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Ensaios-->Androginia pós-moderna. -- 10/01/2008 - 15:44 (Paulo Milhomens) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sexualidades em construção e indústria musical no ocidente (1979-1980)


Resumo:
O texto referente faz uma abordagem sobre a androginia na contra-cultura entre os anos 70-80 e suas contribuições sociais e espaços de uso para uma nova estética do corpo e sua utilização pela indústria musical.
Palvras-chave: androginia – sexualidade – cultura.

'Me xingavam na rua porque eu estava de camiseta, dessas sem mangas, fuleiras, que hoje todo mundo usa. Em São Paulo, fui morar no bexiga, e já era hippie, cabeludo. Passava pela rua e as pessoas batiam as janelas na minha cara. Ficavam indignadas com a minha presença'.
(Ney Matogrosso, Revista Carta Capital, 07 de novembro de 2007)


A imagem é impactante: homem, músculos à mostra, batom e maquilagem berrante, uma roupa de lycra. O cabelo mais se assemelha aos modismos franceses da nobreza do século XVII. Mas o ano é 1973. Não são fios reais, a cabeleira é uma peruca negra aveludada, lembrando a tecitura sintética do plástico. Só era colocada nessas ocasiões, e estamos descrevendo a paisagem de um show de rock. O local? New Garden ou Studio 54, na cidade de Nova Iorque.
Surgem mulheres com um visual Nina Hagen, também lembrando a clone “drag” brasileira Nani People. O cenário também pode ser descrito como uma capital dos trópicos. Rio de Janeiro ou São Paulo. Novos valores de cultura urbana eram despejados no imagético cristianismo metropolitano de então. Woodstock era um fenômeno recente na indústria cultural nas suas formas de transgressão, liberdade individual e coletiva. O certo é que nos dias atuais, ainda respiramos vivamente tempos complexos de outrora. As pressões sociais e políticas da década de 1960 – enquanto resultado direto de suas ações – não couberam socialmente nos anos seguintes. Os anos 70 foram uma avalanche cultural radical.
Mas é preciso pensar na confluência dos espaços. Eles se reconstróem a partir das experiências múltiplas. Imaginemos ligeiramente, quantos exercícios antropológicos foram feitos sem que um olhar distraído notasse essa invenção cotidiana.
Não seria de estranhar que tanta poliformia, riqueza e confusão trouxesse à tona comportamentos novos, isto é, etnograficamente só encontráveis aqui. Nos trópicos, fomos favorecidos por um molejo físico notável, sedutor. No Brasil existe a capacidade de mescla natural sob diferentes fenótipos, biótipos, arquitetando a desorganicidade histórica de reinventar o uso dos prazeres em geografias tão performáticas:
Os lugares são histórias fragmentárias em si, dos passados roubados à legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar, mas que estão ali antes como histórias à espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas, enfim, simbolizações enquistadas na dor ou no prazer do corpo (CERTEAU, 1984:189).
A pós-modernidade representa um retorno da pluralidade, da emoção, da magia. Enfim, uma volta que se perdeu na modernidade, que tentou racionalizar todos esses aspectos (MAFFESOLI, 2007). Isso nos remete às configurações urbanas nas décadas de 1970-80 nesse imaginário contemporâneo. Este período é marcado por agitações políticas intensas, pela Corrida Armamentista (Guerra Fria) e o surgimento de movimentos políticos decisivos (feminista e homossexual). O experimentalismo urbano das metrópoles traz uma nova perspectiva para a prática da identidade sexual humana: a androginia. Essa mesma característica híbrida dos sexos, ora cortejada em antigas civilizações (como a greco-romana), apreciada como estética do belo, ora normatizada e acusada de bizarrice no século XX.
A androginia pós-moderna pode tanto afastar como aproximar. Ela choca e atrai, pois mescla composições sociais que confundem a tradição de um imaginário coletivo estabelecido por uma nova relação sociológica de transição humana.
O que nos importa compreender, através da perspectiva de novas relações do corpo, é a correlata situação em que se encontram as discussões polêmicas acerca da sexualidade em constante transformação. Ou seja, neo-afirmações, práticas urbanas afirmativas: o visual transgressora (o).
No entanto, a androginia não deveria ser – embora certas estudiosas (os) pensem o contrário – ou estar associada ao desejo do sexo, pois ser andrógino independe de orientação afetiva. Essa também é uma peculiaridade androgínica dos artistas na década de 1970. A consciência de um visual híbrido desassemelha e contradiz a idéia de gueto social. Uma pessoa desconectada de certa cultura gay pode desenvolver uma prática social independente dos rótulos ou símbolos científicos que possam caracterizar um indivíduo institucionalmente, como podemos observar na denúncia abaixo:
É necessário não esquecer que a categoria psicológica, psiquiátrica e médica da homossexualidade constitui-se no dia em que foi caracterizada – o famoso artigo de Westphal em 1870, sobre as “sensações sexuais contrárias” pode servir de data comemorativa (...) Como são espécies todos esses pequenos perversos que os psiquiatras do século XIX ontomologizam atribuindo-lhes estranhos nomes de batismo: há os exibicionistas Lasègue, os fetichistas de Binet, os zoófilos e zooerastas de Rohleder. Haverá os mixoscopófilos, os girecomastos, os presbiófilos, os invertidos sexoestéticos e as mulheres disparêunicas.
(FOCAULT, 1993)
A literatura científica correspondente aos séculos XVIII à XIX, desenvolveu um discurso no ocidente, no sentido de que determinados dogmas religiosos migraram para os códigos normativos das sociedades européias, atestando o uso dos prazeres como forma coercitiva. O corpo “proibido” enquanto representação social via a androginia como elemento complicador do sexo, ora confundido com a intersexualidade – ainda chamada de hermafroditismo – (com origens biológicas muito claras pela ciência atual) ou práticas “imorais”.
Neste período, aliás, desconhecemos fontes documentais que tratem pessoas com tais características físicas de modo complexo. Na pior das hipóteses, um cidadão francês em 1850 sob “suspeita”, seria criminalizado como sodomita, tipologia empregada no imaginário popular da época, já que o sexo era rigorosamente criminalizado no apogeu racionalista.
Pela ótica de Singer (1991), as teorias da sexualidade nos dão ampla junção de novas teses em si mesmas: a psique deve ser explorada para que possamos observar todos os elementos que lutam contra valores morais e aspectos clericais. Podemos considerar sua construção cultural como surgimento de novas tendências do corpo e mente, como Travestis, Drag Queens, Transformistas, Crossdressers, Transexuais ou Trangêneros (variedades em gênero na sexualidade). Conforme Picazio (1998), essas diferenciações podem até surgir enquanto conceitos ditos homossexuais, mas não significa entendê-las como algo “específico” para determinadas formas de convivência. Nesse artigo, percebemos também uma “arte visual” do vestir diferente (como no caso dos hippies) aos padrões ditados pela moda – uma ruptura profissional, artística.
Modelos de recepção na indústria cultural
No Brasil, o modelo de um artista polarizado nos palcos entre feminino e masculino, surge evocado na personalidade do cantor Ney Matogrosso. Oriundo do conjunto musical Secos & Molhados (1973-1974), idealizado pelos compositores Gerson Conrad e João Ricardo, Matogrosso serviria de frontman nas exibições ao vivo. Em plena Ditadura Militar, a irreverência e ousadia do grupo ganhou enorme sucesso no Brasil, através de canções como “Sangue Latino” e “O Vira”, hoje consagradas no repertório da música popular brasileira.
No Reino Unido, temos a presença de David Bowie nos fins de 60. Caracterizado como “camaleão”, Bowie assume uma postura androgínica, bissexual e bastante peculiar no cenário musical britânico. Seu contemporâneo, Freddie Mercury, cantor e compositor do grupo Queen – particularmente na década de 70 – admite inspirar-se em Liza Minelli para criar seu visual na concepção de uma estética extravagante, inspirando outras bandas de rock. Mercury também traz à público uma postura bissexual. Entretanto, os dois artistas não se vinculam ao que chamamos de “postura política” sobre lutas sociais no quesito gênero. Visualmente, eram ligados ao estereótipo de uma indústria cultural da época, portanto, usos do entretenimento e showbussines. Não havia nenhum entendimento de uma prática militante nesse sentido. Os músicos que assumem o estilo estavam bastante ligados ao que podemos chamar de Glam Rock, Hard Rock, Progressivo, Indie, entre outros estilos de rock.
Diante desse modismo, algo pouco debatido é o fato de verificar a androginia na Contra-Cultura como um deslocamento abrupto do ser social feminino e masculino, no caminho de uma nova sexualidade. Mesmo com os padrões ditados pela moda, sua configuração nos daria exemplos desconstrutivos em gênero, ou seja, rumo a uma idéia da sexualidade individualmente indefinida, como uma dialética às classificações arraigadas no racionalismo moderno (GARBER, 2005).
O andrógino é um exemplo issexual contundente, na medida em que não existe linha tênue entre sexos. E é justamente essa construção antropológica que estabelece uma nova linguagem entre estar e ser andrógino. Não há regra fixa nas ciências para definir uma conduta social híbrida, mutável. Portanto, podemos observar a sexualidade humana pela perspectiva de um origami: os lados podem ser invertidos ou trocados, não havendo uma posição definida sobre as partes manipuladas com o papel. A técnica permite modificar a figura conforme as circunstâncias.
Sobre a verve oitentista

Hey anos 80, charrete que perdeu
o condutor...
Hey anos 80, melancolia com
promessas de amor...
(Raul Seixas)
A consolidação do movimento dá-se num espaço de dez anos. Suficiente para enxergarmos a New Wave. Sons eletrônicos conduzem o início dos anos 1980 ao apogeu da indústria fonográfica européia e estadunidense. Nichos culturais são criados para o consumo: músicos de Heavy Metal surgem com calças colantes e coloridas.
Será perceptível a vocação de um choque visual menos cult, ora mais pop culture. Surgem artistas visuais, quadrinistas, cineastas e escritoras (es) buscando, entre outros, o visual gótico moderno, inspirado nos elementos de um passado medieval, mas inserido num imaginário urbano do século XX (como o grupo musical britânico The Cure, liderado por Robert Smith), belas unhas postiças, jaquetas pretas e eventos celebrando o surgimento dos pontos de encontro dessa juventude. Às vésperas da primeira edição do Rock in Rio (1985), a supremacia de sons estrangeiros nas rádios do país é evidente.
Michael Jackson é celebrado com estrondoso sucesso internacional (seu álbum Thriller, de 1982, vendeu cerca de 100 milhões de cópias). Com uma performance inspirada em James Brown, o “rei do pop” também se curva ao cultismo andrógino. Suas mudanças com cores e roupas singularizam uma estratégia comercial mais distante da Soul Black Music setentista estadunidense. A extravagância da moda, claro, chega aos palcos: a década de 1980 pode ser considerada como a era dos grandes espetáculos ao vivo, a consolidação de um padrão de arte com nível sonoro apoiado pela mais alta tecnologia do período.
Vale ressaltar, como qualquer processo de uma indústria na cultura, a androginia pós-moderna atingiu essencialmente o público jovem. A crise de valores detectada com as intensas manifestações de Maio de 1968, foi percebida por esse mercado. Se tivermos de discutir se houve uso consciente dessas práticas entre artistas e população em geral, correremos o risco de enquadrar, mais uma vez, a sexualidade como arquétipo. O que deve representar saldo positivo ou não, de uma época tão atribulada, está nos campos da contribuição de práticas sociais menos restritivas.
Pensar nomenclaturas? Deveríamos imaginar a simples e clara sexualidade desenvolvida pela história individual dos seres. Guetos e cores para “afirmar” os “sexos” não funcionará por muito tempo. Aliás, estou convencido de que a sexualidade humana deve ser pensada como construção antropológica em si mesma.
A individualidade humana é uma trilha que foge a caminhos concretos. Mas deve ser vivida imprescindivelmente. Se outros mecanismos a estimulam exteriormente, devem ser considerados enquanto paliativos necessários, mas não definitivos. E é justamente essa alternativa que trará uma compreensão mais clara da identidade sexual em dias vindouros.
Obviamente, a prática da androginia estilizada por ditames da moda é bastante discutível, controversa numa real significação de valores instituídos. No entanto, torna-se um exercício indelével nas resoluções de uma visibilidade da sexualidade consciente, desvinculada de mitos racionalmente metodologizáveis.
Pois como diria o cineasta e humanista Charles Chaplin: precisamos de mais afeto do que máquinas. Mais emoção e menos razão. Mais ternura do que tecnologia. Isto é caminhar para um novo pensar.



Referências:
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petropólis: Vozes, 1994.
COSTA FILHO, Pedro Vieira da. O ovo da Rainha Dragão. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais). Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Natal, RN, 2004.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade: a vontade do saber. Rio de Janeiro: Graal, 1993.
GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. São Paulo: Brasiliense, 1984.
MAFFESOLI, Michel. Brasil, um laboratório vivo da pós-modernidade. Entrevista concedida ao portal Nominuto.com. SOUSA, Alex de. & GEIDER, Henrique Xavier. Natal, Rio Grande do Norte, agosto de 2007.
GARBER, Marjorie. Vice-versa: bissexualidade e erotismo. Rio de Janeiro: Record, 2005.
MEAD, Margaret. Macho e fêmea. Petrópolis: Vozes, 1971.
PETIT, Paul. História Antiga. São Paulo: Difel, 1983.
PICAZIO, Claudio. Sexo secreto: temas polêmicos da sexualidade. São Paulo: GLS, 1998.
SINGER, June. Androginia, rumo a uma nova teoria da sexualidade. São Paulo: Cultrix, 1991.

Fontes digitais:
www.letsrock.com.br/classicos-ney-matogrosso
www.sheerferattack.spaces.live.com
www.petcom.ufba.br
www.yrum.multiply.com/reviews







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