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Contos-->O Anel -- 09/12/2002 - 21:57 (Suzie Tibiriçá) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ajeitou o cabelo, para o lado, insistindo contra a forma natural deles, arrepiados, totalmente fora de ordem. Um tormento durante a vida toda, cabelos bárbaros que não se assentam. Um cavalheiro não pode ter o devido respeito com um cabelo desses, dizia o pai. Então, ele os penteava, deixando-os postos de lado, artificialmente, sempre a um ponto de se levantarem e se rebelarem, contra os bons costumes da aparência, contra a visão perfeita de um cavalheiro.
Sorriu frente ao espelho para verificar a brancura dos dentes. Fechou a expressão e suspirou como num fardo, torceu a boca e olhou-se de lado. Um pêlo encravado no canto superior da bochecha direita. Abre a nécessaire e a vasculha até achar a pinça. Busca o pêlo aprofundando a unha aparada do dedo indicador de uma mão e o recolhe com a pinça na outra. Aproxima o rosto no espelho e verifica. Perfeito. Loção pós barba. Uma leve palmada no rosto para não arder e não avermelhar. Perfume. Quatro borrifadas. Duas atrás de cada orelha. Para o calor espalhar o cheiro, ensinou a mãe. Duas nos pulsos. Ninguém ensinou a passar perfume nos pulsos, nunca soube bem porquê, mas todo mundo passa, deve ser correto.
Ajeitou a lapela, alisou o terno, estufando o peito. Um ultimo toque na gravata, vermelha, para destacar. É preciso destaque, meu filho, para não acharem que você é um homem comum .
Olhou para o chão e verificou se os sapatos brilhavam, alisou o peito do pé esquerdo, um pouco apagado, na parte de trás da perna direita das calças. Um último olhar da cabeça aos pés e vice-e-versa. Isso, ele sussurra baixo ao reflexo.
Passa pela sala, silenciosa. Ouvem-se só os passos amortecidos sob o carpete esverdeado, quase acinzentado pelos tempos. A casa tem um leve cheiro de mofo e naftalina. Ele ainda lembra de quando o carpete foi colocado, escolhido pela mãe. Era um menino. Fez questão de não mudar nada desde as mortes dos pais, porque sabia que era assim que eles desejavam a casa, do jeito que eles deixaram. Até as mesmas flores, eram religiosamente mantidas. O pai trazia margaridas amarelas, todos os domingos para a mãe. Brilhavam na sala, sob o vaso de porcelana ornamentado com flores azuis pintadas a mão. Ele, uma vez que via sempre as flores morrer, comprou algumas de plástico, as mais parecidas possíveis com as reais, para manter na casa ainda a presença dos pais, nas flores que não morriam. E mantinha, limpo e organizado, ainda um pouco vivo, mesmo que morto, cada cômodo em cada detalhe. Assim a casa permanecia, assim como sua aparência, beatificados, em memória.
Abriu a gaveta da escrivaninha, apanhou a caixinha de veludo, veludo branco. Não queria preto, não poderia ser. A caixinha teria que se destacar quando ele a tirasse dos bolsos. Teria que reluzir e surpreender a vista dela. Queria ver os olhos dela brilhar. Que ela dissesse sim, na mesma hora, e fosse morar com ele. Forrada de cetim de cor pérola por dentro, portava um anel de ouro, restaurado, com duas, apenas duas, pequenas pedras de diamantes. O anel. O mesmo que seu pai deu a sua mãe para construírem uma história de amor, com perfeição quase artificial, com filhos e flores e amor sem fim, como só uma criança pode imaginar. O amor que lhe faltava na vida na casa morta.
Ela há de aceitar, ele pensa antes de sair.

Ieda Marcondes - 09/12/02

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