Quando lembro da minha infância, lembro do meu pai, sempre trabalhando muito.
Ele saía muito cedo de manhã, trabalhava em uma fábrica de borracha, a Borbonite.
Ele me dizia com orgulho:
- Sou chefe de sessão.
Mas quando mandava a gente estudar, meu irmão e eu, dizia:
- Estudem para não virarem operário de fábrica como eu.
Nós morávamos em São Leopoldo, na Vila Scharlau. Nossa pequena casa alugada ficava na beira da BR, ao lado do posto da polícia rodoviária que existe até hoje.
Ao meio-dia, passando um pouco, ele chegava ofegante, pedalando sua bicicleta.
Lavava as mãos e o rosto, me dava um beijo, distraído, meio distante e ia para mesa onde minha mãe já havia servido seu prato.
Comia rápido e corria para tirar uma soneca.
Minha mãe ficava encarregada de colocar o relógio para despertar, pois poderia se distrair nos afazeres da cozinha e ele perderia a hora.
Meu irmão e eu ficávamos no mais completo silêncio para não perturbá-lo.
Quando o relógio despertava ele sai rapidamente, pegava a bicicleta e ainda reclamando por ter acordado cruzava pelo portão da frente.
No final da tarde quando ele chegava, tomava seu banho, jantava e sentava com a família na sala. Nós brincávamos com ele quase todos os dias, pois ele curtia esses momentos.
Ficava relatando os problemas que tinha enfrentado no seu dia, raivas, tristezas e frustrações ou, feliz, contava suas idéias que ajudavam a agilizar o trabalho e aumentar a produção.
Contava das brincadeiras, sacanagens, que ele e os colegas faziam uns com os outros.
Nos domingos a tardinha ele ficava ranzinza. Reclamando por ter que iniciar sua rotina na segunda-feira.
- Em função desses fatos eu sempre entendi que o trabalho para ele fosse um mal necessário, que ele deveria desempenhar com a máxima responsabilidade, mas a duras penas.
Ele nos criou colocando como prioridade o estudo, que nos proporcionaria um trabalho melhor.
Até que muitos anos depois ele começou a falar de aposentadoria.
Aposentadoria por tempo de serviço.
Toda a família aprovou, ele ganharia uma indenização, poderia ficar em casa, fazer tudo o que quisesse e ainda ganharia um salário todo mês.
E a aposentadoria chegou, com ela muitos planos e pouco dinheiro.
Os dias em casa foram muito bons no início, mas depois se transformaram em noites de insônia.
O dinheiro terminou e ele teve que procurar um outro emprego. Como não tinha estudo, como ele mesmo dizia, acabou trabalhando como vigilante, à noite.
Foi muito ruim, pois com mais idade, tendo que trocar o dia pela noite, as coisas ficaram mais difíceis.
Mas ele enfrentou com bravura. Quando chegava, as sete horas da manhã, pedalando sua bicicleta, ainda tinha energia para me acompanhar até a casa de um amiga para que eu pegasse uma carona para o colégio.
Surgiu então uma boa oportunidade de trabalho para ele e para minha mãe. Tornaram-se zeladores da Associação Atlética do Banco do Brasil.
Esse trabalho nos proporcionou moradia gratuita, menos para meu irmão que já estava casado.
Com o trabalho, eles contribuíam para o lazer mais agradável de muitas pessoas. O trabalho de limpeza, organização das mesas, servir refeições, encerar o salão e lavar intermináveis pilhas de louça era árduo, porém as pessoas que frequentavam a Associação eram para eles como da família. Sabiam as histórias de todos e corriam para atende-los.
Quando bem mais tarde eles saíram, receberam homenagens e festa de despedida.
- Terminei meu curso técnico de química e encarei meu primeiro emprego no DMAE, em Porto Alegre.
Não era o que eu queria, mas meu pai me recomendou que eu fizesse tudo “direitinho”, porque em seguida apareceria uma coisa melhor. Como ele diz, devemos sempre ser responsáveis e fazer amigos, pois nas voltas que a vida dá poderemos ter a necessidade de dar alguns passos para trás e encontrar velhos conhecidos.
Passaram alguns meses e fui chamada para uma entrevista na Cientec.
Era o emprego que eu queria!
Fiz a entrevista mas não deu certo, um outro candidato ocupou a vaga.
Meu pai me disse:
- Não desista, vai surgir outra oportunidade.
Surgiu. Um mês depois eu finalmente estava contratada.
Entrei na Cientec em 19 de agosto de 1980.
Há 22 anos.
A Cientec faz esse ano 60 anos e meu pai fez 80.
A história de trabalho do meu pai me orientou durante todos esses anos.
A importância que o trabalho teve na vida dele assim como os relacionamentos na empresa, o valor que ele dava para as coisas simples que fazia me servem de exemplo até hoje.
Nesse tempo eu casei, tive um filho, conquistei grandes amigos.
Paro para ver que a vida gira em torno do trabalho, das relações no trabalho e em função dele.
Quando passamos por fases ruins profissionalmente, elas afetam toda nossa vida e quando somos valorizados nossa auto-estima aumenta e tudo parece funcionar na vida pessoal.
Nas dificuldades do cotidiano, encontramos apoio nos colegas, amigos, que partilham diariamente da nossa vida.
E meu pai, todo vez que conversamos, ele pergunta se estou bem no trabalho porque tudo que ele pode querer é que estejamos bem empregados pois isso é o que dá rumo a vida. Máquina parada estraga.