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Ensaios-->Poesia Gauchesca, um Gênero Escrito com Sangue -- 11/05/2008 - 14:13 (Academia Passo-Fundense de Letras) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“A letra da gauchesca parece ter sido escrita com sangue”. Assim, Alejandra Josiowicz, pesquisadora da Universidade de Buenos Aires, abre seu artigo Letra y sangre en el Género Gauchesco. Carnaval y guerra patria escritos en clave menor, facilmente encontrável na rede mundial de computadores. Alejandra, muito felizmente, resume conclusões a que se chega ao ler os formadores da poesia gauchesca, poetas argentinos e uruguaios do século XIX.
Entretanto, nem sempre foi assim. Desde 1771, com El Lazarillo de los Ciegos Caminantes, de Alonzo Carrió de la Vandera, sabe-se que os “cantores” ou “payadores” eram campeiros que tocavam muito mal toscas guitarras e cantavam, destoadamente, canções decoradas ou improvisadas, regularmente sobre temas amorosos.
Diga-se, a bem da verdade, que a poesia gauchesca surgiu em terras hoje pertencentes ao Uruguai e à Argentina. Ao Brasil chegaria cerca de um século depois, com o grupo do Paternon Literário, e se desenvolveria apenas no século XX, como contraponto gaúcho à “poesia sertaneja”. Os gauchescos sul-rio-grandenses buscaram modelos nos poetas platinos, sendo, quase todos, epígonos dos seus mestres de fala espanhola.
A poesia que retrata a violência de guerras, revoluções e peleias é uma criação de homens cultos, a serviço das tropas coloniais e, logo a seguir, dos caudilhos crioulos; é uma criação de intelectuais urbanos, no estrito sentido da palavra intelectual. E tem até uma data inicial: 15 de outubro de 1877. Exatamente nesse dia, aparece o primeiro poema conhecido que reproduz expressões tipicamente gauchescas e descreve a vida pampeana, escrito pelo padre Juan Baltasar Maziel, advogado e educador santafesino que fazia parte da conquista espanhola da Colônia do Santíssimo Sacramento por D. Pedro de Cevallos.
A violência permeia praticamente toda a poesia gauchesca desde os primeiros anos do século XIX. E, recentemente, adquire uma amplitude que não tem limites com as composições musicais. Até nosso muito mal interpretado Gaúcho de Passo Fundo (que “não dobra esquina quando vê o perigo” – e sua terrível cacofonia canina do “acuando”) tipifica essa violência. Mas isso já é outro assunto...
Ricardo Rojas, autor de uma clássica Historia de la Literatura Argentina, assim descreve a consolidação da gauchesca e a substituição da temática lírica em assuntos belicosos: “Essa transformação dos payadores líricos em rapsodos épicos se produziu depois de 1810. Antes da guerra com os portugueses (1776) e a guerra com os ingleses (1806) insinuaram o aparecimento da canção e do baile de tema político, porém a nova formação surgiu vigorosa depois da Revolução de Maio, adquiriu forma com Hidalgo (1810-1822), continuou com Ascasubi (1830-1860) e coroou-se com Henández (1870-1880)”.
As lutas entre federais e unitários, que ensangüentaram as repúblicas platinas, no início do século XIX, marcam a afirmação do gênero gauchesco (no meu entendimento um subgênero, esteticamente falando). Batolomé Hidalgo (1788-1822), é considerado o consolidador do gênero. Influenciado pelos árcades, está muito próximo dos pré-românticos brasileiros, pela técnica literária. Combatente nas hostes unitárias, que defendiam o fortalecimento das capitais platinas contra os interesses federalistas dos caudilhos provinciais, sua poesia é uma poesia militante, social.
Eleutério Tiscornia divide sua obra poética em duas fases: “Os dois momentos da produção de Hidalgo descobrem uma diferença radical: no dos Cielitos o poeta é até o fim realista, se move num ambiente de paixões candentes em luta aberta e sustenta um interesse pessoal; no dos Diálogos persegue um fim puramente ideal, está num ambiente plácido de contemplação e manifesta um belo interesse de arte, que dá à obra de arte seu valor duradouro”.
Seu discípulo e continuador mais famoso é Hilário Ascasubi (1807-1875), também militar e unitário. Seus poemas, escritos ao calor dos acontecimentos armados em que se envolveu, foram publicados em folhas soltas, folhetos ou panfletos. Retrata a época, em versos como os de La Refalosa, em que conta as violências cometidas, reciprocamente, entre federais e unitários. O estaqueamento, a tortura a faca e até o coureamento para fazer tentos de pele humana, ali estão retratados. Esse tipo de violências encontraremos aqui mesmo, em Passo Fundo, durante a Revolução Federalista.
Ángel Rama, um dos mais lúcidos críticos literários sul-americanos, citando Carlos Alberto Leumann, lembra que a poesia gauchesca é uma criação eminentemente platina. Recorda que nas imensas planuras venezuelanas, também chamadas de pampas, vivem camponeses igualmente livres como os gaúchos, os cerreros, hábeis ginetes e não se desenvolveu uma literatura regionalista como a gauchesca. O mesmo já haviam reconhecido Jorge Luis Borges e Adolfo Bioy Casares, no prólogo a Poesía Gauchesca, o que lembrei em meu artigo da edição passada na Somando, edição de abril de 2008.
Ángel Rama escreve: “As causas da literatura gauchesca, portanto, não devem ser buscadas nos assuntos que trata e menos ainda nas personagens que utiliza, mas nas operações literárias concretas cumpridas pelos escritores que a produziram. Isto implica em abandonar um desses ilusionismos que o verismo constrói com sutil artificialidade, de que estamos diante de criações espontâneas do povo cantor, e perguntarmo-nos quem foram os escritores desses poemas, porque e para quem os fizeram e que princípios os animavam. De outro modo, encarar esse conjunto como o que o substantivo o diz: uma literatura”.
Os gauchescos, para empregar uma expressão consagrada por Ricardo Rojas, acabaram inventando um público: os não letrados. Decorados, numa época em que o analfabetismo era compensado por uma capacidade mnemônica mais desenvolvida, esses poemas escritos por homens urbanos e cultos, que se faziam, fiticiamente, se passarem por gaúchos eram apropriados pela massa inculta, como aconteceria mais tarde com o poema rio-grandense Antônio Chimango.
Ángel Rama recorda que Ricardo Rojas, após estudar a produção “unitária” e “federal” conclui que “iguais são seu léxico, sua fala, sua paixão, seu metro e até as tintas selvagens que colorem sua fantasia”. O crítico oriental salienta que o estudo da gauchesca é importante para mostrar a forma de apropriação da literatura por grupos ideológicos em luta e ilustra a preocupação estética em analisar as “relações entre arte e documento”.
Já no século XX, com Leopoldo Lugones e seu clássico El Payador, de 1916, a gauchesca de marginalizada adquire foros de quase literatura oficial argentina e El Gaucho Martín Fierro, de José Hernánedez, é elevado à condição de épico, símbolo da argentinidade.
Os escritores urbanos que criaram a gauchesca imitavam a “língua dos gaúchos”, pois queriam difundir as idéias dos seus partidos. O que chamavam de “língua dos gaúchos”, na verdade, era o espanhol recheado de arcaísmos, termos de origem indígena e lusitanismos. Aquilo que alguns chamam de “dialeto rio-platense” (equivalente daquilo que nós, sul-rio-grandenses, dizemos “linguajar gauchesco”) é uma invenção.
A gauchesca é uma excrescência histórica. Referindo-se à gauchesca argentina, e que com algumas restrições pode-se aplicar ao Rio Grande do Sul, assim escreveu Ángel Rama: “Não se pode considerar extinta porquanto sua difusão é surpreendente entre vastas populações do campo e da cidade que a conservam no local mais íntimo, a memória; porém tão pouco pode ser considerada viva porque os exercícios que lhe vinculam têm um ar epigonal notório, o que pareceria indicar a incapacidade essencial da sociedade moderna para favorecer seu desenvolvimento. Seus escassos cultores devem remeter ao futuro sua realização fazendo dela uma solução utópica, vinculada ao utopismo das crenças sociais ou políticas que conduza. Não é uma concepção inteiramente ultrapassada, se recordarmos que um dos temas centrais da gauchesca é a injustiça”.
Ángel Rama lembra ainda que criação individual e norma coletiva e histórica representam as duas forças que se lançam no procedimento de um estilo e que a segunda impôs-se até constituir-se num academicismo vazio. É aquilo que nós, em bom português, poderíamos chamar de maneirismo e que é assim descrito por Rosalba Campra no ensaio En Busca del Gaucho Perdido: “Os críticos têm sublinhado a espantosa capacidade identificativa da literatura gauchesca, quer dizer, esse conjunto de textos que têm como protagonista o gaúcho, e que para expressar-se se servem, em medida variável de suas particularidades lingüísticas, apesar de que tenham sido escritos por autores não gaúchos. Essa irradiação se fundamenta, a meu juízo, no efeito cumulativo das leituras das obras do gênero”.
Noutras palavras, Rosalba Campra reconhece que os autores mais recentes vão reproduzindo padrões de linguagem – e do meio camponês – fundamentados em autores mais antigos. Assim, para escrever poesia gauchesca, basta ler – e principalmente ouvir – poesia gauchesca reproduzindo a vida fictícia de um tipo social extinto, o gaúcho, e seu linguajar, preservado pelos gauchescos.
A oralidade, reconhecem os estudiosos da gauchesca, é o elemento primordial da sua transmissão e preservação através de gerações urbanas. A recitação em associações tradicionalistas, concursos de declamação, rodeios crioulos, escolas e nos programas de rádio e televisão exercem um papel fundamental para a continuidade do gênero.
Bibliografia Básica:
Borges, Jorge Luis y Casares, Adolfo Bioy. Poesía Gauchesca (2 volumes). México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, Primera reimpresión, 1984.
Campra, Rosalba. En Busca del Gaucho Perdido, in Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, Año XXX, Nº 60. Lima-Hanover, 2do. Semestre de 2004, pp. 311-332.
César, Guilhermino. Notícia do Rio Grande. Porto Alegre: IEL/Editora da Universidade, 1994.
Josiowicz, Alejandra. Letra y sangre en el Género Gauchesco. Carnaval y guerra patria escrito en clave menor, in www.ucm.es/info/especulo/numero37/gauches.html, acessado em 02/04/2008.
Rama, Ángel. El Sistema Literario de la Poesía Gauchesca, in Poesía Gauchesca, Caracas: Biblioteca Ayacucho, 1977.
Rama, Ángel. Poesia Política Gauchesca. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 2000.
Rojas, Ricardo. Historia de La Literatura Argentina – Los Gauchescos – II. Buenos Aires: Editorial Guillermo Kraft Limitada, 1960.
Tiscornia, Eleuterio. Intrudución, in Poetas Gauchescos. Buenos Aires: Losada, 3ª edición, 1974.
(*) Paulo Monteiro, autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais e literários, pertence a diversas entidades culturais do Brasil e do exterior. Endereço para correspondência e envio de livros para leitura e análise: Paulo Monteiro – Caixa Postal 462 – Passo Fundo – RS – CEP: 99.001-970.
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