Usina de Letras
Usina de Letras
166 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62072 )

Cartas ( 21333)

Contos (13257)

Cordel (10446)

Cronicas (22535)

Discursos (3237)

Ensaios - (10301)

Erótico (13562)

Frases (50478)

Humor (20016)

Infantil (5407)

Infanto Juvenil (4744)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140761)

Redação (3296)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6163)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Ensaios-->A CONDIÇÃO ARTESANAL DA OBRA LITERÁRIA -- 28/01/2008 - 23:17 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



A CONDIÇÃO ARTESANAL DA OBRA LITERÁRIA

João Ferreira
1974-2008

O fato de a obra literária ser finalisticamente uma obra temporal, leva seu autor a dotá-la de condições sócio-culturais necessárias à comunicação. Todo o escritor parte do pressuposto de que assume na sua obra uma linguagem referencial em relação à circunstância lingüística de seus leitores, imprimindo à sua escritura, no sentido descrito por Roland Barthes, “um tom proposicional evidente, uma convenção e uma arte declarada”.
Nas tribulações da criação, o lídimo escritor balança sua redação entre a arte e o artesanato.
Por arte entendemos a estética em si, a empatia das formas estruturais se arrumando entre si. O artesanato diz respeito por sua vez ao trabalho de manipulação dos instrumentos de materialização e de corporização da linguagem, no afã de narrar a estória em pauta.
O artesanato envolve a utilização de técnicas. Por isso assume de alguma forma a condição de ofício mecânico. No exercício de seu ofício, o escritor procede tal como um artesão ou como um operário. Seu trabalho é de laboratório, de oficina, de carpintaria. Aí sujeita sua obra a um trabalho de cauteloso polimento, de desgaste, em procura da forma oculta ou prefigurada, de uma Gestalt.
Uma galeria ampla de espécimes bibliográficos assinala já a preocupação dos escritores frente a este segredo que é parte de seu ofício.
Sem pretendermos analisar exaustivamente o tema, achamos de utilidade prática, assinalar três trabalhos que em nossa ambiência crítica brasileira fizeram ressaltar a importância da oficina literária a um público atento ao processo literário.

1- A flaubertização da escritura

Por ordem cronológica, o primeiro dos trabalhos a aparecer em público foi “O grau zero da escritura” de Roland Barthes(1).
Com o senso crítico que lhe é peculiar, Barthes faz uma análise do artesanato em Literatura. Começa por apresentar um contraste entre a forma clássica de escrever e a forma pós-flaubertiana moderna. Informa-nos que o classicismo trabalhava na base de conceitos universais mantendo um código lingüístico geral, que dava à linguagem um valor de uso. A partir de 1850 a literatura conscientiza-se e analisa o próprio ato de escrever, procurando a própria justificação. A escritura apresenta-se como valor-trabalho e seu prestígio ganhará na proporção do trabalho que tiver custado. Barthes analisa o escritor-artesão, em demanda da forma e cita o esforço e a solidão como elementos imanentes à ação do operário da literatura. Fechando-se para trabalhar sua forma, o escritor demanda o preciosismo da concisão, transformando sua escritura em estilo literário aristocrático. Barthes atribui a Flaubert o começo desta preocupação artesanal, dizendo mesmo que o escritor francês “fundou uma escritura normativa que contém –paradoxo – as regras técnicas de um pathos”(2).
Barthes põe ainda em relevo que a codificação da linguagem literária responsabiliza o escritor pela forma e reconcilia-o com uma condição universal, fazendo da escritura uma arte ou uma convenção clara, uma arte declarada. A esta tendência artesanal Barthes chama de flaubertização da escritura, que aponta como condição fatal de todo o escritor que tiver a sociedade como meta de sua escritura.

2 – Oficina literária

Outro trabalho importante e conciso apareceu na revista Educação do Ministério da Educação e Cultura sob o título de “Uma Oficina Literária”(3). É da autoria do escritor Cyro dos Anjos, professor do Instituto de Letras da Universidade de Brasília e romancista em foco nos meios literários e críticos nacionais.
O estudo de Cyro dos Anjos pode ser visto como crônica, reportagem e análise da fundação de uma oficina literária em funcionamento numa escola superior. Cyro dos Anjos relata o trabalho que tem feito com seus alunos na oficina que fundou em 1962 para levar aos jovens acadêmicos, candidatos a escritores, uma experiência análoga à que desenvolvem algumas universidades norte-americanas em suas Workshops of Creative Writing. Cyro dos Anjos transformou sua oficina em escola, convidando escritores profissionais em exercício a exporem o roteiro e as técnicas usadas em sua criação e em exercícios práticos de estilo e treinamento de recrutas.
Em vez de um simples modelo norte-americano, Cyro dos Anjos deu à escola um caráter realista, chamando-lhe Curso de técnica de expressão escrita, na mira de buscar para seus alunos do curso uma expressão correta. Estabeleceu na oficina a relação do mestre-escritor com a de aprendiz-escritor, visando toda a finalidade da oficina:que é a de procurar os diversos giros de frase, determinado arranjo gramatical, variantes de frase, com vistas à expressão adequada. O mestre tende a exercitar o aluno no manuseio das palavras, no toque leve que dá à frase energia na plasticidade, na subtileza, no matiz desejado. Convidará o aprendiz a deslocar este ou aquele vocábulo, a suprimir aqueloutro, a limpar a escrita, com a extirpação das adiposidades, a alijar toda a carga inútil,. Pedir-lhe-á concisão quando se mostrar prolixo e explicitação quando conciso em demasia(4).
A feliz iniciativa de Cyro dos Anjos que tivemos a sorte de acompanhar através de algumas sessões, por convite do Mestre, leva até ao aluno não apenas o tratamento gramatical mas o próprio tratamento estético, que constitui a carpintaria completa, sensibilizando-o ao ritmo, suprimindo cacofonias, ecos, assonâncias e aliterações infelizes. Tudo aquilo que pertence a uma operação formal dentro da busca de expressão. E “quando se oferece ocasião tratam-se também aspectos estruturais do texto, atendendo na disposição de seus elementos: a ordem em que se distribuem, o relevo excessivo de um, a pouca iluminação dada a outro. Enfim, a proporção das massas com vistas ao efeito que se procura”(5).
Em seu depoimento Cyro dos Anjos aconselha: “evitem-se na oficina digressões teóricas. O trabalho é de laboratório. Tem cunho acentuadamente factivo, operativo. Transmitem-se conhecimentos que pertencem à parte puramente artesanal da criação”(6) “A oficina literária parte do pressuposto de que há na escrita criadora uma parte demonstrável, uma técnica transmissível”(7).

3 – A carpintaria na experiência de um romancista

O terceiro depoimento importante que desejamos aduzir em favor da tese artesanal em Literatura é o de Adonias Filho em “Experiência de um romancista”, pronunciamento feito no VIII Encontro nacional de Escritores, realizado em Brasília em outubro de 1973.
A conferência do grande mestre autor de Os Servos da morte, Forte, Corpo Vivo e Memórias de Lázaro visava explicar a gênese de sua obra romanesca., apontando o começo da percepção mágica que acompanha o desabrochar da sensibilidade, a vis]ao do meio e dos homens, a transfiguração imaginária e a reinvenção no ato criador. Ao atravessar a adolescência e ao colocar-se na consciência da maturidade profissional, Adonias Filho confessa que “o romancista já não ignorava que os principais elementos da ficção em prosa – como a personagem caracterizada, a ação episódica e o ambiente reconstituído – exigiam suportes como a linguagem e a arquitetura para que o romance se tornasse obra de arte. A complexa colocação da personagem, a valorização da intriga no sentido da apresentação mágica ou fantástica da estória e o discurso no cerne da problemática, tudo isso não basta ao romancista para que o romance se faça uma obra de arte. Reclamava em extremo e ao lado do artesanato que imediatamente se reflete na linguagem, aquela arquitetura que surge como a cobertura plástica”(8).
Adonias mostra a contribuição de Joyce na técnica da montagem estrutural do romance moderno. Abandonando a construção linear do romance até meios do século XIX, a ficção aproxima-se do processo cinemático e cria seus meios para servir seu estilo. Referindo-se a “Corpo Vivo”, o romancista escreveu: “Mas se a técnica e o artesanato eram conscientes, a atenção inteira concentrada nos recursos plásticos da carpintaria, irrompiam espontaneamente os elementos da fabulação”(9).A dificuldade que sempre impediu fosse “ O Forte” escrito antes de “Corpo Vivo” era que necessitava de ampla cobertura técnica para movê-lo na atmosfera lírica da linguagem poética que julgava tão imprescindível quanto a estrutura moderna. E “Corpo Vivo” deu a cobertura à sombra do artesanato e da carpintaria que por tantos anos ocupara o romancista”(10). E adiante: “Os três romances da saga do cacau –“Memórias de Lázaro”, “Os Servos da morte” e “Corpo Vivo” – assim como “O Forte” tinham posto em mãos do romancista melhores instrumentos e melhores recursos para o tratamento artesanal e o acabamento técnico”(11).

4 – A forma custa caro

Diante das declarações dos mestres que apresentamos resta-nos concluir que a tradicional afirmação de que “a forma custa caro” tem seus fundamentos na verdade do artesanato em Literatura. Enquanto o substrato da linguagem escrita for o estilo realizado através de processos lógico-mentais, oracionais, gramaticais e verbais, o artesanato será imprescindível para dar ao texto sua beleza técnica e literária. Na expressão e arrumação do discurso, a meta está numa forma peregrina e invisível. Mas em torno da meta movem-se os cinzéis, trabalhando, retalhando e condicionando.É o paciente trabalho artesanal. Palavra que se elimina, sinônimo que se escolhe, memória que luta por recuperar uma expressão mais adequada e própria. No fim de contas,a escolha,a seleção e a mudança formulam-se a troco do imperialíssimo vigor do código da linguagem literária e da sensibilidade “habituée” que é ao mesmo tempo artística e técnica. Quando a preferência não assenta na gramática, ela gira em torno dos mestres, dos autores preferidos ou em moda. Operamos na base de códigos. Tentar virar o processo é absurdo numa literatura que se produz para ser consumida. O artesanato só morrerá quando o homem deixar de querer a perfeição ou quando morrer nossa atual forma de comunicação e de expressão ou se esgotar a comunicação que o provoca.

João Ferreira
27 de Abril de 1974/ 28 de Janeiro de 2008

OBSERVAÇÃO - Este texto - que colocamos hoje na Internet - foi publicado no dia 27 de abril de 1974 no “Caderno de Sábado” do “Correio do Povo” de Porto Alegre, RS/Brasil.

NOTAS

(1) BARTHES, Roland. O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix, 1971.
(2) IDEM, ib. 77
(3) ANJOS, Cyro. “Uma Oficina Literária”. In: Educação. MEC. Ano II, nº 8 (abril-junho 1973), pp. 7-10.
(4) IDEM, ib. 9ª.
(5) IDEM, ib. 9b
(6) IDEM, ib.9b
(7) IDEM, ib.10ª
(8) ADONIAS FILHO. Experiência de um romancista. Pro-manuscrito divulgado pela Fundação Cultural de Brasília: Brasília 1973, p.5
(9) IDEM, ib. 8
(10) IDEM, ib. 9
(11) IDEM, ib. 9-10.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 73Exibido 2464 vezesFale com o autor