Quero que seja numa tarde, assim logo depois do almoço, num cochilo tranquilo, desses de barriga bem cheia.
As pessoas receberiam a notícia e teriam o resto do dia livre só para mim.
Meu corpo quero que seja vestido com um vestido florido, de fundo azul e miúdas rosáceas. Algo que eu nunca usaria viva, mas que ficaria lindo em mim (morta). O rosto maquilado em tons pastel. Uma sombra discreta, porém visível, bochechas levemente rosadas -como sempre estão. Minha boca num tom que não seja o pálido. Sabe que quero morrer moça. Sei lá, Ã s vezes acho que eu não vou passar dos trinta anos -coisas da minha cabeça.
Posso imaginar o cadáver dentro do caixão de mogno chegando à s seis da tarde em ponto para o velório. É uma hora boa. O entardecer. Quando o Sol beija o horizonte e a Lua vem para posar esperançosa e, junto das estrelas, consolar os amantes do céu. E então o clima fica agradável. Nem frio nem calor. Penso num pór-do-sol avermelhado, seguido de uma noite amena e estrelada. Escorpião evidente no céu. Se não for possível quero pelo menos as Três Marias.
Uma coroa de rosas cor-de-rosa seria pedir muito? E cravos brancos? Eu adoraria. Odeio aquelas flores de morte -frias e horríveis. Crisàntemos me rodeando.
Sem muitas velas. Prefiro incenso. Um cheiro de lavanda. Delicioso.
Nada de crucifixo ou terço em minhas mãos. Apenas um botão de rosa vermelha, só para simbolizar a minha paixão pela vida. Se bem que uma lata de cerveja seria formidável (só para simbolizar minha paixão pela Brahma).
Pareço uma louca pensando nessas coisas. Podem até achar que minha vida é muito ruim e que o sofrimento toma conta de mim. Mentira. Adoro viver e sou muito feliz. Mas é que não tenho medo da morte, mesmo amando a vida como eu amo. Deste mundo a gente não leva nada, mas pode deixar toda a alegria e força com que viveu.
E enquanto a morte não vem me buscar com seu vestido branco esvoaçante, eu vou vivendo da melhor forma possível. Assim como quando o ónibus demora a chegar e eu fico lendo qualquer coisa com o walkman no ouvido.
