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Ensaios-->O Segundo Ciclo Econômico da Região Serrana -- 11/05/2008 - 14:34 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Como vimos em artigo anteriori, o primeiro ciclo econômico da Região Serrana foi o da erva-mate, continuidade do aproveitamento que os índios já davam àquela planta. O segundo ciclo foi o das tropas de muares, erroneamente ditas topas de mulas.
Para início de conversa devemos aclarar os termos. Muar é todo o híbrido de cavalo (Equus caballus Lin.) e do jumento, também conhecido como burro. O filho do jumento (burro inchó, do espanhol burro hechor), popularmente é conhecido como burro (ou burro comum), quando macho, e mula, em sendo fêmea. Na verdade, a esse mestiço, seria correto dar o nome de mulo ou mula, e ao burro inchó e sua fêmea de jumento e jumenta. Essa mistura de nomes iguais para animais diferentes gera confusão.
Se acrescentarmos que o cavalo (bagual, isto é, não castrado) cruzando com a jumenta ou burra gera um outro tipo de híbrido confundido com o mulo e a mula, embora de características físicas diferentes, aumenta a confusão. O nome correto desse mestiço do bagual com a jumenta é bardoto ou asneiro, sendo macho, e bardota ou asneira, a fêmea.
Na verdade, as chamadas tropas de mulas eram formadas por mulas, mulos, bardotos e bardotas.
Quando verificamos inventários de fazendeiros que se dedicavam à criação de muares descobrimos a grande quantidade de potros, cavalos machos. Tenho um desses documentos à minha frente: 75 éguas para cria de mulas, 3 burros hechores, 12 mulas e, coincidentemente, 12 potros. Como os burros hechores, desde pequenos, eram criados com as éguas, o natural é que eles tomassem conta da manada dessas fêmeas, “escanteando” as fêmeas de sua espécie que, naturalmente deveriam se “encostar” nos potros, gerando bardotos... E um burro inchó valia oito vezes mais do que qualquer um dos outros animais...
Bom, o certo é que a mula, da mesma forma que o mulo, é usada desde Antigüidade para o transporte de cargas e suprimentos militares. A famosa Guerra de Canudos, imortalizada por Euclides da Cunha, em Os Sertões, foi decidida pela Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, reforçada por um exército de mulas cargueiras...
As mulas exerceram papel importante no comércio andino. As ricas minas bolivianas eram abastecidas com alimentos transportados nos lombos de muares e das entranhas da cordilheira esses animais espalhavam prata pelo mundo. De início importadas da Espanha, logo burros hechores se misturaram com as manadas de eqüinos que se espalhavam pela pradaria Argentina, cruzando-se naturalmente com as éguas, gerando os primeiros mulos e mulas do Continente.
Como em todas as atividades comerciais, o mercado acaba determinando as regras, e os próprios jesuítas espanhóis incentivaram a criação de mulas nas reduções guaraníticas. E à erva-mate juntaram uma nova riqueza: a criação e o comércio de muares com os Andes.
Depois de 1680, com a Colônia do Sacramento, hoje em território uruguaio, os brasileiros começaram a se interessar com o comércio de mulas, especialmente para as Minas Gerais e, posteriormente, para a produção de café, no atual Estado de São Paulo.
Assim, quando a Região Serrana, na primeira metade do século XIX, começa a ser ocupada, o velho caminho do Mondecaá/Caapi, aproximadamente a atual BR 285, passa a ser o caminho natural das grandes tropas de mulas. Os historiadores chegam a discutir se o caminho dos tropeiros passava neste ou naquele ponto, mais acima ou mais abaixo, da atual ponte do Rio Passo Fundo, na Avenida Brasil. O certo é que existiam várias passagens para fugir dos “registros”, locais onde pessoas autorizadas pelo governo cobravam elevados impostos. Aliás, a primeira autoridade da região, Joaquim Fagundes dos Reis, era um desses “registreiros”.
No começo, a passagem por Passo Fundo, especialmente, no Mato Castelhano e no Mato Português, era muito difícil, pois os tropeiros eram constantemente atacados pelos índios caingangues. A situação somente melhorou alguns anos depois da Revolução Farroupilha, com a abertura da estrada do Mato Castelhano, ordenada pelo Duque de Caxias, então presidente da Província do Rio Grande do Sul.
O aldeamento dos índios, iniciado em Nonoai, e o verdadeiro massacre de caingangues promovidos pelas autoridades passo-fundenses daquela época, liberaram os campestres do município, para a invernada de muares. Nossos campos, mais conhecidos como campestres, eram excelentes, protegidos de ventos, com gramíneas altas e muitas aguadas. Tropas de mulas eram compradas na fronteira e invernadas em nossa região. Nos campestres, existia muito butiazeiro, apreciadíssimo pelas muladas. Daqui, fortalecidas, seguiam em melhores condições de preço para as feiras de Sorocaba e Piratininga, em São Paulo.
Em princípios do século XX, o centro do comércio de muares se desloca de São Paulo para a própria Região Serrana. A colonização das serras abriu um novo mercado. E os tropeiros passaram a negociar mulas diretamente nas colônias, pois seus moradores necessitavam desse animal para transportar seus produtos até as cidades ou portos, como o de Anta Gorda. Os tropeiros permaneciam longas temporadas em Passo Fundo e região. Arrendavam ou compravam campos, onde concentravam suas tropilhas, que saiam negociar, pelas colônias, especialmente nas festas religiosas, que funcionavam, até certo ponto, como feiras de animais. Muitos fronteiriços acabaram fixando residência, aqui, constituindo famílias numerosas.
Uma das coisas que os historiadores gaúchos menos discutem nas suas obras é a questão da sexualidade, ao contrário dos estudiosos nordestinos, como Gilberto Freyre. A presença desses homens, “livres” e com dinheiro, gerou a “indústria da prostituição”. As primeiras “casas de tolerância” se desenvolveram nesse período. Eram, também, pontos de encontro entre compradores e vendedores de mulas. Guarda a história oral, a memória de um guarda conhecido pela alcunha de Caburé, acostumado a surrar de espada os arruaceiros. Um destes era um bajeense preto, useiro e vezeiro em arrumar encrencas. A cada confusão levava uma sumanta de espada, e o mulherio gritava em coro o dístico: “Meta a espada Caburé, nesse negro de Bagé”. Era O espetáculo...
Numa época em que a penicilina era desconhecida, as doenças venéreas aterrorizavam os tropeiros, tanto que a mais comum delas, a indenite inguinal, ficou mais conhecida pelo nome do animal mais negociado pelos tropeiros...
A criação e o comércio de muares representou um dos ciclos econômicos mais importantes para todo o Rio Grande do Sul. Contribuiu para a acumulação de capitais e constituindo-se numa oportunidade importante de ascensão social.
David José Martins, que mudou seu nome para David Canabarro, era um taquariense humilde, descendente de açorianos. Arrendando campos e criando mulas, na Fronteira, acabou rico e importante. Foi general e comandante do Exército Farroupilha e chegou a brigadeiro do Exército Imperial. José Gomes Pinheiro Machado, trocou o Curso de Direito, pela vida de tropeiro, acabou senador da República e um dos mais importantes políticos brasileiros de seu tempo. Salvador Pinheiro Machado, seu irmão, homem de poucas letras, chegou a substituto de Borges de Medeiros no governo do Estado. Aqui, mesmo, em nossa região, exemplos de casos parecidos são facilmente encontráveis.
(*) Paulo Monteiro, presidente da Academia Passo-Fundense de Letras, pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior. Autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas literários e culturais, seu endereço para correspondência e remessa de livros para leitura e análise é Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – CEP: 99001-970 – Passo Fundo - RS
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