspectiva dos estudos literários mudou seu eixo de análise e os caminhos da crítica se diversificaram. As principais disciplinas dos estudos literários passaram a ser a história literária, a crítica literária, a teoria da literatura e hermenêutica. Num panorama de análise mais livre se estudava o formalismo russo, o new criticism, a estilística, o estruturalismo e a semiótica literária. E a literatura passou a ser estudada em várias luzes também: A literatura como mimese, a literatura como linguagem,a literatura como ficção, a linguagem literária. Após os importantes estudos de Umberto Eco, o texto literário passou a ser estudado como obra aberta e polissêmica. De acordo com as teorias de teórico francês Gerard Genette o texto passou a ser considerado como um arquitexto onde categorias fundamentais da obra literária se acham condensadas, que podem ser descobertas na prática, pela análise e pela desconstrução.
Este é um micro-panorama das escolas críticas do século XX. Se porém tentarmos percorrer um caminho de maior independência crítica tentando uma leitura desamarrada de modismos, poderemos chegar a uma prática da leitura literária onde a grande verdade analítica e hermenêutica poderá ser chamada de epistemologia literária.
Chamamos epistemologia literária a uma leitura global intertextual e interdisciplinar onde no ato de leitura associamos para a clarificação do texto a ajuda de todas as matérias envolvidas no processo da leitura literária. A nossa leitura resulta do recurso a todos os conhecimentos úteis à operacionalização da leitura do texto até termos um sentido ou uma opinião hermenêutica sobre o texto,. Essa opinião chamaremos de doxa literária. Ela é resultado da associação de vários elementos teóricos, analíticos e críticos culturais e hermenêuticos que nos dão um sentido de leitura.Pelo meio desta visão de leitura passarão todos os elementos ativos de que precisarmos e que extrairemos da teoria da literatura, teoria hermenêutica, teoria e prática da análise literária, teorias lingüísticas estilísticas e hermenêuticas, metodologias críticas de acesso ao texto, das teorias ensaiadas pelos caminhos atuais da crítica, principalmente experiência crítica, estilística das formas e estilística dos temas, perspectivismo, crítica da história das idéias, sociologia da literatura, crítica literária psicanalítica. É no bojo da epistemologia literária que faz a concentração de esforços para tornar o texto legível e compreensível que aparece um lugar especial para a filosofia.
E é exatamente para falar do papel da filosofia na desconstrução do texto literário que estou aqui.
A primeira pergunta naturalmente que vocês irão me fazer é esta: e o que é afinal a filosofia?
Temos todo um rosário de buscas sobre a natureza da filosofia. Sobre essas buscas a história da filosofia antiga, medieval, moderna e contemporânea dão todo os testemunhos. Vêm depois as introduções à filosofia que ensaiam também uma maneira de entender a filosofia. Entre as mais modernas citamos a obra Was ist das die Philosophie de Martin Heidegger ou Que és la filosofia de Ortega y Gasset ou o Elogio da Filosofia de Merleau-Ponty. E uma infinidade de propostas. Mas não estamos aqui para fazer um relatório das pesquisas filosóficas. Queremos saber simplesmente o que poderíamos entender por filosofia quando falamos dela a propósito da desconstrução do texto literário. Em primeiro lugar, a filosofia é uma atividade do pensamento com um certo nível de rigor na prestação de interessantes serviços culturais e racionais para o esclarecimento de questionamentos relativos à posição do homem no mundo, e ao processo da teoria do conhecimento e natureza da linguagem. Ela é, no fim de contas, uma força dialética da razão e do pensamento devidamente organizada. A filosofia, depois de longo exercício pode significar a estruturação do pensamento e da linguagem. Se recorrermos à História da Filosofia teremos uma idéia concreta de quanto ela contribuíu para estruturar nossa linguagem. Isso, desde os gregos e romanos e através de todas as correntes e escolas. Não vou pedir para vocês que vejam um dicionário técnico de vocábulos e termos filosóficos num dicionário de Filosofia. Eu convidaria simplesmente vocês a pegar o Dicionário do Aurélio e a verificar quantas palavras foram criadas, pensadas, definidas e tratadas pela filosofia. Todas as palavras fundamentais de nossa linguagem vieram da filosofia. Só para lembrar algumas em torno das quais fazemos girar todo o entendimento de nosso mundo. Ser, estar, objeto, coisa, aparecer, substância, acidente, tempo, lugar, modo, quantidade, qualidade, hábito, pessoa, indivíduo, forma, ato, potência, possibilidade, saber, conhecimento, ciência, filosofia, sabedoria, pensar, fazer, dúvida, questão, ignorância. Ao nos emprestar a parte básica da linguagem, a filosofia nos ensinou a pensar. Depois de nos ensinar a pensar nos colocou frente à grande problemática do mundo, tentando treinar nossa mente para os questionamentos mais importantes.
Mesmo que oficialmente lingüistas e teóricos da literatura e críticos literários não mostrem dar essa importância à filosofia, a verdade é que as pessoas não deixam de recorrer direta ou indiretamente ao seu uso. Ao falar da presença direta ou indireta da filosofia no texto literário, há um primeiro dado a ter em consideração, que é a influência de correntes filosóficas na formação e estruturação mental de muitos escritores. Mas há dois aspectos importantes que desejamos lembrar aqui. O primeiro deles é saber como é que a cultura filosófica contribui para o exercício da hermenêutica literária. E o segundo como é que se dá a intervenção da filosofia na desconstrução operada pela leitura.

A contribuição da Filosofia para a decodificação do texto literário

Desconstruimos o texto literário quando como receptores o lemos e o analisamos. Quando em nossa leitura e análise, tentamos dar-lhe uma interpretação ou manifestar nosso ponto de vista. A leitura é uma simbiose interessante. É o momento em que o leitor mistura sua cultura com a cultura do autor, quando lê, questiona, alarga o horizonte do questionamento e da temática, projeta novas hipóteses, anima, movimenta, aprofunda, qualifica. Tudo isto é ato e psicologia da leitura. O autor apresenta ao leitor uma unidade de signos, estruturas, isotopias, micro-narrativas, uma armação técnica baseada na palavra literária, também chamada de palavra artística.
Aqui surge a pergunta necessária.
Podemos afirmar nos tempos de hoje, em pleno século XXI, que os conhecimentos filosóficos podem ajudar na leitura e desconstrução de um texto literário. Se podem ajudar, vem uma segunda pergunta que é: de que maneira a filosofia pode ajudar a desconstruir o texto literário?
Para respondermos concretamente a esta pergunta vamos considerar um texto literário bem brasileiro. O Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa.
Trata-se de um livro de alta literatura, muito trabalhado e de grande beleza e complexidade,e que ao mesmo tempo exige uma cuidadosa hermenêutica em grande parte de nível filosófico. Questões de profunda significação filosófica a toda a hora repetidas por compadre meu Quelemém como “viver é muito perigoso” e outras. Vale a pena fazer uma amostragem do texto:
“Viver é muito perigoso...Querer o bem com demais força, de incerto jeito, pode já estar sendo se querendo o mal, por principiar. Esses homens. Todos puxavam o mundo para si, para o concertar consertado. Mas cada um só vê e entende as cousas dum seu modo[...] Que o que gasta vai gastando o diabo de dentro da gente, aos pouquinhos, é o razoável sofrer. E a alegria de amor –compadre meu Quelemém diz. Família. Deveras? É e não é. O senhor ache e não ache. Tudo é e não é...Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre é muito bom marido, bom filho, bom pai, e é bom-amigo-de-seus- amigos! Sei desses. Só que tem os depois – E Deus junto. Vi muitas nuvens”(GSV 16 e 12.
Este texto e muitos outros são textos que não têm a evidência em si mesmos. São textos para explicar. O Grande Sertão Veredas é dos livros que pedem uma explicação, uma hermenêutica de sentido para muitos problemas aí visados: “o homem é um ser misturado”. “Tudo é e não é” “O problema do mal”, o “lado sombrio das coisas” (“eu atravesso as coisas e no meio da travessia não vejo” (GSV 30), “A gente viemos do inferno – nós todos- compadre meu Quelemém instrui “ (GSV 40). A obra tem seus labirintos e a palavra recebe a missão de explicar a própria palavra por metodologia científica e através de matérias aptas para esse fim.
Nestes e outros textos labirínticos e metafísicos é chamada a Filosofia a ajudar a obra hermenêutica.
Em primeiro lugar, a Filosofia é usada como instrumento racional, como diánoia, como pensamento, no sentido socrático do termo, a fim de ser provocado o parto das idéias. Ela vai buscar o sentido oculto e profunda das palavras, o esclarecimento, o bater da luz na sombra das palavras.
Em segundo lugar a Filosofia surge na interpretação do texto com sua força de pensamento estruturado, seja pelo seu lado processual dialético e lógico, seja por seu treinamento em linguagens mais obscuras e profundas, seja por sua aptidão em poder contatar oficialmente com o problema do conhecimento em si e com as temáticas de caráter metafísico, gnosiológico, psicanalítico, mítico e dialético.
Inicialmente quando fazemos a primeira leitura de um texto, o texto aparece como uma nebulosa. Para que ele deixe de ser nebulosa e passe a ser um limpo e perceptível em suas feições, há submetê-lo, segundo Carlos Reis, a vários níveis de análise, desde o pré-texto (história literária) até à crítica sociológica, psicanalíticas, pesquisa estilística, análise estrutural e até análise semiótica, onde se deparará com os vários códigos técnico-literários, estilísticos, técnico-narrativos, até aos códigos temáticos e ideológicos. Em todo esse percurso de análise busca de entendimento, entra a Filosofia como interventora espetacular e como ordenadora de certos níveis teóricos e críticos da palavra. E é aqui que a Filosofia assume sua mais alta missão dentro da desconstrução: ela será a força estruturadora d palavra crítica e hermenêutica, junto do analista crítico e do hermeneuta. Não poderemos esquecer nunca que é da Filosofia que vem toda essa torrente retórica e crítica que já dividiu com outras áreas seu patrimônio crítico, hermenêutico e lingüístico.
Se a hermenêutica é o caminho da intelecção e da compreensão e se há um exercício da razão filosófica na descontrução é importante mostrar qual é o lado operacional da Filosofia na desconstrução.
Para começar diríamos que há vários tipos de textos literários. Alguns são poemas lírios, outros poemas épicos, outros textos dramáticos e outros apenas textos ficcionais de novela ou de teatro. Todos com um interesse próprio.
No meio da selva produzida no mundo do livro porém há textos literários que contêm uma profunda carga de problemática filosófica. Cito entre esses textos, por exemplo, O Primeiro Fausto de Fernando Pessoa, o Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa, O Regresso ao Paraíso de Teixeira de Pascoais, o Cântico do Homem de Miguel Torga, o Jean Barois de Martin du Gard, prêmio Nobel de Literatura, boa parte das obras de Dostoiewski, e entre elas, Crime e castigo, várias obras de Kafka, de Sartre, de Albert Camus, peças teatrais de Ionesco, de Brecht, de Samuel Bekett e de outros autores.São obras em que os personagens carregam uma problemática existencial profunda, angústias, dúvidas, discutem problemas metafísicos, abstratos ou filosóficos ou levantam questionamentos de tipo inteiramente extra-literário. A forma some e aparece a problemática como pressão na mente do leitor.
Achamos útil mostrar, para análise de fundo filosófico de certos tipos de texto literário, o soneto 'Tormento do Ideal' do poeta português Antero de Quental (1842-1890), figura importante do realismo português.O texto pode valer como instrumentação hermenêutica para estudo das relações entre filosofia e literatura.


TORMENTO DO IDEAL

Conheci a beleza que não morre
E fiquei triste. Como quem da serra
Mais alta que haja, olhando aos pés a terra
E o mar, vê tudo, a maior nau ou torre

Minguar, fundir-se, sob a luz que jorre
Assim eu vi o mundo e o que ele encerra
Perder a cor, bem como a nuvem que erra
Ao pôr do sol e sobre o mar discorre

Pedindo à forma em vão, a idéia pura
Tropeço em sombras na matéria dura
E encontro a imperfeição de quanto existe

Recebi o batismo dos poetas
E assentado entre as formas incompletas
Para sempre fiquei pálido e triste!

Antero de Quental


Além do soneto anteriano acima transcrito, muitos outros textos podem ser aduzidos para constituírem um corpus próprio que autoriza a análise da conexão que existe na linguagem tipicamente filosófica de certos textos literários. Algo que em ocasião oportuna poderemos devidamente constituir e analisar.


João Ferreira
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