Usina de Letras
Usina de Letras
200 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140786)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6176)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->O Primeiro Líder Comunitário de Passo Fundo -- 10/06/2008 - 09:39 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O Primeiro Líder Comunitário de Passo Fundo

Paulo Monteiro (*)

Está em moda o título de “líder comunitário”, divisa da qual têm se servido os mais diversos tipos de indivíduos. A liderança comunitária, porém, exige algumas características especiais, para que responda aos verdadeiros interesses comunitários. Entre elas podem ser destacadas: conhecimento dos grupos políticos em ação, dos interesses em disputa, posicionamento claro em favor do segmento prejudicado, desprendimento pessoal e determinação para arcar com toda e qualquer conseqüência que possa advir do enfrentamento. Mas, acima de tudo, deve ser incorruptível.
Todas esses caracteres encontraremos nos anos de 1928 a 1931 reunidos em uma pessoa: Gomercindo dos Reis. Revela-nos o estudo do confronto entre a comunidade da atual Vila Rodrigues com o loteador, coronel Faustino Rodrigues, o poder público municipal, e o especulador imobiliário (ou testa-de-ferro) Brasilico Lima.
Ao investigarmos a história de Passo Fundo descobrimos que a Vila Rodrigues começou a ser povoada em 1918. Nove anos depois o loteador vendeu parte da Praça Brasil à congregação das Irmãs de Notre Dame. No ano seguinte (1928), surgiu um movimento em que os “mais de três mil moradores” se opuseram ao negócio. À frente da mobilização estava Gomercindo dos Reis, poeta, publicista, político e pesquisador da história de Passo Fundo, um dos fundadores do Grêmio Passo-Fundense de Letras em 7 de abril de 1938.
Tudo começa em 1927 quando Faustino Rodrigues vendeu metade da praça à Congregação das Irmãs de Notre Dame, que ali pretendiam construir uma casa para ministração de aulas aos meninos das redondezas, em grande parte filhos de ferroviários.
No dia 10 de agosto de 1928 o intendente (prefeito) Armando Annes, recebia abaixo-assinado rezando que “quando a vila foi organizada, o coronel Faustino Rodrigues fazia questão de salientar que a vila contaria com praça arborizada, quiosque, luz elétrica, igreja, ruas abertas, etc.”. Promessas não cumpridas. O logradouro, durante uma grande festa, fora batizado como Praça Brasil, mas acabou sendo cercada e usada como propriedade particular do coronel loteador. Este se defendia afirmando que vendera a praça, mas dera parte para a construção de uma escola. Tudo isso se tornou público em matéria intitulada Protesto contra a venda de uma praça, na primeira página de O Nacional, edição de 15 de agosto daquele ano.
Três dias depois, em artigo sob o mesmo título (O Nacional, p. 1), assinado por “Dr. R.” os moradores contraditados. Perguntava-se-lhes o porquê de não terem protestado quando, dois anos antes, se anunciou o oferecimento da mesma área para as religiosas construírem seu colégio ou na ocasião em que a Praça da República (atual Ernesto Tochetto) foi reduzida à metade para a construção da Escola Elementar (hoje Protásio Alves) ou na época em que uma praça do Boqueirão deu lugar a um colégio metodista (Instituto Educacional).
A 22 de agosto, na primeira página, em matéria claramente editorial, intitulada Será tão difícil compreender, O Nacional salientava a importância do tema e que publicaria tudo o que dissesse respeito ao assunto. Nessa mesma edição Gomercindo dos Reis, assinando G.R., na primeira parte do artigo Protesto contra a venda de uma praça, identifica do “Dr. R.” como Octacílio Ribas, engenheiro da prefeitura municipal. Argumenta que a Praça da República, na verdade era formada por duas praças, cortadas pela Avenida Brasil. Como no centro da cidade os terrenos são muito caros o poder público aproveitou uma delas para erguer um moderno prédio. O caso da Vila Rodrigues era diferente, pois não tinha uma única praça e os terrenos eram de pouco valor.
No Boqueirão, os metodistas edificaram um grande prédio (que até hoje ali está, diga-se de passagem) e na Praça Brasil as irmãs de Notre Dame pretendiam construir uma casa de madeira para lecionar um grupo de meninos.
“Demais a mais – conceitua –, um erro não autoriza outro.
“O fato dos moradores do Boqueirão não terem protestado não desautoriza o protestos dos moradores da vila Rodrigues.
“É preciso que os senhores intendentes acabem com essa mania de cederem as praças para a construção de prédios'.
O pior é que quase oitenta anos depois, a advertência de Gomercindo dos Reis continua merecendo ser ouvida pelos administradores de Passo Fundo.
O artigo do autor de “Jardim de Urtigas” continuaria no dia 25. Diz não ser contra religiosos – como o Octacílio Ribas insinuara –, mas que nas praças públicas não se deve construir colégios. Afirma dispor de documentos provando o comércio dos terrenos ao redor da praça por preço maior do que os demais do loteamento. Ameaça o coronel Faustino com verdades amargas, através da “Secção Livre” de O Nacional. Apela ao futuro intendente, Nicolau de Araújo Vergueiro, “que foi quem deixou este espinho na garganta dos moradores da vila Rodrigues, para que o mesmo tome algumas providências no sentido de que a praça da vila não desapareça de forma alguma”.
Nessa mesma edição (Intendência Municipal Despachos), à página três, aparece extrato de despacho da Intendência (Prefeitura) sobre a presença da praça no mapa da vila feito em 1918 pelo agrimensor Francisco Della Mea, situação reconhecida pelo próprio Faustino Rodrigues, que vendeu metade da praça em 1927, conforme escritura pública. A praça consta, ainda, na planta da cidade, elaborada 1922 pelo engenheiro municipal Arthur Souto Ribeiro.
O Executivo Municipal, baseado no Código de Posturas e no Código Civil, decide que “não pode a municipalidade prescindir dos direitos que tem sobre a referida praça, cuja venda parcial, pelas razões expostas não pode atacar, pelo que se oporá pelos meios legais a quaisquer outros atos que impliquem em desrespeito ao domínio público da dita praça' Nira Worm dos Reis, filha do poeta, lembra que o intendente Armando Annes determinou a prisão de Gomercindo, que permaneceu preso durante três dias. Ante a pressão popular sua prisão foi relaxada.
O desentendimento não terminaria aí. Voltaria à tona menos de três anos depois, através de O Nacional (Surge novamente o caso da praça Brasil, 25-02-1931, p. 2). O autor anônimo, alegando sua condição de jornalista, afirma que telefonara ao prefeito e que este “não esmiuçou o assunto, dando-nos somente a garantia de que a praça não seria tornada ao domínio particular, defendendo o município os seus legítimos direitos”. Rememora os incidente anteriores e o despacho de Armando Annes, favorável aos moradores. Estes souberam que Faustino passou procuração ao major e “advogado” Brasilico Lima para vender a praça.
Já em 1928, “Era evidente aliás que se o sr. Faustino Rodrigues pudesse vender a praça, ficaria habilitado a vender as ruas”. Segue abaixo-assinado com nomes de pessoas cujas famílias são encontradas até nossos dias. O documento fora dirigido a 22 daquele mês ao prefeito Henrique Scarpellini Ghezzi, denunciando o caso.
“Temos documentos sobejos para provar que o Sr. Faustino Rodrigues não tem direito de vender a praça Brasil”.
Na mesma edição, Gomercindo dos Reis divulga um duro artigo datado do dia anterior (A NOSSA DEFEZA, EM CASO EXTREMO, SERÁ FEITA A PORRETE, A FACA E A DINAMITE, O Nacional, págs. 2 e 3). Confirma que Faustino Rodrigues passara procuração a Brasilico Lima, em favor de quem a madre Maria Fermina, também teria desistido de sua parte na referida praça. Talvez lembrando os três dias de prisão, que sofrera em 1928, afirma que os tempos em que os caciques davam ordem já passaram. Repete os argumentos do despacho de Armando Annes e revela dados sobre o negócio. A praça era transferida por 25.090$000 e os terrenos seriam vendidos a 3.200$ 000 cada.
O publicista rememora que, em 1929, um grupo e moças e senhoras – elas eram importantes para os movimentos sociais daqueles tempos – pediu a Nicolau de Araújo Vergueiro a abertura e arborização da Praça Brasil. Pouco depois, Gomercindo dos Reis foi procurado por Octacílio Ribas dizendo que a questão dependia de apenas dois contos de réis para pagar honorários do Dr. Ney de Lima Costa, advogado de Faustino contra o próprio Gomercindo. E sugeriu que os moradores, através de abaixo-assinado, apelassem ao advogado dispensar a cobrança de honorários. Gomercindo pensou em recorrer ao advogado, mas teve de retirar-se para Porto Alegre por motivos de saúde. Quando retornou a cidade estava politicamente convulsionada.
Gomercindo acusa Faustino de estelionatário e o denuncia ao promotor de justiça, revelando que os terrenos ao redor da praça foram vendidos com preço 50% maior do que os demais imóveis, que era ameaçado de morte pelo acusado, que a praça fora cercada com arame farpado e que já fora processado três vezes pelo denunciado. Prepara um fecho entusiasmado. Os moradores apelariam à imprensa, iriam à praça pública, telegrafariam ao interventor federal no Estado e, se isso não bastasse, “apelaremos à força bruta – o porrete, a faca, a bala, o incêndio e a dinamite! Iremos para a cadeia como incendiários ou dinamiteiros, mas faremos respeitar os nossos direitos! Experimentem e verão!”.
No dia 28 O Nacional (A propósito da Praça, p. 1) noticia que recebera uma carta de Brasilico Lima e não a divulgava por falta de espaço. A 2 de março os editores tornam público a negativa de publicar a carta, pois “tivemos o desprazer de verificar que o signatário, num intróito extenso, cheio de insinuações, a nós dirigidas e perfeitamente dispensáveis, não observou a cortesia e a consideração que lhe deveria merecer um jornal ao qual se dirige solicitando um obséquio.
“O liberalismo tem limite, além desse está, não a tolerância sadia, mas a passividade condenável.
“Julgamo-nos dispensados, pois, de fazer essa publicação na parte editorial desta folha”.
A carta, com data de 27 de fevereiro de 1931, seria publicada na “Secção Livre”, quarta página, de O Nacional a 6 de março. Critica a publicidade, como matéria paga, na “edificante” “secção livre” , que traz, no cabeço, títulos e subtítulos rebarbativos – “porrete, faca, bala incêndio e dinamite”- indiscutivelmente atentatórios, provocantes e sumamente desrespeitosos à ação da justiça e especialmente da polícia, que tem o dever de prevenir e obstar os crimes”, censurando o periódico e ameaçando com ação criminal seu autor, que não é citado diretamente.
Brasilico Lima defende os direitos de Faustino vender a praça, sempre mantida cercada e sob uso particular. Como nunca foi escriturada pela prefeitura pertence ao loteador. Abro um parêntesis para lembrar que, ao longo da história de Passo Fundo, muitas áreas de domínio público acabaram sendo transferida para particulares, com a conivência de detentores de cargos públicos, porque não foram escrituradas em nome do Município...
No dia seguinte, em matéria editorial de capa, sob o título de PATRIMÔNIO PÚBLICO, à primeira página, O Nacional, continuando na defesa da manutenção da área sob domínio público, se solidariza com a causa e se solidariza com a municipalidade por não aceitar acordo com Faustino.
Brasilico Lima, na “Secção Livre”, a 10 de março, volta à carga (Ao defensor oficioso do patrimônio público, p. 4), salientando que o jornal, “órgão dos irmãos Annes, prevalecendo-se das circunstâncias transitórias e especialíssimas que caracterizam o atual momento político, arvorou-se em supremo arbítrio dos destinos desta terra”.
“O seu diretor, ex cathedra, tudo insinua, critica e resolve sentenciosamente à sua feição, com desprezo completo a quaisquer manifestações em contraste”.
O capitão e rábula continua advogando os direitos do proprietário e atacando a troca de “linha” do jornal. Lembra que, a exemplo da vez anterior, pagará pela publicação do artigo e termina advertindo: “Não tardará, entretanto, o aparecimento aqui de outra folha de publicação que agasalhe carinhosamente os desafetos de “O NACIONAL”.
Era o anúncio de A LUTA, jornal de Túlio Fontoura, que começaria a circular a 1º de maio daquele ano.
Em Contrariando um libelo (O Nacional, 11-03-1931, p. 2), que teria continuidade no dia seguinte (Contrariando um libelo II, p. 1), os redatores de O Nacional contraditam Brasilico. Recorrem ao passado dele, como jornalista em Passo Fundo e que “essa lembrança arrastou outras e tão nítidas a que chegamos rapidamente à conclusão de que em matéria de palavras duras e ataques fortes, o ilustre autor do sermão moral leva sozinho de vantagem não só a nós que sempre fomos infensos a esse gênero literário, mas a todos os signatários de secções livres aparecidas no O Nacional, nos seis anos e meio de vida, separados ou conjuntamente”.
O periódico lembra que sempre criticou os governos municipais, mesmo o de Armando Annes, defendendo-se da acusação de “folha revolucionária”. A resposta rememora que, “meses antes”, Brasilico estava de acordo com O Nacional contra a prefeitura, inclusive sugerindo alterações em editoriais, e que só mudou de opinião porque o jornal opôs-se à venda da praça.
O Nacional fazia oposição a Henrique Scarpellini Ghezzi, prefeito em exercício, que costumava fazer o oposto do que o diário preconizava e parabenizava o surgimento de um novo jornal porque assim o prefeito quebraria o silêncio, lamentando não poder oferecer “agasalho gratuito (...) aos nossos desafetos, visto que o jornal nos custa dinheiro e muito”.
O periódico encerra a polêmica no dia 17 de março de 1931, com matéria da redação (A praça Brasil – As providências da Prefeitura, p. 4) contando entrevista com o “dr. Antonio Bittencourt de Azambuja”, contratado pelo prefeito para dar parecer sobre a venda da praça Brasil. O advogado manifestou sua opinião já formada: “Entendo que o município de Passo Fundo tem inconcusso direito de jurisdição sobre a área urbanizada da vila Rodrigues”. E conclui definindo Antonio Bittencourt de Azambuja como “um profissional cuja competência jurídica não pode ser negada e cuja lealdade de opinião de forma alguma pode ser suspeitada”.
Impedido de continuar apresentando suas razões pelas páginas do único jornal existente em Passo Fundo, Brasílico Lima, usaria um panfleto, com seis páginas, intitulado O CASO DA “VILLA RODRIGUES” E A D’“O NACIONAL” (DEFESA NECESSARIA), onde fica patente a divisão dos republicanos, numa época em que ocorreram os movimentos emancipacionistas de Carazinho e Erechim, o que contribuiu para o enfraquecimento político de Passo Fundo, a nível regional.
A luta comunitária sobre a venda da praça Brasil revela o papel importante desempenhado por Gomercindo dos Reis no episódio. Graças a essa mobilização a Praça Brasil foi salva. Ao redor dela estão o Colégio Menino Jesus (das irmãs de Notre Dame), igrejas, clube, seminário, e até uma universidade, comprovando a importância daquela mobilização. Ali é realizada uma grande festividade natalina, recebendo milhares de pessoas.
Do ponto de vista jornalístico insere-se dentro de uma prática da época, abrindo espaço para discussões sobre os mais variados temas. Esses debates, na maioria das vezes, acabavam nas barras dos tribunais. Lembre-se que, apenas na primeira fase do enfrentamento, o líder do movimento teria sido processado três vezes e trancafiado na cadeia por ordem do próprio intendente municipal. Ademais, vemos a presença de uma profunda divisão política entre a “elite” de origem republicana, representada pelos “irmãos Annes” e seu jornal, de um lado, e pelo grupo de Nicolau de Araújo Vergueiro, de outro. A divisão vinha de longe e continuaria mais tarde, entre trabalhistas e pessedistas, arenistas e emedebistas. E continua até hoje. Isto, porém, são outros quinhentos.
(*) Paulo Monteiro é titular da cadeira 32 da Academia Passo-Fundense de Letras, que tem como patrono Gomercindo dos Reis. Autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais e literários, seu endereço para correspondência e envio de livros para leitura e análise é: Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – CEP: 99.001-970 – Passo Fundo – RS.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui