A noite estava fria, escura e chuvosa, com nuvens cobrindo as estrelas. Perdido na floresta, no meio de mais uma guerra insana, estava um soldado ferido e à beira de um colapso emocional. Ele se perdera de seu pelotão numa batalha e vagava agora sozinho em meio à mata, carregando a dor de um projétil que se alojara em seu ombro e questionava incessantemente o horror real à sua volta, e a barbárie insensata da guerra.
Solitário, com frio, dor, cansaço, e com a escuridão lhe engolindo em suas entranhas e ocultando medos e pavores no desconhecido. Quanto à guerra, pensava ele com indignação qual o seu propósito, e conseguiu concluir, envergonhado de sua própria humanidade, que qualquer diferença entre os povos não deveria ser negociada com tanta violência e irracionalidade. Matar para não morrer. Destruir a natureza. Combater a vida trilhando marchas fúnebres e saudando a soberana morte, vencedora triunfal de todas as batalhas. Ferir, mutilar, proporcionar o sofrimento e a dor em seus semelhantes, matar e se congratular de sua superioridade frente ao inimigo. Tudo é insano e sem sentido.
Ali, na escuridão, ferido, perdido num inferno criado pela sua própria espécie, o jovem e transtornado soldado continuava seus pensamentos e começava agora a delirar ao tentar entender a guerra. E visões também começavam a surgir à sua volta. Explosões, disparos de projéteis, gritos de dor, cheiro de sangue coagulado no ar, morte. Cenas de horror real em estado puro e absoluto. Delírios, visões... Sozinho, no escuro, dor, frio, o inferno... a guerra...
Foi quando ele ouviu uma voz gutural, rouca, pavorosa, ecoar em seus ouvidos em meio às visões e ruídos do caos de seus delírios. Parecia um som sobrenatural, vindo da podridão do além, do desconhecido, como um lamento grotesco de uma legião de criaturas agonizantes e desesperadas. As palavras traduziam a dor profunda da guerra e incitavam o soldado a obter a sua paz eterna. Sons guturais e distorcidos que gritavam pelo fim da loucura e sofrimento. Delírios, visões, mensagens...
O jovem soldado, esgotado física e psicologicamente, esforçou-se em suas poucas energias, pegou sua metralhadora, apontou para a própria cabeça, e sem hesitação disparou explodindo seu cérebro, cujos pedaços misturaram-se com a mata, agora vermelha de seu sangue, o sangue de outra vítima.
Para ele, a guerra finalmente acabava... |