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Ensaios-->Passo Fundo - de Campos e Matas a Metrópole Regional -- 11/05/2008 - 20:01 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
1. Os Portugueses e os Descobrimentos

Portugal é um país latino. Sua e nossa língua é originária da língua falada pelos soldados e o probrerio romanos, uma língua neolatina. Há milhares de anos mantém relações culturais e comerciais intensas com as demais nações mediterrâneas. E, através delas, com os países do Oriente, inclusive, a China e a Índia.
Em 1453 os turcos tomaram Constantinopla e impuseram limites ao comércio europeu com o extremo oriente. A partir daí, os governos europeus procuraram encontrar um novo caminho que lhes permitisse negociar direto com as Índias, como era popularmente conhecida aquela distante parte do mundo.
Uns acreditavam que a terra era achatada e ser possível, contornando a África, chegar às Índias. Pensavam assim, os portugueses. Outros, como Cristóvão Colombo, um marinheiro italiano, a serviço dos reis da Espanha, acreditavam que a Terra era redonda e que, navegando para o Oeste, era possível, também, alcançar o mesmo lugar.
Os portugueses, que se lançaram antes à procura do caminho marítimo para as Índias, chegaram, em 1488, com Bartolomeu Dias, ao sul da África, descobrindo a possibilidade de alcançar o extremo Oriente. Exatamente 10 anos depois, com Vasco da Gama, aportavam às Índias. Nesse mesmo ano, a 12 de outubro, os espanhóis, com Cristóvão Colombo, tocaram na América Central.

1.2. O “Descobrimento” do Brasil

No dia 9 de março de 1500, à frente de uma grande armada, com 13 navios e 1200 tripulantes, Pedro Álvares Cabral, saiu de Portugal em direção às Índias. Não seguiu o mesmo caminho de Vasco da Gama, afastando-se bastante da costa africana. A 21 de abril os portugueses aproximaram-se do litoral. No dia seguinte avistaram aves marinhas e à tarde, um monte, que recebeu o nome de Monte Pascoal. A 23 exploraram a margem próxima, encontrando um porto para abrigo da esquadra. Dois nativos subiram a bordo e Nicolau Coelho desembarcou com alguns homens.
Pensando ou fazendo pensar que tinham chegado a alguma região das Índias, os portugueses chamaram os nativos brasileiros de índios, nome que, à época, se dava aos moradores daquele país oriental, conhecidos por indianos.
Até hoje se discute se a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral, ao atual Estado da Bahia foi casual, um mero acaso, com os navios arrastados pelas correntes marítimas devido à falta de vento, ou se foi intencional. Há notícias de que outros marinheiros estiveram antes em nosso país. É o caso de Duarte Pacheco Pereira, que no seu livro Esmeraldo de situ orbis, afirma que esteve no Brasil, em 1498.
O historiador brasileiro Capistrano de Abreu, estudando a manobra realizada pela esquadra para chegar a Calicute e de Gaspar de Lemos, para retornar a Portugal, levando a notícia da chegada ao Brasil, concluiu pela impossibilidade impossível de serem realizadas por quem estivesse perdido.

1.3. A Divisão da América

O Tratado de Tordesilhas, assinado entre Portugal e Espanha, em 1894, antes que o Brasil fosse “descoberto”, também fortalece a idéia de que os portugueses já sabiam da existência do continente americano.
O Tratado de Tordesilhas estabelecia um meridiano marcando 370 léguas dos arquipélagos de Cabo Verde ou dos Açores, além das quais, ao oeste, os territórios ficariam pertencendo à Espanha. Com esse tratado, parte do Brasil, o Atlântico sul e o oceano Índico ficaram pertencendo a Portugal.
O Tratado de Tordesilhas, pela imprecisão com que foi redigido, causou muitos problemas diplomáticos entre os dois reinos ibéricos. Tradicionalmente se admite que o meridiano de Tordesilhas passaria, em solo brasileiro, entre Belém do Pará e Laguna, em Santa Catarina. Assim, o Rio Grande do Sul ficaria pertencendo à Espanha. Mapas antigos, porém, apresentam esse meridiano, cruzando pela costa chilena, deixando a maior parte da América do Sul e Antilhas para Portugal.

2. Os aborígenes

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, o território do nosso país já era habitado há milhares de anos. Segundo alguns historiadores seriam mais de 12 milhões de habitantes, divididos em centenas de nações indígenas, falando centenas de línguas e dialetos.
As principais tribos pertenceriam aos grupos chamados tupis e jês. O tupi, por ser a língua mais falada no Litoral, também ficou conhecida como língua geral. Nos primeiros dois séculos da colonização portuguesa, falava-se uma verdadeira mistura de português e tupi. Os diversos grupos africanos também se fundiram numa espécie de “língua geral africana”, encorpada com elementos portugueses e indígenas. Em meados do século XVIII (1700/1799), o governo de Portugal tornou obrigatório o uso do português, processo importantíssimo para a futura unificação territorial do Brasil.
O longo período em que a língua geral, o nheengatu (o tupi amazônico), e o abanaeega, dos guaranis, foram falados no Brasil contribuiu para que milhares de palavras de origem tupi fossem incorporadas ao vocabulário português empregado deste lado do Atlântico, especialmente nomes de plantas, animais e acidentes geográficos. Notam os lingüistas que o indígena exerceu influência, inclusive, sobre a sonoridade do português falado em nossa pátria. A mesma lição se aplica às línguas trazidas da África.
Ademais, a miscigenação, cruzamento entre os colonizadores portugueses e as mulheres nativas, criou um dos tipos humanos mais característicos do Brasil, o mameluco, também conhecido como caboclo. Alguns antropólogos nominam como caboclo ao filho de índios.
E visto estarmos falando sobre cruzamentos entre as raças formadoras da nação brasileira, abramos um parênteses. Outro tipo humano característico de cruzamentos inter-raciais é o mulato, consequência da união entre brancos e negros. O mulato ao unir-se ao negro gera o cabra. Nascido no Brasil, filho de negros é crioulo. A mistura de todos esses intercruzamentos é o pardo. Outro tipo característico da miscigenação é o cafuzo ou curiboca, fruto do índio cruzado com o negro.
As crenças originais dos indígenas, apesar da repressão desenvolvida pelas ordens religiosas cristãs, misturaram-se (sincretismo religioso), com as antigas crenças dos negros.
A influência dos índios também se manifestou no folclore, com o curupira, a iara, a boitatá e tantas outras lendas e contos populares, conforme é lembrado pelos folcloristas. Além disso, hoje, a grande maioria dos brasileiros, carrega em suas veias alguma quantidade de sangue indígena.

2.1. A Ocupação do Brasil

Durante os primeiros anos que se seguiram à chegada dos portugueses ao Brasil, como aqui não encontrassem as especiarias que buscavam às Índias, nem ouro, pedras preciosas ou qualquer outra mercadoria que oferecesse lucros reais e imediatos, o novo território foi relegado a segundo plano.
Apenas o comércio de pau-brasil, que servia para a indústria de tinturaria, e era cortado pelos índios do litoral, em troca de machados e outras ferramentas, interessava aos negócios com a metrópole. Entretanto, a presença de embarcações francesas, que negociavam o produto com os nativos, levou o rei de Portugal a realizar expedições militares para reprimir esse tipo de pirataria e, no ano de 1534, iniciou o sistema de Capitanias Hereditárias, seguindo experiências já postas em prática nas colônias africanas. Os donatários incentivaram a vinda de colonos portugueses e a produção de açúcar, porém, só as capitanias de Pernambuco e São Vicente, em São Paulo, prosperaram.

2.2. O Trabalho Escravo

Para a indústria de açúcar os colonizadores precisavam de mão-de-obra. E só podiam usar o trabalho escravo. Começaram por escravizar os nativos, mas os índios não se submetiam facilmente, fugindo para o meio das florestas. Muitas vezes realizaram grandes revoltas, pondo em risco a própria presença do homem branco no solo brasileiro.
Diante disso, restou apenas aos colonizadores apelarem para a escravidão dos africanos, em cujos territórios os portugueses estavam assentados há mais tempo. Transportados para um continente estranho, sem a possibilidade de encontrar refúgio entre parentes ou aliados, aos negros não restou, de início, outra alternativa além de submeterem-se ao regime escravocrata. Mais tarde, quando já aclimatados ao solo brasileiro, é que fugiam para as florestas, especialmente em locais protegidos por acidentes geográficos e se organizavam em quilombos.

2.2.1. Os Quilombos

Os contrabandistas de “gado humano”, como eram classificados os escravos, não precisavam esforçar-se para conseguir a vergonhosa mercadoria. Rivalidades tribais faziam com que populações inteiras fossem presas pelas etnias inimigas e trocadas por fumo, cachaça e outras quinquilharias. Nesse hediondo comércio os ingleses firmaram as bases da revolução industrial e a estabilidade da “democracia ocidental”.
Quilombo era, na África daquele tempo, nome aplicado ao local em que os prisioneiros ficavam concentrados até que os navios negreiros, em que eram transportados os escravos, aparecessem para conduzí-los ao lugar onde seriam vendidos. Os quilombos eram praças fortificadas, cercadas de fossos e paliçadas, impedindo que os presos conseguissem evadir-se.
No Brasil esse tipo de fortificação, ainda que conservando o mesmo nome, adquiriu finalidades diametralmente opostas: servir como refúgio e proteção dos escravos fugidos, impedindo a entrada dos escravagistas. Quando nos aprofundamos no estudo da História ficamos sabendo que quilombo encerra um sentido eminentemente técnico. Na África, era a fortificação que impedia a saída dos prisioneiros e, no Brasil, o mesmo tipo de praça forte não permitia que os caçadores de escravos fugidos entrassem. Hoje, mais do que uma obra de engenharia, quilombo adquiriu um conteúdo político recentíssimo, significando qualquer local habitado por famílias de origem africana.
Na região de Passo Fundo desconhecemos notícias de quilombos no sentido original do termo. Aqui, como teremos a oportunidade de demonstrar, os negros que buscavam a liberdade, refugiando-se no interior das florestas, eram acolhidos nas próprias aldeias indígenas. Acabaram consorciando-se com os nativos e absorvidos pelos seus hospedeiros, especialmente, os caigangues. Por isso, muitos índios têm a pele mais escura do que outros do mesmo grupo, numa clara demonstração de mestiçagem racial.

3. Os Portugueses e a Miscigenação

Há milhares de anos o sul de Portugal era povoado por povos de pele escura, “negróides”. Povos de pele branca invadiram, por diversas vezes, a região e se fundiram com os primitivos moradores, originando os “trigueiros”, correspondentes lusitanos dos nossos caboclos. A trigueira, chamada carinhosamente de trigueirinha, é uma constante e eterna fonte de inspiração para os poetas portugueses, a exemplo da cabocla e da caboclinha, responsável por muito do lirismo brasileiro.
A atração do português pela mulata, vem dessa época. Até parece um verdadeiro complexo de Édipo.
Essas invasões de Portugal deram origem a um povo mestiço, convivendo e encastiçando loiros, de olhos azuis, e trigueiras, de olhos negros, mistura que fez surgir os famosos “olhos verdes, matadores”, cantados pelos grandes românticos portugueses. E foi exatamente esse povo de mestiços que descobriu e colonizou o Brasil.

3.1. A Poliandria

Aqui a mistura continuou ativada pela facilidade com que os índios aceitavam a presença dos estrangeiros.
A poliandria, isto é, o “casamento” de uma mulher com vários homens, que aparece nos relatos de viajantes e missionários como autêntica promiscuidade sexual, facilitou a miscigenação. Os índios costumavam entregar suas mulheres, filhas e irmãs para que passassem as noites com os visitantes, costume que facilitou o cruzamento inter-racial.
A liberdade sexual entre os índios (ou mais precisamente entre as índias) era de tal monta que não conseguiam entender o celibato sacerdotal. Há relatos de que seminários precisaram ser murados para evitar o assédio das índias aos religiosos.
Tudo isso contribuiu para facilitar a miscigenação entre portugueses e índios, mistura que se ampliou com a vinda de africanos e a presença de piratas franceses, ingleses e holandeses, que também concorreram, desde os primeiros anos da colonização, para ampliar toda essa mistura racial.

4. A Ocupação do Sul

A ocupação do que viria a ser o Rio Grande do Sul começou pelo litoral de Santa Catarina e Paraná. O local foi visitado por piratas franceses, que fizeram amizade com os índios Patos ou Carijós, que habitavam o litoral, de Cananéia, em São Paulo, à Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul.
Os patos ou carijós, formavam uma tribo da nação guarani, originária do Paraguai. Esses índios, extremamente místicos, realizavam grandes migrações, instigados por seus pajés. Estes tinham momentos de êxtase e revelavam que numa determinada direção ficava Yvy-maraey, a terra sem males, uma espécie de paraíso. Numa dessas revelações apontaram a ilha de Santa Catarina como a “terra sem males”. Ali contataram com os brancos; primeiro os franceses, depois os espanhóis e, posteriormente, os portugueses, que acabaram dominando o território.
A explicação mais coerente para o nome carijó, é que viriam a formar uma espécie de subetnia originária da mistura entre os marinheiros europeus (caari, brancos) e os índios (yu ou yo, acobreados), nome (carijó), que passou a denominar as galinhas e outras aves domésticas, com a mistura de plumas brancas e pretas.
Em 1516, o navegador espanhol Juan Días Solis, descobridor do Rio da Prata, manteve contato com os índios charruas, no Uruguai. Desceu à praia. Foi morto e, juntamente com outros sete integrantes de sua marinhagem, devorado por esses nativos. Pouparam apenas o marujo mais jovem, Francisco del Puerto. Diante da cena assustadora os demais marinheiros fugiram, com seus navios, um dos quais afundaria, perto da Ilha de Santa Catarina, sobrevivendo onze marinheiros.
Os sobreviventes foram acolhidos pelos patos, misturando-se aos hospedeiros, começando a dar origem aos “carijós”. Um desses marinheiros, o português Francisco Pacheco, era mulato, gerando tapuyunas, isto é tapuya (índio), una (preto), índios pretos.

4.1. Os Aborígenes Gaúchos

Como vimos em antes, os primeiros contatos dos portugueses com os indígenas do Rio Grande do Sul foram com os patos. Cedo estes índios se misturaram com os brancos e passaram a ser mais conhecidos como carijós. Nem sempre esse contato foi amistoso. Logo os colonizadores precisaram de mão-de-obra para as suas lavouras de cana-de-açúcar e começaram a escravizar os índios do litoral do que viriam a ser Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Os índios fugiram para o interior, passando a disputar espaço com outras tribos, como é o caso dos caigangues, que, escapando aos escravizadores, teriam migrado de onde hoje estão os Estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Os carijós, em 1600, dominavam toda a região do Campo do Meio, no que viria a ser o futuro município de Passo Fundo.
Extremamente religiosos, os carijós praticavam a feitiçaria. Feitiços com sapos, para matar desafetos, que ainda se recomendam em magia negra, eram praticados por esses índios. Viviam em constantes guerras com os guaianases, ao Norte, e os charruas e tapes, onde hoje se situa o Rio Grande do Sul.
Aliás, nas décadas iniciais do século XVII (1600), quando os primeiros brancos, jesuítas vindos do Paraguai, se fixaram em Passo Fundo aqui encontraram os tapes, onde atualmente é a nossa cidade, e os caigangues, mais ao norte, ao leste e ao sul, chegando até onde hoje se situam a vila Luiza e a vila Carmem. Além, é claro, como já vimos, dos carijós, no Campo do Meio.
Portanto, vamos deixar bem claro, quando os brancos chegaram a Passo Fundo, aqui estavam fixadas três “nações” indígenas bastante distintas: os carijós, de origem guarani, procedentes do Paraguai, pelo antigo caminho de Peabiru, que partindo do litoral de Santa Catarina e Paraná, chegava à Cordilheira dos Andes; os tapes, que eram índios guaranizados, possivelmente de origem andina, e os caigangues, também conhecidos como coroados, botocudos ou bugres, do grupo Jê.

4.2. O Escravismo no Brasil

Quando se fala de escravidão é preciso deixar bem clara uma coisa: na África e no Brasil, os escravagistas sempre contaram com aliados entre os nativos. As lutas entre as diversas etnias, tanto de negros quanto de índios, favoreceram a escravidão.
Eram negros caçando negros e índios caçando índios, para venderem aos traficantes de seres humanos.
No município de Passo Fundo, as coisas não se passaram de maneira diferente. Os carijós, em especial, costumavam empreender guerras às outras tribos, particularmente aos tapes e charruas, e vendiam os aprisionados como escravos aos bandeirantes.

4.3. A Disputa Pelo Território Passo-fundense

Desde o início da povoação branca da América do Sul, portugueses e espanhóis disputavam o território passo-fundense. Como não tinham notícias de existência de metais ou pedras preciosas o território ficou entregue aos seus habitantes nativos.
Quando o desinteresse acabou, em 1631, Portugal e Espanha estavam unidos sob a coroa espanhola. É um detalhe pouco salientado pelos historiadores. O domínio castelhano sobre a pátria de Camões durou de 1580 a 1640, período em que os bandeirantes, numa ousadia geopolítica única na história universal, aproveitando-se da condição, que eles sabiam passageira, de “súditos espanhóis”, ampliaram seus domínios através de entradas e bandeiras. Essa “ocupação”, pelos “súditos espanhóis” de fala portuguesa, assegurou, mais tarde, pelo “utis possidentis” - espécie de usucapião internacional - a posse de vastíssimas regiões, inclusive Passo Fundo, para Portugal. Direito que se transmitiu ao Brasil, herdeiro natural das conquistas bandeirantes, bandeirantes que eram, fundamentalmente, brasileiros, ou seja, brancos, mamelucos, crioulos e negros.

4.4. Reduções Passo-fundenses

Com a criação da Província do Paraguai, em 1607, a política espanhola com relação à região onde surgiria Passo Fundo, mudou bastante. Em 1609, jesuítas espanhóis penetraram na região de Guaíba, estabelecendo missões entre os índios, dentro de uma política de contenção do avanço paulista para o interior. Em 1628, bandeirantes destruíram as 13 reduções ali organizadas pelos padres castelhanos, aprisionando milhares de índios e provocando a fuga dos demais para a as regiões do Uruai e do Tape.
O padre Roque Gonzalez de Santa Cruz, dois anos antes, já havia estabelecido uma redução em São Nicolau, no atual Estado do Rio Grande do Sul.
O desinteresse acabou em 1631 quando os jesuítas espanhóis estabeleceram a redução de San Carlos del Caapi, nas proximidades de Pinheiro Marcado, perto das nascentes do Jacuizinho, um afluente do Jacuí Mirim, hoje no município de Carazinho. E este é um ponto importantíssimo: os primeiros conquistadores eram jesuítas, mas estavam a serviço dos reis da Espanha. Foi a primeira fixação de brancos em território passo-fundense.
A localização dessa redução ainda é discutida por historiadores. Levando em consideração antigos mapas, alguns afirmam que ficaria perto da atual cidade de Santo Cristo. E que o próprio “caminho do Caapi”, por ali se localizaria. Relatos jesuíticos, porém, afirmam que San Carlos del Caapi ficaria a um dia de caminhada de Santa Tereza del Curiti, o que seria impossível, caso se situasse nas proximidades de Santo Cristo.
No ano seguinte, 1632, os mesmos jesuítas fundaram outra redução: Santa Teresa del Curiti, também conhecida como Santa Tereza de los Piñales, de início no Povinho Velho, próximo às nascentes do Rio Jacuí Grande ou Jacuí Verdadeiro e do Rio Passo Fundo ou Uruguai Mirim, que significa Uruguai Pequeno. A proximidade com os caigangues, que dominavam as matas e serras adjacentes e com os carijós, no Campo do Meio, que não aceitaram a pregação dos padres espanhóis e passaram a hostilizá-los, instigados por seus pajés, fez os jesuítas, também temendo um ataque dos bandeirantes, mudarem a redução para o Rincão do Pessegueiro, hoje pertencente ao município de Ernestina, em pleno território controlado pelos índios tapes, que, mesmo amigos dos guaranis, dos quais, os carijós, eram originários, viviam em guerras com as tribos vizinhas.

4.5. Religião e Política

Contam alguns historiadores que os jesuítas espanhóis vieram para Passo Fundo a pedido do cacique tape Guaraé, desejoso de que seus governados recebessem os ensinamentos cristãos. Como os bandeirantes já incursionavam à Depressão Central gaúcha e, usando pombeiros, nome dado a espiões que se aproveitando da hospitalidade indígena, efetuavam levantamento da tribos para posterior ataques dos escravizadores de índios, é possível que Guaraé chamasse os padres para fortalecer-se contra os paulistas, aliados aos carijós, tradicionais inimigos dos tapes.
Não se pode esquecer que os jesuítas portugueses, dentro do chamado “direito divino”, eram fiéis ao governo de Portugal e os jesuítas espanhóis, também dentro do mesmo “direito divino”, serviam aos reis de Espanha. Todos eles pregavam a chamada “guerra justa”: o direito de que os “gentios”, nome dado aos índios não cristianizados, que não aceitassem o cristianismo, poderiam ser escravizados. Na região de Passo Fundo, os jesuítas espanhóis armavam os índios por eles convertidos ao catolicismo para combaterem os nativos que não aceitavam suas pregações ou que se aliavam aos portugueses, como eram chamados os bandeirantes.
Com a vinda dos jesuítas espanhóis para a região de Passo Fundo, a rivalidade entre os três povos indígenas só aumentou. Como os padres castelhanos aldearam os tapes tanto os carijós quanto os caigangues não gostaram. Seus sacerdotes, os pajés, se revoltaram contra os inacianos e chegaram a provocar um levante, conhecido como “Revolta dos Pajés”. Atacaram a redução de Santa Teresa, que ficava no Rincão do Pessegueiro, em Ernestina, mas terminaram repelidos pelos jesuítas e os tapes.
Além da união dos padres espanhóis com os seus tradicionais inimigos, carijós e caigangues não aceitavam a monogamia imposta pelos religiosos cristãos, querendo continuar o tipo de regime familiar a que estavam acostumados, baseado na poliandria (uma mulher vivendo com vários homens) que, talvez por influência dos brancos, estava se transformando na poligamia (um homem vivendo com várias mulheres).
Além disso, tanto carijós quanto caigangues, praticavam o politeísmo (acreditavam em vários deuses) e desenvolviam a magia negra (bruxaria e feitiçaria), que contrariam os princípios bíblicos preconizados pela Igreja. Os tapes também eram politeístas.
Sabedor de que os paulistas tramavam uma investida às reduções espanholas, o padre Cristóban de Mendonza, considerado o introdutor do gado entre os tapes e o primeiro tropeiro gaúcho, quando tentava converter os índios da região de Caixas do Sul e lançá-los contra o bandeirante Raposo Tavares que, entrando pelo Litoral gaúcho, ameaçava as reduções espanholas, foi trucidado, juntamente com os catecúmenos (índios convertidos) que o acompanhavam.
Diante da impossibilidade de converter carijós e caigangues e da tradicional hostilidade destes aos tapes, que habitavam o local onde hoje se situa a cidade de Passo Fundo, era inevitável que os portugueses, como os espanhóis chamavam os bandeirantes paulistas, atacassem as reduções montadas pelos jesuítas espanhóis, em nossa região.

4.6. A Religião dos Aborígenes

Os três povos indígenas que habitavam Passo Fundo eram politeístas.
Os carijós, também conhecidos como ibianguaras, criam numa divindade protetora chamada Munhã e nas almas dos mortos, a que davam o nome de Anga, e tinham duas classes de sacerdotes: os iroquiaras, que eram dançarinos, para ser mais claro: deveriam promover certos rituais ancestrais assemelhados a alguns praticados pela umbanda e o candomblé, e os apicarés, mágicos, que seriam algo parecido com a personagem central da novela O Profeta, exibida recentemente pela Rede Globo. Com certeza, praticavam alguns exercícios de magia negra, como amarrar um sapo em uma árvore, até que morresse, ou enterrar um ovo sob a rede dos desafetos.
Os caigangues, também conhecidos como coroados, botocudos e bugres, acreditavam em Topen, uma divindade boa, em Detcori, um deus mau, correspondente ao Diabo dos cristãos, e em Acupli, a alma dos mortos, mais ou menos como os espíritos desencarnados dos espíritas ou os santos católicos. Eram espíritos protetores.
Igualmente idólatras, os tapes acreditavam em muitos mitos, entre os quais um animal fabuloso, parecido com um carneiro, dotado de garras e dentes, como as onças, e muito feroz, chamado Ao.
Foi esse território habitado por nações inimigas entre si, com costumes familiares e idéias religiosas tão diferentes do que era pregado pela Igreja Católica, o lugar em que o padre Francisco Ximenes organizou as reduções de San Carlos del Caapi (1631) e de Santa Teresa del Curiti, no ano seguinte. Aqui também morreria, nas mãos de índios que não aceitavam a presença dos tapes e dos seus aliados, os jesuítas espanhóis, o padre Cristóban de Mendonza, introdutor do gado em nossa região e, por isso, considerado, o primeiro tropeiro gaúcho. O gado trazido pelo padre Cristóban de Mendonza daria origem à Vacaria dos Pinhais.

5. Bandeirantes Expulsam Espanhóis

A idéia de anexar, definitivamente, o território do atual Estado do Rio Grande do Rio Grande do Sul à província do Paraguai provocou imediata reação dos bandeirantes paulistas, que já controlavam o litoral norte gaúcho e mantinham relações com os índios que se opunham aos tapes, aliados dos espanhóis.
Em 1865, Solano Lopes ressuscitaria o sonho de dois séculos e tanto atrás. Invadiu o Rio Grande do Sul, provocando nova reação armada dos brasileiros. Se Igaí, no século XVII, constituiu-se num baluarte da reação dos brasileiros às pretensões paraguaias, Passo Fundo contribuiu com o concurso do sangue de seus filhos para repelir a invasão guarani e durante toda a guerra contra o Paraguai.
O bandeirante André Fernandes atacou a redução de Santa Teresa, no Rincão do Pessegueiro, em Ernestina. No dia 23 de dezembro de 1637 o aldeamento caiu em mãos daquele bandeirante, comandando um exército de paulistas, índios carijós e negros. Não houve resistência alguma. Aprisionaram mais de 4 mil índios. Os jesuítas espanhóis acabaram expulsos e o comando espiritual passou para o padre jesuíta Francisco Fernandes, filho do próprio capitão André Fernandes.
Uma vez dominada Santa Teresa, os bandeirantes “assolaram” o Tape, segundo a expressão consagrada pelos historiadores, e dominaram todas as reduções existentes na região. André Fernandes permaneceu em Passo Fundo durante quatro anos, mudou o nome do lugar de Santa Teresa del Curiti ou Santa Teresa de los Piñales para Igaí, como os nativos nominavam o atual rio Jacuí.
Pouco depois de André Fernandes chegava outro bandeirante, Fernão Dias Paes Leme, imortalizado por Olavo Bilac no “Caçador de Esmeraldas”. Veio pela trilha indígena do Mondecaá (mato das armadilhas), entre Passo Fundo e Lagoa Vermelha, conhecida como Caapi (caminho da floresta), de Passo Fundo, na direção da Fronteira. Tratava-se de um velho caminho indígena.
Fernão Dias Paes Leme permaneceu pouco tempo na região. Encontrado resistência em reduções situadas ao sul de Passo Fundo retornou a São Paulo com grande número de cativos.
Em 1641 nova bandeira, desceu pelo Uruguai com centenas de brancos e índios bem armados para expulsarem os jesuítas espanhóis das margens do rio. Na quinta-feira santa daquele ano, quando se encontravam na confluência do Uruguai com o Mbororé, sofreram ataques de centenas de índios comandados pelos padres castelhanos. Os bandeirantes, fragorosamente derrotados, destruíram 100 das suas 250 canoas e se refugiaram no entrincheiramento de Igaí, em Passo Fundo.
Apesar da vitória, os espanhóis e os guaranis não esperaram para ver. Mudaram-se para terras que hoje pertencem ao Uruguai e para a margem direita do rio, nas hoje províncias argentinas de Corrientes e Entre-Rios.

6. Passo Fundo dos Bandeirantes

Os ataques holandeses ao Nordeste, que culminaram com a invasão de Pernambuco, em 1630, e do Maranhão, em 1641, levaram à diminuição do ímpeto bandeirante no Sul, pois suas forças precisaram ser mobilizadas para a expulsão dos protestantes holandeses. Mesmo assim, os brasileiros, sob a liderança espiritual e, possivelmente, também militar do jesuíta português, o paulista Francisco Fernandes, continuaram fustigando os jesuítas espanhóis, os tapes e os guaranis.
Até 1669 há notícias de que os bandeirantes continuavam atuando através do fortim montado em Passo Fundo.
A presença bandeirante no nosso município foi de extrema importância tanto que fortaleceria os argumentos do Barão do Rio Branco na famosa “Questão das Missões”, arbitrada pelo presidente norte-americano Cleveland, em 1895, dando ganho de causa ao Brasil.
O fortim de Santa Teresa, aqui construído por André Fernandes e seu filho, o padre Francisco Fernandes, contribuiu para assegurar o princípio do uti possidetis em favor do Brasil, garantindo-nos vastas áreas do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.
Como vimos antes, os primeiros brancos que chegaram a Passo Fundo foram os jesuítas espanhóis, estabelecendo as reduções de San Carlos del Caapi (1631), onde hoje fica o município de Carazinho, e Santa Teresa del Curiti (1632), no Povinho Velho, proximidades do atual município de Mato Castelhano, mudada logo em seguir para o Rincão do Pessegueiro, em Ernestina. Em 1637 Santa Teresa foi tomada pelo bandeirante André Fernandes e rebatizada com o nome de Igaí, cuja guarda espiritual foi entregue ao jesuíta Paulista Francisco Fernandes. Este aqui permaneceu durante vários anos.
Durante pouco mais de cinco anos os jesuítas espanhóis ficaram estabelecidos em Passo Fundo; os bandeirantes paulistas por mais de trinta anos, possivelmente até um meio século. Razões estratégicas e econômicas inviabilizaram a colonização portuguesa de Passo Fundo. Entre essas podemos destacar as lutas contra os invasores holandeses no Nordeste, a procura e descoberta de minerais preciosos no centro do País, e a tentativa de dominar o atual território uruguaio, com a Colônia do Santíssimo Sacramento, a partir de 1680.

7. O Destino dos Aborígenes

Dos tapes, em território passo-fundense, ao que tudo indica, restou uma pequena aldeia próximo ao acampamento de Igaí, no Rincão do Pessegueiro. O grosso desses primitivos habitantes passam a fazer parte da história argentina, onde iremos encontrá-los, como combativos lanceiros sempre socorrendo Buenos Aires durante ameaças e invasões estrangeiras.
Os carijós passo-fundenses perdem-se na noite dos tempos, aparecendo apenas como personagens literárias nos primeiros romances gaúchos, como é o caso de O Vaqueano, publicado em 1872 por Apolinário Porto Alegre, sob a marcada influência de O Gaúcho, editado em 1870 por José de Alencar.
Os caigangues são mais persistentes, encontramo-los, em plena Revolução Farroupilha, enfrentando as forças imperiais.

8. A Flora Passo-fundense

Quando os jesuítas espanhóis chegaram a Passo Fundo, aqui encontraram uma paisagem verdadeiramente paradisíaca.
O historiador Francisco Antonino Xavier e Oliveira, nascido em 5 de agosto de 1876, que ainda adolescente, conheceu muito bem essa velha paisagem, como tropeiro, conta que o vastíssimo sertão do Alto Uruguai era costeado por uma vasta campanha recamada de butiazeiros. E que as pastagens eram excelentes em toda a parte. Descreve a vegetação como “luxuriante e variadíssima”, destacando o pinheiro brasileiro, predominante em toda a parte. Salienta a presença da erva-mate, através de grandes ervais, encontrados no sertão do Alto Uruguai e mais disseminados, mas também em grande quantidade em todas as matas do município.
Antonino enumera outras madeiras: o angico, a aroeira, o bugre, a cabreúva, o cambará, a canela preta, a cangerana, o cocão, a guajuvira, o ipê, a piúna, o tarumã, o cedro, a grapeapunha, o louro, o açoita-cavalo, a canela-loura, a caroba, o guatambu, o alecrim, a cereja, o carvalho, o coronilho, a guajuvira, a cabreúva, o sassafraz, a figueira-brava, o pau-ferro, o rabo de bugio, o araçá, o branquilho, todas empregadas comercialmente.
Entre os frutos silvestres lembra o pinhão, o butiá, o buriti, o ariticum, a cereja, o gerivá, a goiaba, o guabiju, a guabiroba, o guamirim, a jabuticaba, a ovaia, a pitanga, o sete-capotes, a amora, duas variedades de maracujá e o melão de São Caetano.
Todos esses espécimes vegetais foram intensamente explorados. As madeiras de lei, como é o caso dos pinheiros, do angico e do cedro, eram cortadas e, transformadas em tábuas ou, em especial, sob a forma de toras, eram amaradas, formando balsas, transportadas durante as grandes cheias para os portos do Rio da Prata, particularmente, na Argentina, de onde eram exportadas para os mais diversos pontos do globo.

9. A Fauna Passo-fundense

A fauna silvestre passo-fundense, também era riquíssima. O mesmo historiador Antonino Xavier e Oliveira, que a conheceu ainda bastante preservada, destaca os seguintes animais, entre os mamíferos: o bugio, o mico, o macaco, a irara, o guaraxaim, o mão-pelada, a lontra, o coati, a ariranha, o zorrilho, a raposa, a raposa-d`água, o cateto, o porco-do-mato, o tamanduá-mirim, o tamanduá-bandeira, a cotia, a paca, o preá, o coelho, a lebre, o rato do campo e do banhado, o morcego, a capivara, a anta, o guará, o gato-do-mato, a jaguatirica, o leão-baio, o leão-de-cara-rajada, o tigre-pintado e o preto, o cervo e os veados branco, pardo, virá e bororó e os tatus etê, mulita, canastra e do rabo mole.
Entre as aves silvestres podiam ser encontrados, o corvo-rei, o corvo-comum, o caburé, o carancho, o gavião, a coruja, o corujão, o penacho, o quiri-quiri, o tesourão e o urutaguá, todos rapineiros; o tucano e diversos tipos de pica-paus; o periquito, o maracanã, a tiriva, a baitaca e o araguari; o suruquá, o sangue-de-boi, o pirro, a andorinha, a noturna, o sudário, o tenente, o chupim-velho, sanhaço, tapena, gralha azul, gralha amarela, bosteiro, pintassilgo, patativa, caboclinho, bem-te-vi, cardeal, araponga, dragão, tesourinha, corruíra, tico-tico, canário, inhapim, diversos tipos de pombas, jacu perma e jacu vermelho, jacutinga, perdiz, codorna, macuco, inhandu, gaivota, garça, saracura, curicaca, maçarico, pato, mergulhão e biguá.
Representativos dos répteis eram o cágado, lagarto comum e do papo-amarelo, lagartixa, camaleão; entre os anfíbios diversos tipos de rãs, sapos e pererecas e as cobras jararaca, jararacuçu, cuatiara, cascavel, cipó, jararacaí, coral e papa-pinto.
Havia abundância de peixes nos rios passo-fundenses, salientando -se o surubim, o muçum, a joaninha, o pintado, o mandi, o roncador, o jundiá, o bagre, o dourado, a traíra, a voga, a piava, o tambicu, o crumatã, o cará, a saicanga e o lambari.
A variedade de insetos era enorme e a exportação de peles de animais silvestres se constituiu em grande negócio.

10. As Riquezas Hídricas

Não podemos esquecer as riquezas hídricas, especialmente num período em que se fala tanto em aquecimento global e poluição das águas. À exceção do Uruguai, que banhava o original município de Passo Fundo, nunca possuímos volumosos cursos d`água, mas devemos lembrar a grande quantidade de banhados e pântanos, responsáveis pela conservação da umidade do solo e a reprodução de inúmeros espécimes animais.
Passo Fundo, tendo por centro a Coxilha Geral é um divisor de águas.
A mais importante bacia hidrográfica do Estado é a do Uruguai. Em Passo Fundo, além do rio que dá nome à bacia, destacavam-se o rio do Peixe (Pirarucê), o Passo Fundo (Uruguai Mirim), que têm praticamente a mesma extensão, cerca de 200 quilômetros cada um, o da Várzea (Uruguai Pitã ou Uruguai Puitã) e o Rio Turvo, todos afluentes da margem esquerda do primeiro.
O Uruguai e seus afluentes banham dezenas de municípios originários de Passo Fundo, tendo sido responsáveis pela elevada produção agrícola, do Alto e Médio Uruguai.
O Jacuí, que nasce há poucos quilômetros da cidade, na mesma coxilha de onde manam o rio do Peixe e o rio Passo Fundo, corre na direção central do Estado, desaguando na Lagoa dos Patos, tendo como principais afluentes, no município, o Portão, o Pinheiro Torto, o Arroio Grande (Marupiara), o Glória, com seus afluentes Herval e Colorado, o arroio grande e muitos outros. O principal afluente, porém, é o Jacuí Mirim, que separava Passo Fundo de Cruz Alta, também conhecido como Jacuizinho. Todavia, o verdadeiro Jacuizinho é um afluente da margem esquerda do Jacuí Mirim.
Outro rio importante de Passo Fundo é o Taquari, também, conhecido como Capingüí, afluente do rio das Antas, que tem como afluentes o Camargo, o Branco e o Marau. Também banhava o município de Passo Fundo, o rio Carreiro.

11. Território Dividido

Como vimos, os jesuítas espanhóis dominaram o município de Passo Fundo entre 1631 e 1637, quando foram expulsos pelos bandeirantes. Diante do afastamento definitivo dos paulistas, voltaram a ocupar o noroeste e oeste do Rio Grande do Sul, a partir de 1682, quando fundaram São Borja. Permaneceram no Estado até pouco depois de 1750. Entregando as reduções ao bispo de Buenos Aires afastaram-se definitivamente da região. Os índios não aceitaram esse afastamento e iniciaram a Guerra Guaranítica, liderados por Nicolau Neenguiru e Sepé Tiaraju.
O Tratado de Madri acabou não entrando em vigor e Passo Fundo continuou sob domínio espanhol até 1801, quando José Borges do Canto e seus companheiros expulsaram os espanhóis, ocupando as Missões, onde se incluía Passo Fundo, ficando definitivamente em poder dos portugueses.
O período entre 1750 e 1801 foi muito importante para consolidar Passo Fundo como ponto estratégico. Como os limites entre Portugal e Espanha, a partir dos tratados de El Pardo (1761) e Santo Ildefonso (1777) passavam por Passo Fundo, mais precisamente pelo Campo do Meio, os espanhóis montaram uma guarda no Mato Castelhano, daí ali situar-se um local conhecido como Capão da Guarda, e os portugueses outro além, onde hoje fica o município de Caseros, no Mato Português.
Repetimos: até 1801 Passo Fundo pertenceu à Espanha.

12. Os Nomes de Passo Fundo

Nesse período deram-lhe diversos nomes: Curiti, que significa pinhais, em guarani; Santa Teresa del Curiti e Santa Teresa de los Piñales, conforme documentos dos jesuítas castelhanos. A partir de 1637, durante a ocupação bandeirante, recebeu o nome de Igaí, enquanto os espanhóis conheciam o local simplesmente como Piñales (Pinhais). No começo do século XIII (1700 e pouco) já aparece como Campo das 20 Mil Vacas e Vacaria dos Pinhais, até 1765. Já no final da ocupação espanhola é conhecido como Pinarés.
Depois que os portugueses tomaram posse definitiva de Passo Fundo, em 1801, conferiram diversos nomes à região: Alto Jacuí da Vacaria, no princípio do século XIX, Nossa Senhora da Conceição Aparecida de Passo Fundo, a partir de 1843, Passo Fundo da Cruz Alta e Passo Fundo das Missões, em documentos farroupilhas, entre 1835 e 1845, Nossa Senhora Aparecida do Passo Fundo, até 1889 e simplesmente Passo Fundo, de 1889 para cá.
O rio Passo Fundo, que deu nome à cidade e ao município, aparece com as seguintes denominações: Goio-en (água funda, pelos caigangues), Curiti (pelos tapes e guaranis) Uruguai-Mirim (para diferenciar do Uruguai-Açu, Uruguai Grande, o rio Uruguai), Goio-en-Mirim (mirim, significa pequeno em guarani) e Passo Fundo, até hoje.

13. Domínios sobre Passo Fundo

No início da ocupação espanhola, Passo Fundo passou à jurisdição de Buenos Aires, quer dizer, como território argentino, até 1609, quando integrou a Província do Paraguai, sendo ocupado pelos portugueses (bandeirantes paulistas), entre 1637 e 1680, aproximadamente. Depois que os bandeirantes deixaram Passo Fundo, retornou ao controle de Buenos Aires até 1801, quando, definitivamente, anexaram-no ao território português. De 1801 a 1809, sua administração coube ao Comando Militar de São Borja. Pertenceu ao município de Rio Pardo de 7 de outubro de 1809 a 11 de março de 1833 e de 11 de março de 1833 e 28 de janeiro de 1857 integrou o município de Cruz Alta. Em 28 de janeiro de 1857, emancipado, adquiriu autonomia, assumida plenamente no dia 7 de agosto de 1857 com a instalação da Câmara Municipal.
O primeiro morador a fixar residência onde hoje é a cidade, nas proximidades da praça Tamandaré, chamava-se Manoel José das Neves, conhecido como Cabo Neves, em fins de 1827 e inícios de 1828. Concluída primeira Igreja tomou foros de Freguesia, em 26 de janeiro de 1847, de Vila, em 28 de janeiro de 1857, com a emancipação, e de Cidade no dia 19 de abril de 1891.

14. O Gado e os Ervais

Quando os bandeirantes expulsaram os jesuítas castelhanos das reduções de Santa Teresa del Curiti e de San Carlos del Caapi, no final de 1627 e princípios de 1638, ficaram, espalhadas pelos campos de Passo Fundo, centenas de cabeças de gado bovino, eqüino e ovino. Das ovelhas não se sabe notícia. Os bovinos, porém, se reproduziram de tal maneira que, a partir de 1682, quando os inacianos espanhóis retornaram ao Rio Grande do Sul, Passo Fundo chegou a ser conhecido como “Campo das 20 mil Vacas”. Em plena Guerra dos Farrapos, de quando por aqui passou, acompanhado de sua mulher Anita e do filho Menotti, Giuseppe Garibaldi, conta que, no Campo do Meio, os famosos “lanceiros negros” farroupilhas laçaram e domaram às pressas os cavalos selvagens, para substituir as montarias estropiadas e cansadas que serviam ao exército republicano rio-grandense.
Com a destruição das reduções castelhanas em Passo Fundo, os caigangues tomaram conta da região, chegando a tal ponto o controle e a extensão do poder dos bugres que os primeiros moradores brancos da atual cidade de Cruz Alta precisaram transferir a povoação do atual local para outro. A atual Cruz Alta situa-se perto de onde existia um bosque dominado pelos botocudos. Os historiadores não precisam a data desses fatos. Seguramente, foram antes de 10 de junho de 1821, quando foi requerida à Junta Governativa da Província, pelos moradores que sabiam assinar, a constituição do povoado.
Depois de 1632 os jesuítas e os guaranis missioneiros exploravam os ervais do primitivo município de Passo Fundo, especialmente no Alto Uruguai e no Botucaraí (Soledade). Depois que retornaram só o conseguiam com expedições compostas por dezenas de homens fortemente armados. Caso contrário, acabariam trucidados pelos guerreiros caigangues. O corte da erva mate nativa obedecia a regras especiais, seguidas à risca pelos índios. Cortavam apenas os galhos das árvores adultas, e de quatro em quatro anos. Exportavam o produto pelo porto de Buenos Aires e os recursos ficavam em poder da Companhia de Jesus, que administrava as reduções. Os jesuítas, que garantiam a subsistência dos índios, controlavam os recursos auferidos com o gado e outros produtos das reduções.

15. A Conquista das Missões

A conquista das Missões, em 1801, constituiu-se num dos episódios mais interessantes da História do Brasil. Com a saída dos jesuítas espanhóis, depois da Guerra Guaranítica, o território ficou sob a responsabilidade de administradores nomeados pelas autoridades coloniais castelhanas.
Esses delegados do poder bonaerense passaram a explorar descaradamente os índios, dilapidando, em proveito próprio, bens e produtos das reduções. Some-se a isso o fato de que os rio-grandenses compravam dos índios esses bens e produtos, aumentando a indignação dos guaranis contra as autoridades castelhanas. Estava, pois, pronto um rastilho de pólvora capaz de explodir com o domínio castelhano. Bastava um palito de fósforo para provocar a explosão.
E esse palito apareceu na pessoa do rio-pardense José Borges do Canto. Desertor do Regimento dos Dragões de Rio Pardo, conhecia muito bem a região missioneira e sabia onde encontrar aventureiros suficientemente corajosos, audazes e com ligações entre os guaranis. Recebeu anistia, armas e munições do coronel Patrício José Correia da Câmara, comandante dos Dragões de Rio Pardo, para que hostilizasse as Missões através da guerra à gaúcha. Juntou um pequeno grupo, obteve o concurso do estancieiro mameluco Manuel dos Santos Pedroso, com uma partida de 20 homens, agregando-se-lhes o tenente Antônio de Almeida Lara, com 12 homens, e o furriel Gabriel Ribeiro de Almeida.
Num ataque fulminante, esses legionários, conseguindo o apoio de caciques e outros índios, em pouco mais de três meses, expulsaram os administradores espanhóis. No dia 23 de novembro de 1801 toda a Província das Missões, onde Passo Fundo estava inserido, passou definitivamente para o domínio português.
Os desertores anistiados, que conquistaram as Missões, foram reincorporados ao Exército Português e generosamente premiados com grandes extensões de terras, formando a base da aristocracia estancieira da região conquistada.

16. A Povoação das Missões

Uma vez dominadas as Missões, urgia povoá-las. As terras foram doadas a militares e pessoas que dispusessem de recursos para ocupá-las e enfrentar a ameaça de invasões castelhanas. Ofereceram terras também a homens casados, com experiência militar, o que levou muitos soldados a casarem-se às pressas com índias, dando origem ao missioneiro característico dos nossos dias, com sua cor acobreada, barba rala, bigodão preto caído sobre os cantos dos lábios e cabelos igualmente negros e grossos.
Ao mesmo tempo em que soldados casavam com as índias, os novos conquistadores retiravam grupos inteiros de guaranis e os transmigravam para outras partes do Estado, como Osório e a atual Gravataí. Na prática, reeditava-se a mesma política bandeirante, afastando os índios do seu local nativo, quebrando a ligação deles com a “terra mãe” e enfraquecendo o seu poder de rebelar-se contra os dominadores.
Argentinos e uruguaios, não aceitaram pacificamente a conquista das Missões Orientais, como conheciam a região anexada ao Rio Grande do Sul. Conscientes disso, as autoridades portuguesas, adotaram as medidas acima e trataram de procurar um caminho que encurtasse as distâncias entre São Paulo e a “Província das Missões”.
A alternativa que consideravam mais plausível era a descoberta (ou redescoberta) de um caminho que passava pelo centro do campo dos biturunas, também conhecido como Ibitiru ou Ibiturana, que significa “serra negra”, a densa floresta do Alto Uruguai. Tratava-se, na verdade de um antigo caminho indígena, que teria sido percorrido por jesuítas e guaranis, depois que os bandeirantes tomaram as Missões do Guairá, em 1630.
No atual Território do Rio Grande do Sul esse “Caminho de Ibitiru” entraria pelo Passo do Goi-en, nas proximidades da atual cidade de Nonoai, encurtando em muito a distância até as Missões.

17. A “Redescoberta” de Passo Fundo

Para abrir uma passagem que desse direto de São Paulo até as Missões, no Rio Grande do Sul, o governo daquela província determinou que o alferes curitibano Atanagildo Pinto Martins, em 1815, chefiasse uma expedição, que saindo dos Campos de Palmas, penetrasse no Rio Grande, aproximadamente onde hoje está situada a ponte do Goi-en.
Guiava essa força um índio de nome Jongongue ou Jonjong. Pouco sabemos sobre esse vaqueano, mas o que chegou até nós é suficiente para afirmar que ele conhecia profundamente o oeste catarinense e o norte do Rio Grande do Sul. Como essas regiões estavam sob o controle dos caigangues, que opunham pertinaz resistência à presença do homem branco, Jongongue se negou a conduzir a expedição rumo ao passo do Goio-En, preferindo seguir para o leste e depois para o sul, na direção dos Campos Novos, em Santa Catarina. Vadeou o rio Uruguai, num local que ficou conhecido como passo do Pontão, depois mudado para passo do Barracão. Aí ingressou em território gaúcho, saindo nos Campos de Vacaria, atravessou o Campo do Meio, cortou Passo Fundo, rumando para as Missões.
A expedição de Atanagildo Pinto Martins apresentou-se ao comandante militar de São Borja das Missões no dia 17 de abril de 1816, noticiando a “descoberta” de um novo – e mais curto – caminho, ligando a “Província das Missões” ao centro do país. Na verdade, esse trajeto já era conhecido dos índios e, ao que tudo indica, os próprios bandeirantes já o utilizaram para destruir as primeiras reduções espanholas e conduzirem índios para São Paulo.
Alguns historiadores acreditam que esse “novo caminho”, também conhecido como Mondecaá, Caapi e “vereda das Missões” já fosse usado por tropeiros e contrabandistas de mulas. A insistência das autoridades paulistas em “descobrir” o caminho pelo Goi-en também leva a crer que fosse conhecido pelos bandeirantes, pois era utilizado, há séculos, pelos índios.
Uma vez cumprida sua incumbência, Atanagildo Pinto Martins regressou a São Paulo, pelo mesmo caminho, cruzando, de novo, por Passo Fundo. Entre Passo Fundo e Cruz Alta, determinou que os civis integrantes de seu grupo, à exceção de um índio, Antônio Pahy, prosseguissem na direção norte. Enquanto Atanagildo, os demais militares e Antônio Pahy seguiam a salvo de índios hostis, Jongongue e outros seis homens partiram na direção de Nonoai para nunca mais serem vistos.
Anos depois, os primeiros brancos que contataram com os caigangues e participaram das iniciativas para aldear os índios do Alto Uruguai, encontraram testemunhas do massacre de Jongongue e seus companheiros.
Certo é que a decisão de Atanagildo Pinto Martins desagradou a “Junta” paulista responsável por essa expedição. O alferes foi afastado do Exército e nomeado “capitão-comandante” de um “corpo de guerrilhas”, composto de sessenta homens, para lutar contra a invasão das Missões pelo índio guarani são-borjense Andrezito Artigas. Atanagildo permaneceu no Rio Grande do Sul lutando contra os guerrilheiros de Andrezito Artigas, e nessa luta perdeu seu próprio filho Antônio Ribeiro Martins, de 17 anos.
A permanência de Atanagildo no Rio Grande e sua luta contra a invasão castelhana fizeram com que ele conhecesse a região e decidisse mudar-se para as Missões. Retornou a São Paulo para trazer os filhos, a segunda esposa, irmãos e demais parentes. Aproveitou as relações travadas com as autoridades rio-grandenses para obter grandes concessões de terras para si próprio e aparentados seus, em áreas do original município de Cruz Alta. Atanagildo fixou-se onde hoje é Santa Bárbara, seu irmão Rodrigo Félix Martins, montou fazenda em Pinheiro Marcado, hoje Carazinho; José Antônio de Quadros, outro parente dos Martins, recebeu imensa gleba de terras em área lindeira.
Antes disso, diversos militares ganharam grandes áreas de terra no que viria a ser o município de Passo Fundo.

18. A Povoação de Passo Fundo

No primeiro quartel do século XIX, podem ser lembrados entre os militares que receberam grandes áreas de terras no futuro município de Passo Fundo, o sargento-mor Domingos da Silva Barbosa, entre Marau e Soledade, Antônio Rodrigues Chaves, pai, Antônio José Landim, Anastácio José Bernardes, Florentino José Soares, Fabrício José das Neves, pai, Atanagildo Rodrigues da Silva, pai, e Antônio José de Mello Bravo, no “Rincão do Botucaraí”, depois Soledade.
Como vimos, a povoação do primitivo município de Passo Fundo começou pela área rural, pelas “bordas” de Carazinho e Soledade. E continuou facilitada pela ação de tropas paulistas, curitibanas e lageanas, que, passando pelo passo do Pontão (no atual município de Barracão) cruzavam pelo Mondecaá (Mato das Armadilhas, Mato Castelhano) e Caapi (Caminho do Mato).

19.1. A Chegada do “Cabo” Neves

Por aqui passou um dia o cabo de milícias Manoel José das Neves, nascido, ao redor de 1790, ao que tudo indica em São José dos Pinhais, distrito de Curitiba, Estado do Paraná, para participar da Guerra da Cisplatina, acabando ferido no combate do Rincão das Galinhas, em 24 de setembro de 1825. O Rincão das Galinhas é formado pela confluência do rio Negro, que nascendo em território gaúcho vai desaguar em pleno território uruguaio.
Ferido de guerra, Manoel José das Neves requereu uma área de terras em Passo Fundo, fixando-se exatamente no local onde, no ano de 1826, o major Manoel da Silva Pereira do Lago, administrador militar de São Borja havia se escondido, amedrontado com a aproximação do caudilho uruguaio Frutuoso Rivera. Este saqueou São Borja e seguiu seu próprio rumo com as carretas cheias de tudo quanto pode carregar. Talvez não seja mera coincidência o fato de que o “cabo” Neves escolhesse o lugar próximo à fonte do Goioexim (água pequena), “Chafariz da Mãe Preta”, onde o major fujão se protegeu. Acompanhavam-no famílias que formaram um grande acampamento. É possível que entre essas famílias estivesse a de Manoel José das Neves.
Essa possibilidade fica evidente com a pressa do cabo Neves (que, na verdade, seria “capitão de milícias”) em tomar posse da terra solicitada era tanta que nem esperou pela autorização. Pegou a esposa, Reginalda da Silva, parentes, escravos, os tarecos que deixara em São Borja e se mandou para Passo Fundo.
Chegando às terras que requerera, no final de 1827 ou princípios de 1828, Manoel José das Neves construiu um rancho provisório, segundo informações de seus filhos, onde hoje está o cruzamento das ruas Uruguai e 10 de Abril, proximidades da atual praça Tamandaré.
Pouco sabemos sobre a vida de Manoel José das Neves. Ao que tudo indica nasceu em Curitiba no ano de 1787 e faleceu em Passo Fundo por volta de 1852. Era casado com Reginalda do Nascimento Rocha ou Reginalda Silva. Segundo o genealogista César Lopes, o casal teve os seguintes filhos: Salvador Neves Paim, Madalena Maria dos Santos, Fabrício José das Neves e Maria das Neves. Esta casou com José Prestes Guimarães, deixando os seguintes filhos: Emília, batizada por Joaquim Fagundes dos Reis em 7 de novembro de 1848, Virgília, Antônio Ferreira Prestes Guimarães, que chegou à presidência da província e a general maragato, e Maria Prestes Annes, casada com Gezerino Annes.
Apesar de passar para a história como “cabo”, é apresentado como “capitão de milícias” pelo historiador Hemetério José Velloso da Silveira e aparece como capitão do Exército Imperial em documentos do período farroupilha.

19.2 O Fundador de Passo Fundo

Ao redor da “casa” do novel fazendeiro, agregados e escravos ergueram suas moradias. Apenas a 30 de novembro de 1831 saiu o documento concedendo quatro léguas quadradas de terras para o “cabo” Neves.
Sua propriedade abrangia a maior parte da atual área urbana de Passo Fundo, do rio Passo Fundo ao Pinheiro Torto, mais os campos dos Valinhos, segundo as melhores fontes.
O que distingue a fazenda de Manoel José das Neves, das demais fazendas da região é que ele permitiu a fixação de outros moradores, perto de sua casa, ao longo da “estrada das tropas”. A maioria dos historiadores assegura que a “estrada das tropas” corresponde à atual avenida Brasil; outros dizem que seria a rua Lava-pés.
O certo é que a cidade cresceu às margens da avenida Brasil. Em 1834 o quarto quarteirão de Cruz Alta, correspondente a Passo Fundo, contava com 104 fogões, isto é, 104 famílias de pessoas livres, não levando em consideração os escravos e, provavelmente, muitos agregados. Tal crescimento permitiu a autorização para a construção da Capela de Nossa Senhora da Conceição, que se localizava em ponto fronteiro à atual agência dos Correios, porém com a frente voltada para o Nordeste.
Perto da Capela, correspondendo, mais ou menos ao quarteirão hoje formado pela avenida General Neto, e as ruas Coronel Chicuta, Independência e General Osório ficava o Cemitério onde só católicos eram sepultados. Com a chegada dos primeiros luteranos alemães, surgiu o Cemitério dos Acatólicos, às margens da antiga estrada para o Goi-en (Nonoai), hoje rua Teixeira Soares. No local situa-se o Estádio Fredolino Chimango.

19.3. Tropeiros e Paulistas

Como vimos antes, o “caminho das tropas” ou “vereda das Missões”, que atravessando Passo Fundo levava ao “passo do Barracão”, era uma picada usada há séculos pelos índios. Por ela passaram as forças de Raposo Tavares, em 1638; o tropeiro Cristóvão Pereira de Abreu também o teria percorrido, em 1738, e seria atravessado por ousados contrabandistas de tropas em décadas posteriores.
Redescoberto por Atanagildo Pinto Martins, em 1816, três anos depois o tropeiro paulista João José de Barros, que lideraria a criação de Cruz Alta, passou por aqui transportando uma tropa de mulas. Em 1822 Manoel Francisco Xavier e seu filho Francisco, juntamente com escravos e índios ervateiros palmilharia o Mondecaá para montar um carijo em Palmeira, e comprar mulas, na Fronteira, que levou para vender em Sorocaba.
A passagem das tropas de muares, o trânsito de forças militares, a produção de erva-mate e o comércio de couros de animais silvestres, associados à generosidade do cabo Neves em permitir a concentração de moradores em suas terras, viabilizaram o surgimento da atual cidade de Passo Fundo, sendo os fatores determinantes para a prosperidade do município.
Outro ponto que se deve salientar é o tipo humano que colonizou o original município de Passo Fundo: famílias com tradição de colonização, descendentes de homens e mulheres que, com o trabalho dos seus escravos, tinham desbravado os planaltos paranaenses. Os fundadores do município de Passo Fundo estavam amoldados à exploração do solo e das riquezas naturais, acostumados ao confronto com quem quer que fosse (índios ou espanhóis) que se opusesse aos seus objetivos de conquista do solo. Acostumados a ampliarem seus domínios pessoais a ferro e fogo, aparentados entre si, todos carregavam em suas veias maior ou menor percentual de sangue indígena. Parece que a memória genética lhes assegurava a solidariedade tribal dos ancestrais nativos. Ameaçar a um desses pioneiros, era provocar todos eles.

20. Crescimento Vertiginoso

O crescimento de Passo Fundo nos seus primeiros anos foi vertiginoso. O poder público, logo, tomou medidas administrativas para assegurar a cobrança de impostos, instalando pontos para cobrança de tributos ao longo do “caminho das tropas” (Passo Fundo-Lagoa Vermelha), do “caminho do Botucaraí” (Passo Fundo-Soledade).
Nesse processo de submeter a incipiente sociedade civil nascente, representada por Manoel José das Neves, teve papel importante Joaquim Fagundes dos Reis, verdadeiramente nosso primeiro “político”, responsável por liderar a subscrição para a criação da Capela (em terras cedidas pelo “cabo” Neves), exercendo diversos cargos públicos e “articulando” a emancipação de Passo Fundo, através de “acerto” com líderes dos dois partidos, o Conservador e o Liberal, que monopolizavam o sistema político brasileiro da época.
Joaquim Fagundes dos Reis nasceu em Curitiba, onde foi batizado a 21 de dezembro de 1893. Em 1828 se encontrava em Cruz Alta, onde batizou seu filho José. Estava casado com Vicência Pereira de Lima, com quem teve dez filhos. Casou em segundas núpcias com Emília Francisca de Borba, que lhe deu os filhos Lucrécia, Anacleta e Quirino.
Com o surgimento do povoado em terras de Manoel José das Neves, foi designado comissário de polícia de Passo Fundo, em 1830 e juiz de paz, em 1834. Apoiou os farroupilhas, sendo preso e encaminhado para o Rio de Janeiro. Sua libertação foi “paga” pelos revolucionários. Participou dos movimentos para que Passo Fundo chegasse à condição de capela e à emancipação de Cruz Alta. Foi vereador na primeira legislatura, falecendo a 23 de julho de 1863.
Em 1834, uma força exploradora comandada por Bernardo Castanho da Rocha, descobriu os campos de Nonoai, e o “quarteirão” era elevado à categoria de 4º distrito de Cruz Alta, sendo eleito Joaquim Fagundes dos Reis, como Juiz de Paz, tendo como suplentes, Bernardo Castanho da Rocha, Rodrigo Félix Martins e João dos Santos. As autoridades religiosas, nesse ano, aprovavam construção da Capela, que já estaria concluída no final do ano seguinte.
Diariamente aqui chegavam paranaenses, lageanos (catarinenses) e paulistas em busca de terras. Partidas de índios mansos, mamelucos e negros, comandados por brancos que conseguiam juntar alguns “mil-réis”, enfiavam-se pelos matos e serras à procura de ervais nativos a serem explorados e de peles animais silvestres. Logo descobriram pedras semipreciosas, que acabariam exportadas para a Europa por comerciantes alemães. Talvez isso explique a presença de tantos “brummeres” entre nossos imigrantes alemães. Caboclos tomavam posse de “terras de ninguém”, afastando os caigangues a ferro e fogo.
Assim, quando a Revolução Farroupilha estourou em Porto Alegre no dia 20 de setembro de 1835, encontraria Passo Fundo em franco desenvolvimento.

21. A Revolução Farroupilha

A Revolução Farroupilha representou o que de pior poderia ter acontecido para a florescente povoação de Passo Fundo. À exceção de alguns “políticos”, como Joaquim Fagundes dos Reis, a maioria dos passo-fundenses e cruz-altenses apoiaram as forças imperiais.
Os habitantes do Planalto Médio Gaúcho, em sua maioria paulistas e paranaenses, não tinham os mesmos interesses dos fazendeiros da Fronteira. Estes, homens com propriedades no Brasil e no Uruguai, dependiam do charque. Ao contrário, a base da economia planaltina assentava-se no comércio de animais com o centro do país, o extrativismo ervateiro e de peles de animais silvestres e alguma produção de cereais.
Passo Fundo, em 1835, se constituía numa extensão da província de São Paulo. Grande parte dos moradores locais retornou para suas regiões de origem ou aderiu às forças legais. Sirvam de exemplo, Manoel José das Neves, pelo menos por duas vezes preso pelos farroupilhas, no posto de capitão do Exército Imperial, e Atanagildo Pinto Martins – e seu clã familiar -, que rompeu com os farrapos. Atanagildo conduziu os caramurus gaúchos, numa incursão a Santa Catarina, derrotando os revolucionários no Combate de Curitibanos.
Por aqui passaram forças revolucionárias e legalistas, inclusive acampando em variados pontos do município.
Não ocorreram combates importantes, mas alguns episódios pouco divulgados aconteceram, como a derrota do general Pierre Labatut, mercenário francês, herói da Guerra da Independência. Humilhado pelos ataques que sofreu dos índios serranos, respondeu a conselho de guerra. Mesmo absolvido e reintegrado ao Exército Imperial, acabou com depressão profunda. Recolheu-se à capital baiana, onde faleceu.
A verdadeiramente esfarrapada e faminta infantaria de Pierre Labatut foi uma das diversas forças envolvidas na Revolução Farroupilha que passaram por nossa cidade.

21.1. Um Povo em Armas

A conquista das Missões, em 1801, marca a consolidação territorial, humana e econômica do Rio Grande do Sul. A exitosa expedição da cavalaria gaúcha, que imortalizou Borges do Canto, consolidando a imagem do “centauro gaúcho”, presença constante e base de toda a literatura gauchesca de língua portuguesa, praticamente delimitou as fronteiras sul-rio-grandenses e consolidou o poderio dos estancieiros-militares.
A conquista das Missões e a partilha do seu território entre veteranos das guerras de Fronteira, transformou a nova unidade territorial brasileira em área ocupada por “um povo em armas”. Esse fato, como conquista militar de brasileiros – e muitos desses brasileiros naturais da própria Província de São Pedro do Rio Grande do Sul – será fundamental para garantir a integração definitiva da região ao Brasil. Será, também, fundamental para integrar seus habitantes a todas as campanhas militares posteriores do Brasil e em todas as revoluções. Seis delas: 1835, 1893, 1923, 1924, 1926, 1930, aqui surgidas e lideradas pelos gaúchos; outras duas, 1932 e 1964, com participação marcante dos sul-rio-grandenses

21.2. A Revolução do Charque

A Revolução Farroupilha foi obra e arte dos estancieiros gaúchos, em defesa dos seus interesses como produtores de charque. O charque era o petróleo daquela época. Os serviços, a indústria, a agricultura – toda e qualquer atividade econômica – eram movidos pela mão-de-obra escrava. E o combustível que fazia essas máquinas humanas moverem-se era o charque produzido no Rio Grande do Sul e nos países platinos, mormente no Uruguai. E isto, também, é importante porque a maior parte das fazendas uruguaias de criação de gado pertenciam a estancieiros sul-rio-grandenses.
Para baixar os custos de produção do café, do açúcar e de outros produtos exportados pelo Brasil era importante que o preço do charque fosse baixo. Isso prejudicava grandemente e revoltava os estancieiros gaúchos de 1835. Estes controlavam todos os cargos públicos da Província. Com a nomeação de Antônio Rodrigues Braga para presidente da Província, em 1834, os cargos públicos da Província passaram para os conservadores, adversários políticos dos liberais, partido de Bento Gonçalves da Silva.
A demissão dos companheiros de Bento Gonçalves da Silva e dos demais “farroupilhas”, como eram apelidados os liberais, foi a gota d`água. O que aparece como “despotismo”, nos manifestos, discursos e outros documentos dos “farroupilhas”, significa exatamente isso: a substituição dos seus correligionários pelos conservadores. A partir daí, a história é conhecida: o Rio Grande do Sul, durante dez anos (1835 a 1845), foi varrido pela mais demorada revolução brasileira, uma verdadeira guerra civil que ficou conhecida como Revolução Farroupilha.

21.2. Terra Promissora

Passo Fundo, ao estourar a Revolução Farroupilha, começara a ser povoada há menos de sete anos. E crescia vertiginosamente. Acabou reduzida a cinco ou seis ranchos, segundo o testemunho recolhido pelo historiador Antonino Xavier e Oliveira entre pessoas que aqui viveram e, portanto, conheceram Passo Fundo daquela época.
O comércio de gados e outros animais, a erva-mate e as madeiras nobres eram as principais atividades econômicas do nascente Passo Fundo. Tropas de animais, atravessando o Mato Castelhano, o Campo do Meio e o Mato Português, cortando os atuais estados de Santa Catarina e Paraná, seguiam para a Feira de Sorocaba, em São Paulo. Carretas com erva-mate, atravessando Cruz Alta, seguiam para os comércios na Fronteira. Cargueiros, “em lombo de burro”, alternando-se com carretas, tomavam o “caminho do Botucaraí” até Rio Pardo, e dali a erva-mate e o chá de mate, eram levados para os mais diversos pontos onde existissem consumidores para essas abundantes riquezas passo-fundenses.
Se o comércio de animais e de erva-mate representavam as principais atividades econômicas de Passo Fundo, quando começou a Revolução Farroupilha, diversos produtos agrícolas começavam a ser produzidos em abundância. A lavoura, ainda que incipiente, produzia milho, feijão, batatas, amendoim e arroz.
Em 1835 Passo Fundo possuía dois comerciantes: Manoel José das Neves, o primeiro morador, e Adão Schell, alemão, primeiro imigrante estrangeiro a instalar-se na área urbana da cidade. Ambos, fiéis ao governo do Império, abandonaram o município. Manoel José das Neves, no posto de capitão do Exército Imperial, aderiu às forças que combatiam os farroupilhas, e Adão Schell exilou-se no Uruguai, de onde, pacificado o Rio Grande do Sul, retornaria definitivamente para Passo Fundo.
A Revolução Farroupilha dividiu o Rio Grande, e também dividiu Passo Fundo. Joaquim Fagundes dos Reis, José Antônio de Quadros, João Floriano de Quadros, Rodrigo Félix Martins, Manoel Antônio de Quadros e Manoel Joaquim de Britto, apoiaram a Revolução Farroupilha, o que deveria ser natural, pois todos tinham ligação com a Guarda Nacional, que formou a base inicial do Exército Farrapo.

21.3. Terra Dividida

Fiéis ao Império ficaram outros fazendeiros passo-fundenses que também deixaram numerosa descendência: Manoel José das Neves, Bernardo Paes de Proença, Manuel de Souza Duarte, Manuel José de Araújo e João da Silva Machado, Barão de Antonina, que residia em Curitiba, dono das fazendas do Arvoredo, do Cedro e do Sarandi.
Outros potentados fazendeiros da região que, de início, apoiaram a Revolução Farroupilha, mais tarde passaram para o lado governista, acompanhando Bento Manoel Ribeiro. É o caso de Atanagildo Pinto Martins, de Cruz Alta, e todo o seu “clã”, que incluía muitos moradores de Passo Fundo e tiveram grande importância no combate aos revolucionários, inclusive em Santa Catarina.

21.4. Primeiros Combates

Em 1838 o presidente em exercício da República Rio-Grandense, José Mariano de Mattos teve de abandonar Porto Alegre, assediada pelas tropas legalistas. Seguiu para Lages, pelo primitivo Caminho das Tropas, regressando ao Rio Grande pelo Caminho das Missões. Chegando em Passo Fundo, tomou o Caminho do Botucaraí (hoje Soledade), seguindo para o centro da Província, assediando militarmente a capital gaúcha. Nesse mesmo ano, em fevereiro, o então coronel farroupilha João Antônio da Silveira estava em operações sobre o Mato Castelhano, para desalojar uma força imperial cruz-altense, comandada por Manoel dos Santos Loureiro, que ali se aquartelara.
Em 12 de janeiro de 1839, no passo do Pontão, estrada de Campos Novos e Curitibanos, uma força imperial da qual faziam parte muitos passo-fundenses e cruz-altenses, guiados por Atanagildo Pinto Martins, que abandonara os farrapos, derrotou uma tropa farroupilha comandada pelo tenente-coronel Joaquim Teixeira Nunes, e seus valentes lanceiros negros, vingando a derrota que os imperiais tinham sofrido, pouco tempo antes, no mesmo local diante do incansável campeador republicano.
No final do ano seguinte passariam outras forças por aqui. No dia 5 de dezembro de 1839 o coronel Agostinho Melo pede a Ricardo Antônio de Melo para comunicar a Bento Manuel Ribeiro que, tendo mandado um contingente de 50 homens reunir-se ao tenente-coronel Manuelito Aranha. Essa força foi atacada “para cá da estância do Lara”. Agostinho Melo afirma que a tropa era comandada pelo capitão Lima e que foi completamente destroçada, ficando prisioneiro o tenente Saraiva. Apenas o capitão, com dois oficiais e oito soldados conseguiram escapar. Como eram poucos os farroupilhas estacionados em Passo Fundo, o que seria confessado pelos prisioneiros, ordenou que se retirassem para o Botucaraí (Soledade).
Antonino Xavier e Oliveira registra que a força imperial vinha de São Paulo e era comandada pelo capitão Hipólito Machado Dias. Segundo o “pai da história passo-fundense”, o farroupilhas eram comandados por um capitão de nome Felisberto, alcunhado de Carne Preta. Os caramurus fizeram 42 prisioneiros, que não opuseram resistência maior. Eram legalistas “reunidos a ponta de espada”.

21.5. O Massacre das Bugras

Hipólito Machado Dias deixou em Passo Fundo um contingente com 150 homens, comandado por um tenente de nome Lúcio. Este, ao que tudo indica, procurando “reunir índios a ponta de espada”, atacou uma aldeia de índios, matando e violentando mulheres, e abandonando as crianças indígenas nas ruas de Passo Fundo. Em princípios de 1840, Bento Manoel Ribeiro passa por Passo Fundo, recolhe os pequenos órfãos, e os remete para Domingos José de Almeida, um dos mais representativos líderes farroupilhas. Recomendava que as crianças fossem entregues a pessoas filantrópicas, que se responsabilizassem pela criação e educação dos adotados. Bento Manoel recomenda que as crianças, sob maneira alguma, fossem tratadas como escravos.
Domingos José de Almeida, que pretendeu escrever uma História da Revolução Farroupilha, ainda em 1860, se preocupava com o destino dos bugrinhos passo-fundenses. Mais precisamente, queria saber como estavam uma “bugrinha tomada ao pé de Passo Fundo” por Bento Manuel Ribeiro “para mandar criar e educar” e sobre uma “menina achada no mato” pelo major Antônio Vicente da Fontoura.
Antônio Vicente da Fontoura, que seria encarregado, em 1844, de acertar a paz com o Império, no Rio de Janeiro, esteve em Passo Fundo, durante largo período. Aqui recolheu dinheiro entre proprietários rurais e manteve uma guarda, no Mato Castelhano, para a cobrança de impostos. Aqui sua esposa deu a luz a Bento Porto da Fontoura, que ao publicar o livro de poemas Flores Incultas, em 1872, tornou-se o primeiro escritor passo-fundense a editar um livro.
O “massacre das bugras” e o caso dos órfãos sensibilizou Domingos José de Almeida, que responde que os pequenos órgãos índios deveriam ser cuidados à custa da nação, pois os nativos deveriam merecer apreço de todos. A ação legalista contra os índios apenas aumentaria a revolta dos mesmos contra os brancos.

21.6. A “Operação Passo Fundo”

O português Francisco José de Souza Soares de Andréa, legalista, exerceu a presidência da Província do Rio Grande do Sul, em duas oportunidades: entre 24 de junho de 1839 e 27 de junho de 1840 e entre 17 de abril de 1841 e 9 de novembro de 1842. Intransigente, aferrou-se ao plano de que os farroupilhas somente poderiam ser derrotados militarmente se conseguissem ser atraídos para um único local. Postos entre dois fogos, não resistiriam.
Um desses planos, poderíamos denominar exatamente de “Operação Passo Fundo”. Aparentemente simples, consistia em atrair para cá o exército farroupilha, cuja maior parte, sob o comando de Bento Gonçalves da Silva e David Canabarro, mantinha um cerco sobre Porto Alegre e “ trazer” em auxílio daqueles dois generais os farroupilhas da Fronteira. Para “chamar” os farrapos veio de São Paulo uma força com mais de mil homens, comandada pelo mercenário francês Pierre Labatut, herói das Guerras da Independência.
Bento Gonçalves e Davi Canabarro, temendo que Labatut, descendo pela primitiva “estrada das tropas”, que passava por Torres, fosse atacá-los, favorecendo que as forças de Andréa, estacionadas em Rio Pardo, cercassem o exército farroupilha, adotou uma estratégia ousada. Abrindo picadas pela “serra das Antas”, saiu no Campo do Meio, então pertencente a Vacaria, quase caindo na armadilha pensada pelo presidente da Província. Enquanto isso, os republicanos da Fronteira marchavam às pressas para Cruz Alta.

21.6.1. Herói Humilhado

Pierre Labatut viu sua tropa esfacelar-se nas serras de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Tiveram de abandonar artilharia, armamento da infantaria e munições. Contribuiu para esse esfacelamento a dissolução do corpo militar formado por passo-fundenses e cruz-altenses comandado pelo coronel Antônio de Melo Albuquerque e o afastamento daquele oficial legalista.
Além disso, sofreram ataques dos caigangues, no Mato Português e no Mato Castelhano. Quando aqui chegou, em 7 de dezembro de 1840, seu exército estava reduzido a pouco mais de 300 homens, “todos mal armados e em um verdadeiro estado de nudez que faz pejo apareça em uma tropa da legalidade, e demais uns três grupos de homens a cavalo intitulados Corpos de Cavalaria e uma bagagem então numerosa de bestas em carga”, segundo deixou registrado o tenente-coronel Francisco de Arruda Câmara, que fazia parte dessa força.
Pierre Labatut pouco permaneceu em Passo Fundo. Temendo a aproximação das forças de Bento Gonçalves da Silva e David Canabarro, pelo “caminho das Missões” e a subida de outros contingentes farroupilhas, que já dominavam Cruz Alta, tomou o “caminho do Botucaraí (Passo Fundo/Soledade) e marchou na direção de Rio Pardo.

21.6.2. Imperiais Esfarrapados

De Passo Fundo, onde estava acampado, em 5 de janeiro de 1841, Bento Gonçalves informa a Domingos José de Almeida, ministro do Interior que “A deserção de Labatut foi espantosa; sua força reduziu-se a 400 homens; em sua fuga lançou seis bocas-de-fogo no rio das Antas, grande porção de munições etc., etc. O depósito que tinha em Lajes ficou em nosso poder; nele acharam-se 800 armas de infantaria, 40 pistolas, algumas espadas, munições, 200 serigotes e outras miudezas. O povo lageano e bem assim quase todos os homens que acompanhavam o estrangeiro, de Cima da Serra a Vacaria, ou que estavam asilados nos matos se têm apresentado, e mui breve terei uma boa divisão na Vacaria”.
Bento Gonçalves também pouco ficou aqui. Logo seguiu para Cruz Alta. Das forças farroupilhas que passaram por Passo Fundo faziam parte o revolucionário italiano Giuseppe Garibaldi, sua mulher catarinense, Anita, e o filho gaúcho de ambos, Menotti. Ficaram acampados onde hoje é a praça Tamandaré e abrigados numa casa, aproximadamente, onde hoje é o Hotel Serrador.
Enquanto a divisão paulista de Pierre Labatut era esfacelada pelos caigangues e “desertores”, na definição do Barão de Caxias, dois anos depois, os farroupilhas, que vieram atrás de Labatut, mesmo cruzando em áreas controladas pelos coroados, não foram atacados pelos selvagens. Segundo historiadores, como Evaristo Afonso de Castro, apenas o fato de que esses índios tenham sido forçados a abandonar suas terras no Paraná, pelos paulistas, justifica a violência com que atacaram o Exército Imperial, sem que tenham tomado qualquer atitude hostil contra os farrapos, conforme descrição de Garibaldi em suas Memórias.
A “Operação Passo Fundo” redundou em grande fracasso para as forças imperiais, representando uma vitória das tropas farroupilhas.

21.7. Outros Combates

No dia 26 de janeiro de 1842 o tenente-coronel Francisco de Melo Bravo, liderança imperial do Botucaraí (Soledade) marchou para o passo do Jacuí. A 31 uma tropa bastante superior de farroupilhas atravessou o referido passo, embaixo de vivo fogo, obrigando os legalistas a recuarem, deixando quatro mortos.
Já no dia 10 de março do mesmo ano, uma partida farroupilha, comandada por João Antônio da Silveira entrou em Passo Fundo, destroçando uma guarda de fronteira do 10º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional, comandado pelo mesmo tenente-coronel Francisco de Melo Bravo.
Os legalistas tiveram um morto e outro inválido para sempre. O “anarquista” José Bernardo, como também eram chamados os farroupilhas, foi preso pelo tenente Antônio Portelo, tendo sido encaminhado preso ao comandante da 1ª e 2ª Divisão do Exército Imperial. Saliento que no documento oficial daquela época está grafado tenente Antônio Portelo, o que pode ser um erro, podendo chamar-se Antônio Portela.
A história da Revolução Farroupilha em Passo Fundo guarda a notícia de outros dois combates, um no Arroio Miranda e outro, que teria sido o mais violento, na coxilha entre o arroio Lava-Pés e o Mato do Jabuticabal, possivelmente onde hoje estão localizadas a Vila Independente, o Bairro Edmundo Trein e a Vila Dona Júlia.
A Revolução Farroupilha representou uma verdadeira tragédia para a nascente povoação de Passo Fundo. Quando iniciou contávamos com 140 residências. A agricultura começava a desenvolver-se. Exportávamos diversos produtos, entre os quais a erva-mate e o chá de mate. Com a revolução muitas famílias migraram ou se exilaram no Uruguai. Passada a insubordinação, os colonizadores deram um exemplo, tanto que, no ano de 1836, a estatística oficial registra 1.159 moradores livres em P. Fundo e 1.207, no Botucaraí, que seria distrito de Passo Fundo.

22. A Estrada das Missões

A nascente povoação de Passo Fundo enfrentava dois graves problemas de ordem prática: as péssimas qualidades do Caminho das Missões e os constantes ataques dos caigangues a viajantes e moradores no meio rural. Esses dois problemas ganharam repercussão nacional e, a transformação do Caminho das Missões em estrada chegou a ser considerada a obra mais importante e necessária de toda a Província. De início, as passagens pelo Mato Castelhano e Mato Português eram picadas que não davam passagem a carretas.
Em 1º de dezembro de 1832, ao listar diversas obras de infraestrutura importantes para a Província do Rio Grande do Sul, o presidente Manoel Antônio Galvão, assim se expressava: “De todas as empresas desta Ordem, a que me parece dever reclamar a vossa immediata attenção, he a abertura da estrada que conduz ao Registro de Santa Victoria: são guaridas de Bugres as matas denominadas Portuguez e Castelhano: soffrem nas suas Fazendas os viandantes; correm iminentes riscos as suas vidas, e o dispendio de seis contos de reis em que se orçou a obra, quantia de que bem depressa seria indemnisada a Nação com os direitos que cessa de perceber pelas hostilidades do gentio garante tantos males.”
Pouco depois, o Caminho das Missões foi transformado em estrada, mas o empreiteiro realizou um serviço da pior qualidade, como se lê no famoso relatório apresentado pelo presidente Antonio Rodrigues Fernandes Braga, à Assembléia Provincial, no dia 20 de abril de 1835. É o relatório onde denuncia a conspiração farroupilha.
Fernandes Braga assim se refere ao Caminho das Missões: “A nova estrada do Matto Castelhano e Portuguez, que atravessa de Missões para a Provincia de São Paulo, foi dada por concluida pelo arrematante, porem, por informações do Engenheiro que a foi examinar, e de varios Juizes de Paz, consta-me que ella não satisfaz o fim a que se destina, por que não tendo as arvores sido bem cortadas bem junto do terreno, ficarão grandes tóros, que impedem o transito de carretas.
Por este motivo estou deliberado a não mandar satisfazer ao arrematante a ultima prestação, que se lhe deve, em quanto não cumprir extactamente as condições a que se obrigou pelo contracto.”
Pacificada a Província e já terminada a Revolução Farroupilha, em 1º de Março de 1846, ao abrir a segunda Legislatura da Assembléia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o Conde de Caxias informava aos deputados que “Para afugentar os Bugres selvagens que atacavam os viajantes nas picadas dos mattos Portuguez e Castelhano, ordenei ao Tenente Coronel Antonio Maria, Commandante do 2º Batalhão de Caçadores, e da Guarnição de Cruz Alta, que mandasse alargar com mais de 30 braças as ditas Picadas, na extensão de 2 legoas e meia legoa pelo matto Portuguez, e de meia legoa pelo Castelhano, empregando nesse serviço para maior economia, 100 praças do dito Batalhão, vencendo a gratificação de 200 reis diarios, e authorisando-o a chamar paisanos habilitados a esse trabalho, vencendo, alem de uma etapa, 320 reis diarios; esta obra está feita; e é mais uma sofrivel estrada que tem a Provincia.”
Podemos concluir que a transformação do Caminho das Missões, no Mato Castelhano e no Mato Português, picadas onde somente cruzavam animais, em estrada carretável, num total de aproximadamente 20 quilômetros, levou mais de uma década para ser concluída. Contribuiu para isso, a negligência do empreiteiro, e o transcurso da Revolução Farroupilha. A obra só terminou com o concurso do Exército Imperial e paisanos contatados pelo Exército.
Luiz Alves de Lima e Silva, Conde de Caxias, tinha uma grande preocupação com melhorias na Estrada das Missões, no combate aos ataques dos bugres e no aldeamento desses nativos. Em plena Revolução Farroupilha, no dia 28 de agosto de 1844, escrevendo de Caçapava ao marechal Thomas José da Silva, comandante militar de Porto Alegre, comunicava àquele militar que tinha recebido comunicação do coronel Melo, poucos dias antes, de que índios e desertores, aliados, cometiam roubos pelas estradas e estâncias de Santo Antônio da Patrulha, a partir do Mato Castelhano e do Mato Português, aprovando a nomeação do tenente Vila para comandante da Polícia de Cima da Serra. Os ataques eram contra moradores dos atuais municípios de Lagoa Vermelha e Vacaria, então pertencentes a Santo Antonio da Patrulha.

22.1. O Caminho das Missões e a Guerra aos Caigangues

Os constantes ataques dos caigangues constituíram o grande problema enfrentado pelos colonizadores de Passo Fundo. Ao contrário da Fronteira e das Missões, onde os primeiros brancos que ali se fixaram eram homens e acabaram, de início, unindo-se às índias, aqui estabeleceram-se famílias de colonizadores. A exemplo de Manoel José das Neves, Rodrigo Félix Martins e tantos outros, aqui chegavam acompanhados de mulheres, filhos, parentes e escravos.
Como tinham famílias a zelar essa preocupação aumentava. Daí a violência confrontando colonizadores e nativos. Na Fronteira e nas Missões, os brancos, ao se unirem com as índias se tornavam aparentados com os aborígenes, fazendo menos traumática a ocupação. Aqui, os colonizadores não se aproveitaram do “mus”, regime segundo o qual todo aquele que se une a uma mulher da tribo passa a fazer parte da família da índia.
Assim, os ataques dos índios contra as habitações dos brancos eram comuns. Os colonizadores, por sua fez, uniam sua “tribo” e investiam contra as tribos indígenas, realizando verdadeiros massacres, como testemunha o historiador Antonino Xavier e Oliveira, que conheceu muitos desses pioneiros.
O historiador preservou algumas passagens, até curiosas desses primórdios de nossa colonização.
Conta o caso de José Domingues Nunes de Oliveira, que morava na entrada do Mato Castelhano. Fez amizade com os caigangues, conseguindo que não assaltassem as comitivas por ele conduzidas. Quando não podia acompanhá-las emprestava-lhes seu pala, vestimenta que, reconhecida pelos índios, deixava passarem incólumes os viajantes.
Outra feita, pretendendo os índios atacarem o povoado, postaram um espião no alto de um pinheiro. O povoado aparentava deserto. De repente, uma multidão saiu de uma casa. Temendo que todas as casas estivessem cheias, os bugres não atacaram. Era dia de missa. A casa era a Igreja.

22.2. A Abertura da Estrada

A nascente povoação de Passo Fundo enfrentava dois graves problemas de ordem prática: as péssimas qualidades do Caminho das Missões e os constantes ataques dos caigangues a viajantes e moradores no meio rural. Esses dois problemas ganharam repercussão nacional e, a transformação do Caminho das Missões em estrada chegou a ser considerada a obra mais importante e necessária de toda a Província. De início, as passagens pelo Mato Castelhano e Mato Português eram picadas que não davam passagem a carretas.
Em 1º de dezembro de 1832, ao listar diversas obras de infraestrutura importantes para a Província do Rio Grande do Sul, o presidente Manoel Antonio Galvão, assim se expressava: “ De todas as empresas desta Ordem, a que me parece dever reclamar a vossa immediata attenção, he a abertura da estrada que conduz ao Registro de Santa Victoria: são guaridas de Bugres as matas denominadas Portuguez e Castelhano: soffrem nas suas Fazendas os viandantes; correm iminentes riscos as suas vidas, e o dispendio de seis contos de reis em que se orçou a obra, quantia de que bem depressa seria indemnisada a Nação com os direitos que cessa de perceber pelas hostilidades do gentio garante tantos males.”
Pouco depois, o Caminho das Missões foi transformado em estrada, mas o empreiteiro realizou um serviço da pior qualidade, como se lê no famoso relatório apresentado pelo presidente Antonio Rodrigues Fernandes Braga, à Assembléia Provincial, no dia 20 de abril de 1835. É o relatório onde denuncia a conspiração farroupilha.
Fernandes Braga assim se refere ao Caminho das Missões: “A nova estrada do Matto Castelhano e Portuguez, que atravessa de Missões para a Provincia de São Paulo, foi dada por concluida pelo arrematante, porem, por informações do Engenheiro que a foi examinar, e de varios Juizes de Paz, consta-me que ella não satisfaz o fim a que se destina, por que não tendo as arvores sido bem cortadas bem junto do terreno, ficarão grandes tóros, que impedem o transito de carretas.
Por este motivo estou deliberado a não mandar satisfazer ao arrematante a ultima prestação, que se lhe deve, em quanto não cumprir extactamente as condições a que se obrigou pelo contracto.”

22.3. Questão de Segurança Pública

Pacificada a Província e já terminada a Revolução Farroupilha, em 1º de Março de 1846, ao abrir a segunda Legislatura da Assembléia Legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, o Conde de Caxias informava aos deputados que “Para afugentar os Bugres selvagens que atacavam os viajantes nas picadas dos mattos Portuguez e Castelhano, ordenei ao Tenente Coronel Antonio Maria, Commandante do 2º Batalhão de Caçadores, e da Guarnição de Cruz Alta, que mandasse alargar com mais de 30 braças as ditas Picadas, na extensão de 2 legoas e meia legoa pelo matto Portuguez, e de meia legoa pelo Castelhano, empregando nesse serviço para maior economia, 100 praças do dito Batalhão, vencendo a gratificação de 200 reis diarios, e authorisando-o a chamar paisanos habilitados a esse trabalho, vencendo, alem de uma etapa, 320 reis diarios; esta obra está feita; e é mais uma sofrivel estrada que tem a Provincia.”
Concluímos que a transformação do Caminho das Missões, no Mato Castelhano e no Mato Português, picadas onde somente cruzavam animais, em estrada carretável, num total de aproximadamente 20 quilômetros, levou mais de uma década para ser concluída. Concorreram para isso, a negligência do empreiteiro e o transcurso da Revolução Farroupilha. A obra só terminou com o concurso do Exército Imperial e paisanos contatados pelo Exército.
Luiz Alves de Lima e Silva, Conde de Caxias, tinha uma grande preocupação com melhorias na Estrada das Missões, no combate aos ataques dos bugres e no aldeamento desses nativos. Em plena Revolução Farroupilha, no dia 28 de agosto de 1844, escrevendo de Caçapava ao marechal Thomas José da Silva, comandante militar de Porto Alegre, comunicava àquele militar que tinha recebido comunicação do coronel Melo, poucos dias antes, de que índios e desertores, aliados, cometiam roubos pelas estradas e estâncias de Santo Antônio da Patrulha, a partir do Mato Castelhano e do Mato Português, aprovando a nomeação do tenente Vila para comandante da Polícia de Cima da Serra. Os ataques eram contra moradores dos atuais municípios de Lagoa Vermelha e Vacaria, então pertencentes a Santo Antonio da Patrulha.

24. Guerra aos Caigangues

Os constantes ataques dos caigangues constituíram o maior problema enfrentado pelos colonizadores de Passo Fundo. Ao contrário da Fronteira e das Missões, onde os primeiros brancos que ali se fixaram eram homens e acabaram, de início, unindo-se às índias, aqui estabeleceram-se famílias de colonizadores. A exemplo de Manoel José das Neves, Rodrigo Félix Martins e tantos outros, aqui chegavam acompanhados de mulheres, filhos, parentes e escravos.
Como tinham famílias a zelar essa preocupação aumentava. Daí a violência dos confrontos entre colonizadores e nativos. Na Fronteira e nas Missões, os brancos, ao se unirem com as índias, se tornavam aparentados com os aborígenes, tornando menos traumática a ocupação. Aqui os colonizadores não se aproveitaram do “mus”, regime segundo o qual todo aquele que se une a uma mulher da tribo passa a fazer parte da família da índia.
Assim, os ataques dos índios contra as habitações dos brancos eram comuns. Os colonizadores, por sua vez, uniam sua “tribo” e investiam contra as tribos indígenas, realizando verdadeiros massacres, como testemunha Antonino Xavier e Oliveira, que conheceu muitos desses pioneiros. O historiador preservou algumas passagens, até curiosas desses primórdios de nossa colonização.
Conta o caso de José Domingues Nunes de Oliveira, que morava na entrada do Mato Castelhano, fez amizade com os caigangues, conseguindo que assaltassem as comitivas por ele conduzidas. Quando não podia acompanhá-las emprestava-lhes seu pala, vestimenta que, reconhecida pelos índios, deixava passarem incólumes os viajantes.
Outra feita, pretendendo os índios atacarem o povoado, postaram um espião no alto de um pinheiro. O povoado aparentava deserto. De repente, uma multidão saiu de uma casa. Temendo que todas as casas estivesse cheias, os bugres não atacaram a cidade. Era dia de missa. A casa era a Igreja.

24.2. Uma Guerra Escondida

O principal problema enfrentado pelos colonizadores paulistas de Passo Fundo foi o conflito com os índios. Trata-se de uma etapa de nossa história que ainda está por ser escrita. Nesse período o território passo-fundense era integralmente ocupado pelos caigangues. Ao falarmos em qualquer uma de nossas nações indígenas pensa-se que elas guerreavam entre si, mas que os índios da mesma “nacionalidade” eram unidos, o que não é verdade.
Os caigangues viviam em constantes guerras entre eles. Guerras que aumentaram em grau de violência, em princípio dos 1800, quando foram expulsos do Planalto de Guarapuava, pelos colonizadores brancos. Só lhes restou um lugar para onde fugirem: Ibitiru, Ibiturana, a “serra negra”, o Médio e Alto Uruguai Rio-Grandense. Grande parte dessa região ficou pertencendo ao território passo-fundense.
Nonoai, Doble e Condá, nomes de caciques que se tornaram famosos, os dois primeiros dando nome a municípios do Rio Grande do Sul, eram originários do Paraná. Nonoai, facilmente se aliou aos brancos, dando nome à mais antiga reserva indígena do Estado e a um município gaúcho. Doble, também nome de cidade, esteve entre os que mais relutaram a se “entregar” aos brancos. Dos mais violentos, chegou a apoiar os brancos no massacre de uma dissidência de sua tribo liderada por um negro conhecido como João Grande. Nessa chacina uma de suas filhas foi morta. A violência de Doble era de tal monta que, ele próprio, nesse episódio, com suas próprias mãos, matou dois netinhos seus a bordunadas, cacetadas, para ser mais claro.
Em 1846, mal terminada a Guerra dos Farrapos, foi organizado oficialmente o aldeamento de Nonoai, em homenagem a um velho cacique caigangue desse nome. Dois anos depois, tinha início o povoado, origem da atual cidade de Nonoai. Era uma tentativa de reunir as hordas indígenas que perambulavam pelo território de Passo Fundo, entrando em confronto com os colonizadores.
A iniciativa de aldear os caigangues em Nonoai enfrentou sérias dificuldades pelas divergências entre os diversos caciques, que travavam verdadeiras guerras entre seus grupos, e a ação dos brancos, usando as divisões entre os caigangues em proveito pessoal.

24.3. O Massacre dos Três Serros

Sirva de exemplo o chamado Massacre dos Três Serros, ocorrido no dia 6 de janeiro de 1856. Até o presente mereceu tratamento resumido e unilateral, omitindo-se a participação de brancos como instigadores da chacina.
Desde 1854 os índios da tribo do cacique Pedro Nicofé ou Pedro Nicofin estavam acampados nos campos de Arechi, como era conhecida a atual região de Erechim. Esses campos eram separados por uma restinga de outros campos que o alferes Clementino dos Santos Pacheco, havia comprado do major Antônio de Mello Rego.
Era um período bastante conturbado em termos de relações entre índios e brancos, entre índios e índios e entre brancos e brancos.
O primeiro diretor do aldeamento de Nonoai, João Cipriano da Rocha Loures, enfrentou sérias denúncias. Fora acusado de apropriar-se de recursos públicos destinados à manutenção do acampamento e de empregá-los para comprar a fidelidade de alguns caciques, para que se apropriasse de terras da região. Foi substituído por José Joaquim de Oliveira, outro paranaense. Este, achando pouca a remuneração, demitiu-se. Nomearam como seu substituto o padre Antônio de Almeida Leite Penteado, que já fizera sérias acusações contra João Cipriano da Rocha Loures.
A politicagem dos brancos em torno do aldeamento de Nonoai só aumentava os conflitos. Inclusive com o emprego de escrituras que materializavam negócios simulados.
O padre Antônio de Almeida Leite Penteado era amigo do alferes Clementino dos Santos Pacheco. Este queria expandir seus domínios para os citados campos de Arechi, onde estavam os índios de Pedro Nicofé. E os índios diziam que nos campos comprados pelo alferes ficava um antigo cemitério caigangue, objeto de profanação pelos brancos.
No dia 6 de janeiro de 1856 os índios de Pedro Nicofé ocupavam as terras de Clementino dos Santos Pacheco e rondavam a sede da Fazenda Três Serros. Às primeiras horas da manhã chegaram na sede e foram convidados para entrarem na casa e se alimentarem. Estavam na moradia o fazendeiro Clementino, José Pacheco de Carvalho, sobrinho do proprietário, o menor Manuel Pacheco dos Santos, os escravos Vicente, João, Ambrósio e Isidoro, estes dois menores. Também se achavam no local Maria das Dores, mulher do capataz José Antônio de Oliveira, Vitorino, menor de idade e filho de ambos, um escravo do casal, também menor, de nome Manuel, e, como agregados, os índios Joaquim Manuel, Brandina e Ana.
Os recém-chegados, recebidos por Clementino, eram João Grande, sua mulher Maria, além de Agostinho, Pedro, Salvador, Vicente, Francisco, José Crespo, Inácio, Querubino e Rosa. De repente, enquanto comiam, usando as facas cedidas pelos hospedeiros, avançaram sobre estes, salvando-se apenas o escravo Vicente, que comia na cozinha com o índio Agostinho. O negro conseguiu desarmá-lo e fugir juntamente com os crioulos Ambrósio, Manuel, Isidoro e Maria das Dores ou Maria do Carmo. Esta, no cavalo de que apeava seu filho, Vitorino, mortalmente ferido pelos atacantes.
Os índios Joaquim Manuel, Brandina e Ana, agregados de Clementino dos Santos Pacheco, foram denunciados como cúmplices do massacre.
Bernardo Castanho da Rocha, pessoa importante à época, possuía um comércio no Pinheiro Torto, aproximadamente onde hoje está a Capela de São Miguel, e muitos interesses em terras do futuro município de Erechim. Ele e sua amásia e ex-escrava, Maria Camila, que estava grávida, foram acusados de mandantes do crime, presos e recolhidos à cadeia pública de Cruz Alta. Acusados também foram a índia Rita, criada de Bernardo, e que estava grávida de seu filho natural Manuel Castanho.
Os autores do massacre dos Três Serros, sofreram perseguição da cavalaria da 1ª Cia. da Guarda Nacional de Passo Fundo, comandada pelo tenente João Schell, e uma Esquadra de Pedestres, comandada por João Marcelino do Carmo, com trinta praças, mais um grupo de índios chefiados pelo major Antônio Prudente, um dos caciques de Nonoai, amigos do padre Antônio de Almeida Leite Penteado.
No dia 13 de janeiro de 1858 os perseguidores encontraram os assassinos escondidos num mato. Enquanto a cavalaria da Guarda Nacional, constituída por brancos, permanecia no campo “para proteger” os índios do major cacique Antônio Prudente, este, seus liderados e um oficial de Justiça entravam no mato. Os primeiros a serem capturados foram Antônio Crespo e Joaquim Manuel. A seguir prenderam outros 30 índios, entre os quais 13 mulheres e Pedro Nicofé.
O tenente João Schel, que ficara no campo, com sua cavalaria, “para proteger” os índios do major Prudente, ao retornar para Passo Fundo, temendo um ataque numa picada que deveria atravessar, mandou na frente um grupo de índios comandados por um índio conhecido como “tenente Portella” (haviam muitos índios conhecidos por esse sobrenome), escoltando os quatro presos considerados mais perigosos. Ao cruzarem num lugar conhecido como Restinga do Papudo, os quatro presos teriam se rebelado, sendo mortos pelos índios que os conduziam. Entre as vítimas contaram Pedro Nicofé e Antônio Crespo.
Diante dos constantes e violentos conflitos envolvendo índios e brancos, o governo da Província determinou a substituição do padre Antônio de Almeida Leite Penteado, como diretor do aldeamento de Nonoai, recolocando em seu lugar major João Cipriano da Rocha Loures, até que convencessem o ex-diretor, comendador José Joaquim de Oliveira, a reassumir o cargo.
O próprio Diretor Geral dos Índios, José Joaquim de Andrade Neves, acusava o padre, diante do presidente da Província, de achar-se endividado com todos, embriagar-se até cair e de que o próprio bispo poderia informar sobre a “imoralidade” do sacerdote. Ao que parece as animosidades contra o religioso teriam outras causas. Ele queria que as autoridades punissem os verdadeiros culpados pelo massacre dos Três Serros, os mandantes brancos, e que libertassem índios não indiciados, muitos deles crianças. Entre o padre bêbado e o major corrupto, a solução política optou pelo segundo.
A confusão continuou, pois João Cipriano de Rocha Loures era acusado pelo cacique Vitorino Condá e outros caigangues de adonar-se de terras indígenas da região de Guarapuava.
Todos esses fatos aconteceram cerca de um anos antes que Passo Fundo, a 28 de janeiro de 1857, fosse elevado à categoria de município, separando-se de Cruz Alta.
As disputas de terras, nos anos que antecederam à emancipação de Passo Fundo, intensificavam-se, também, pela procura de campos para invernada e criação de muares, destinados ao próspero comércio com São Paulo. A disputa pelos campos era intensa entre os brancos e entre estes e os índios. Muitos caigangues trabalhavam como tropeiros, atividade que se adequava ao tradicional nomadismo aborígene. Outros, acabaram sendo absorvidos pela “civilização branca” e usados como agregados, especialmente como posteiros das invernadas, dando origem aos caboclos serranos.
Os conflitos entre os índios e as forças militares dos primeiros colonizadores, máxime paranaenses e paulistas, no Paraná, permanecendo na memória desses primitivos habitantes de Passo Fundo, contribuíram para que eles, durante a Revolução Farroupilha, atacassem a divisão imperial comandada pelo marechal Pierre Labatut, deixando passar incólumes, os farroupilhas de Bento Gonçalves e David Canabarro. Serviram também para que, em 1893, tenham apoiado os federalistas. E mais, talvez aí encontremos uma certa aversão pelos paulistas.
A ocupação da área urbana de Passo Fundo começou em 1827, quando Manoel José das Neves aqui se fixou com a família e escravos. Ao permitir que outras famílias se instalassem ao longo do que hoje é a avenida Brasil, nas proximidades do Colégio Notre Damme, contribuiu para o crescimento acelerado da povoação. Tanto isto é verdade que a 28 de maio de 1834 Passo Fundo passou à condição de 4o Distrito de Cruz Alta; menos de três anos depois, em 26 de janeiro de 1847, por Lei Provincial, a povoação passava à categoria de Freguesia. Finalmente, a 28 de janeiro de 1857, através do Decreto no 340, do então presidente da província, Jerônimo Francisco Coelho, Passo Fundo, era elevada à categoria de Vila, emancipando-se de Cruz Alta.
Esse crescimento acelerado se deve a diversos fatores, além da disponibilização da área para a formação da cidade. Entre eles podemos destacar a posição geográfica privilegiada.
Passo Fundo já era um centro viário, pois aqui se encontravam os dois principais caminhos usados pelos aborígenes desde tempos imemoriais: o caminho que ligava a Serra à Mesopotâmia Argentina e dali aos Andes, conhecido como Mondecaá (Mato das Armadilhas) da atual Vacaria a Passo Fundo e daqui, na direção de Cruz Alta, como Caapi e o Caminho do Botucaraí, que se encontrava com o Mondecaá/Caapi, no Povinho Velho, seguindo dali, passando por onde hoje ficam diversos bairros de Passo Fundo, entre os quais São Luiz Gonzaga, Santa Maria, Don Rodolfo, Vila Carmem e Vila Luiza, seguindo pelo Rincão do Pessegueiro, cortando o município de Soledade até o centro do Estado, em Rio Pardo. Outros fatores o tipo humano que colonizou Passo Fundo, com uma tradição de desbravadores, além das riquezas minerais, vegetais e animais encontradas do primitivo território passo-fundense.
Estavam, pois, definitivamente postas as premissas para a emancipação de Passo Fundo que no ano de 1857 correspondia a cerca de 1% do território nacional. Hoje, 150 anos depois, apesar dos pesares, o núcleo urbano passo-fundense ampliou essa representatividade, constituindo-se numa das mais importantes metrópoles regionais do interior brasileiro.
(*) Paulo Monteiro pertence à Academia Passo-Fundense de Letras, ao Instituto Histórico e Geográfico de Passo Fundo, à Academia Literária Gaúcha e a dibersas entidades culturais do Brasil e do exterior. É autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais e históricos. Em 2006, publicou Combates da Revolução Federalista em Passo Fundo.
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