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Ensaios-->Geraldo Maia: Máquina nem sempre -- 23/05/2007 - 12:00 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
De: geraldomaia2004
Enviado: quarta-feira, 23 de maio de 2007 10:08:40
Para: ... ttacitus@hotmail.com, ...
Assunto: Re: máquina nem sempre

MÁQUINA NEM SEMPRE

Geraldo Maia

Recebi um e-mail outro dia onde alguém que não me ocorre agora se queixava dos escritores baianos pelo marasmo, nenhuma voz discordante, todos elogiam todos para (cada um) garantir o seu quinhão de elogios e por aí. Pude comprovar esta realidade de perto na última Bienal do Livro, mais precisamente no Café Literário, onde os mesmos nomes de todos os anos (os pretensos famosos) desfilaram seus egos inflados precocemente às custas da total ausência de auto-crítica e de visão crítica do público presente.
Quando a diva Myriam Fraga desafiou para que fizessem a avaliação de alguns textos, se prosa poética, poesia-prosa, prosa em versos ou só poesia, ninguém teve coragem de encarar, nem mesmos os mestres doutos e pós-doutos,
para que se expor se o quinhão de glória está garantido no círculo fechado da citação mútua, do elogio mútuo (da premiação mútua), farto e piegas?

Quando também o laureado bardo, Rui Espinheira, desandou a espinafrar o Manoel de Barros, de cima de sua pilha de prêmios, me indignei, mas me contive, só quando o dito literato de prêmio começou a esculhambar com os leitores do (para mim) maior (em termos de qualidade e quantidade de desvio poético) poeta vivo da atualidade, não segurei as ondas e parti pra briga (verbal, calma). A coisa esquentou um pouco e logo logo a mediadora segurou a onda (ainda tem essa).

Que dizer? Que a mediocridade tem tons corporativos (igrejinhas), mas detratar o único poeta brasileiro vivo que merece realmente ser chamado de poeta, e pelas costas, a seguir fazer o mesmo com o seu público (sou parte dele) é muita arrogância, prepotência, covardia e insensibilidade para o meu gosto. Que vergonha! Aí saiu todo mundo pro linchamento do Manoel. Que coisa!

Mas o que eu quero mesmo é falar do livro do meu querido amigo Cãe, o “bigbrodiano” Luís Antonio Cajazeira Ramos (LACR, que chique!), que conheci
no restaurante macrobiótico Gergelim da Neide Benitez, que fica na rua Minas Gerais, Pituba. Eu confirmava uma nova etapa do meu aprendizado de padeiro integral tendo como mestre o também dublê de poeta e padeiro, Gabriel Cohim (Lê Haim!), raro cultor e autor de belos versos fesceninos.

O Cãe chegou a trabalhar no local como auxiliar administrativo (ou sub-gerente, sei lá). Importa é que um dia ele chegou junto e me apresentou
um maço de poemas (riscos no breu?), pediu que desse uma lida e depois comentasse. Veio a calhar. Eu andava às voltas com a “Estrutura da Linguagem Poética” de Jean Cohen (Ed. Cultrix) e aprendia que poesia é transgressão da norma, desvio, impertinência, destruição da linguagem, ruptura com o código da norma, quebra do paralelismo fono-semântico, etc, etc. Realmente foi (e é) um aprendizado fantástico, o da “Arte Poética”. Saber que a função do poeta é inventar palavras (Manoel de Barros, João Cabral), que o modernismo abriu pra muita gente fazer prosa com forma de poema e achar que é prosa poética (Drummond).

O pior é que nas academias universitárias os senhores mestres, doutores e pós-doutores, além do que lhes é específico (ciência é isso, esquizofrenicar no laboratório, departamentalizar, pulverizar, tomar a parte pelo todo (especializar-se) e se dar bem (e como!), pouco se sabe que o discurso da
prosa é (mais) linear, heterogêneo, direto, cognitivo, paralelo, dicionário, gramatical, obediente ao código, denotativo, etc.
O da poesia é espirálico, homogêneo, quebra o paralelismo de som e sentido, afetivo, subjetivo, inventivo, desobediente, destrutivo, transgressor, etc, etc. Onde tem poesia não tem prosa (quase) e vice versa. Para existir a
poesia precisa destruir a linguagem da prosa para construir o discurso poético e exprimir o mundo que só a poesia é capaz de descrever. E que não adianta metrificar no rigor da vaidade, meter rima rica, ritmo, esmerar-se na forma como se fosse sinônimo de domínio da técnica da arte poética.

Bom, tudo isso para falar de “Mais que sempre”, o novo livro de Luís Antonio de Cajazeira Ramos (Cãe), detentor do Prêmio Nacional Gregório de Matos, da Academia de Letras da Bahia em 2002, que por sinal gerou comentários maldosos sobre uma suposta conspiração do corpo de jurados, mas tudo não passou de inveja porque “Temporal, Temporal” foi vencedor. Muitos garantem que se alguém quiser ganhar um concurso literário a manha é mandar poemas para vários acadêmicos, principalmente do eixo rio/são pulo/brasília/belo horizonte para que o estilo fique familiar na hora de alguns deles compor um
júri nacional. Neguinho inventa cada uma!
Mas voltando ao Gergelim, naquela época eu tinha sentido a poesia do Cãe um tanto prosa (nos dois sentidos) e distante da arte poética (apesar do já insinuante rigor métrico). Realmente, métrica perfeita, solidez técnica, domínio do verso, mas (para mim, e isso não é uma verdade absoluta só a minha opinião que não significa nada) muito pouco de transgressão, inversão, impertinência, ruptura, desvio, destruição e gozo, quer dizer, poesia.

Com relação a “Mais que sempre”, o novo livro, digo que ainda sinto mais o prosador que o poeta, apesar de momentos de pura invenção como “pele lisa da aurora” (lindo!), e “rugas do fim da tarde” (maravilha...). Muitos
(inclusive o próprio) sustentam que poesia é forma, e é verdade. Mas a prosa e a poesia definem dois tipos opostos de mensagem, às vezes pela forma, às vezes pela substância, em termos de expressão e de conteúdo.

A realidade ao ser falada, passa a fazer parte da linguagem, e será poética se for poema, prosaica se for prosa. Mas existem coisas que por si só são mais poéticas do que prosaicas. A noite por exemplo. A potencialidade poética de qualquer conteúdo depende da forma de expressão. O conteúdo permanece estável quanto à existência poética que é definida pela expressão, prosa ou poesia. A noite é poética quando “tinge tudo de breu” ou “cresce pelos matos” mas é prosaica como a “hora de dormir” ou o “fim do dia”.
O valor estético do poema está tanto no que é dito como na forma com que é dito. Tanto o nível ideológico como o lingüístico devem ser considerados.

Nesse caso o que menos importa é o poeta. Poesia é tanto significado e significante, ambos indivisíveis, inseparáveis, complementares, simultâneos, proporcionais e relativos. A poesia trata da linguagem poética. E o poeta só
existe pelo diz, fala, recita, pelas palavras que inventa, que liberta da prisão dicionária. A qualidade do fazer poético não está só nas palavras, nas idéias, nos sentimentos, mas também, e principalmente na invenção verbal. O poeta domina tanto o conteúdo quanto a lingüística porque versos são construídos com palavras e não com sentimentos ou idéias. Portanto é parcial enganoso afirmar que poesia é só forma ou só conteúdo.

Dizer que a forma já é o conteúdo define apenas uma visão de arte poética defendida pela teoria estruturalista em contraponto à teoria
substancialista. Mas poesia é arte, não é ciência, como arte é forma e função, artifício e emoção, invenção, desvio, revolução.

Vamos então observar a quantidade de desvio da norma, dos códigos gramaticais, que define o texto como mais poético ou mais prosaico.
Observemos o poema “BOLHA DE SABÃO”, do nosso querido Luís Antonio Cajazeira Ramos. Vamos ver a quantas anda o nível de desvio fono-semântico do texto.


Bolha de Sabão

A Kátia Borges

The art of losing isn´t hard to master.
Elisabeth Bishop

Um dia perderei a juventude,
se já não a perdi. Perdi a conta
de tudo o que perdi. Hoje o que conta
é tudo o que não sou, não sei, não pude.

Ah, chega de trilhar a senda rude
de perdas e saudade. A sorte aponta
o lugar da vertigem, vida tonta.
Resta perder a sede de altitude.

Girar...e a cada giro perder tanto,
que reste apenas o giro e inconsciência,
depois que tudo for perdido. Entanto,

deixar para perder a prepotência
no último momento, quando o espanto
revele que foi tudo reticência.


O primeiro verso do primeiro quarteto “Um dia perderei a juventude” é claramente um discurso linear, heterogêneo, onde cada palavra possui um
significado único, igual ao que está no dicionário, portanto, prosa. No segundo verso, “se já não a perdi. Perdi a conta”, não mudou muito, exceto pela repetição (discurso poético) de duas palavras (perdi) com o mesmo
significado, mas ainda dentro do universo da prosa. O terceiro verso “de tudo o que perdi. Hoje o que conta”, o discurso continua direto, objetivo, denotativo, prosaico, apesar de aparecer a palavra “conta” (o que se considera, predicado) com o significado diferente da mesma do verso anterior (conta, substantivo). Já no quarto verso “é tudo o que sou, não sei, não
pude”, discurso é totalmente denotativo, direto, dicionário, prosa. No segundo quarteto o primeiro verso “Ah, chega de trilhar a senda rude”, também é discurso direto, linear, ojetivo, heterogêneo, (mais) característico da prosa.

No segundo verso, “de perdas e saudades. A sorte aponta”, aí temos então um ligeiro desvio, uma impertinência predicativa, “a sorte aponta” ( a sorte, algo imaginário com o predicado de apontar, próprio de seres e coisas concretas). O terceiro verso é todo de impertinências, “lugar da vertigem” e “vida tonta”, mas pouco inspiradas (comuns). No quarto verso do segundo
quarteto “Resta perder a sede de altitude” temos outra construção conotativa, afetiva, impertinente, com uma figura mais criativa, embora também comum “sede de altitude”.

No primeiro verso do primeiro terceto tmos “Girar... e a cada giro perder tanto”, novamente o discurso denotativo, prosaico. O segundo verso, “que reste apenas giro e inconsciência” também é denotativo (prosa).O terceiro “depois que tudo for perdido. Entanto,” também é prosa pura. No segundo e último terceto o primeiro verso “deixar para perder a prepotência” é também prosa total. O segundo,“no último momento, quando o espanto” também é prosa
(apesar do espanto revelar no próximo verso).
No verso final do soneto decassílabo, “revele que foi tudo reticência”, temos aí um desviozinho “revelado”, mas na realidade, a despeito do rigor métrico, da existência de rimas, ritmo, aliterações, assonâncias, quebra de paralelismo, impertinências fono-semânticas, o poema apresenta poucos momentos de arte poética (invenção, transgressão, conotação, destruição, etc) quer dizer, uma baixa proporção de desvios, o que configura um texto mais de prosa (e menos de poesia) metrificada em formato de soneto.

Ao longo do livro (e da obra de Cãe) a prosa está mais presente, e tem razão o Secchin quando o compara a uma “implacável fábrica de poemas”. È por aí.

Mas eu conheço o Luís Antonio Cajazeira Ramos um pouco, mas o pouco me diz que ele é muito mais uma pessoa humana com um inexorável dom para o desvio, ainda que o ambiente que teime freqüentar o reprima de sobremaneira. Por enquanto ganhamos uma “máquina” mas ainda gozaremos o aprendiz de inventor de poesia por “mais que sempre”. A solidão tá na cola, gente!

Geraldo Maia
Poeta e aprendiz repetente de Arte Poética
geraldomaia2004@ig.com.br



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